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Reforma Tributária: afinal, por que o Brasil precisa de uma?
Reportagem Seriada

Reforma Tributária: afinal, por que o Brasil precisa de uma?

Pelo menos três propostas de reformas tributárias estão em estágio mais avançado no Congresso Nacional. Todas versando apenas sobre consumo. As discussões, no entanto, ficaram para 2021. Entenda o que pode mudar neste terceiro episódio do especial Educação Fiscal para Todos
Episódio 3

Reforma Tributária: afinal, por que o Brasil precisa de uma?

Pelo menos três propostas de reformas tributárias estão em estágio mais avançado no Congresso Nacional. Todas versando apenas sobre consumo. As discussões, no entanto, ficaram para 2021. Entenda o que pode mudar neste terceiro episódio do especial Educação Fiscal para Todos
Episódio 3
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Há um consenso no Brasil de que é preciso uma reforma tributária para tentar destravar a economia. Atualmente, existem pelo menos 2,9 mil projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre o assunto. Destes, três estão em estágio mais avançado. Ainda assim, o debate na Comissão Mista criada para discutir o tema acabou ficando para 2021, em meio às turbulentas negociações para sucessão do comando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Mas, afinal, por que é tão necessário debater o tema?

Ouça programa sobre o tema veiculado na rádio O POVO CBN

Motivos, na verdade, não faltam. A última alteração mais ampla foi feita em 1965. Além de uma legislação ultrapassada, o Brasil tem hoje uma das cargas tributárias mais altas do mundo, equivalente a 32,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Também é um sistema desigual, que atinge proporcionalmente mais os contribuintes de menor renda, e complexo que faz com que as empresas gastem, em média, pelo menos 1.501 horas por ano somente para calcular e pagar tributos, segundo o Banco Mundial.

Tudo isso faz com que, na ponta, o ambiente de negócios se torne mais hostil e menos atrativo ao investidor, a operação das empresas se torne mais complexa e os produtos cheguem mais caros ao consumidor. Isso sem falar que fica mais difícil ao cidadão entender o caminho dos impostos e, por consequência, cobrar por mais eficiência no gasto público.

Hoje o Brasil tributa, basicamente, em cima da renda, da propriedade, dos lucros e ganhos de capital e sobre o consumo. Mas é apenas sobre esse último que versam as principais propostas de reforma tributária hoje em andamento no Congresso.

Em comum, a PEC 45/2019, que está na Câmara dos Deputados, a PEC 110/2019, que está no Senado Federal; e a PL 3387/2020, enviada pelo Governo em julho, tentam em alguma medida unir impostos em torno de um novo e, assim, simplificar o sistema.

Porém, a disputa sobre quais impostos seriam mexidos; de quanto seria essa alíquota cobrada; e a forma como esses recursos serão partilhados entre União, estados e municípios, são pontos divergentes nas propostas e difíceis de serem equacionados, explica o professor adjunto da Fundação Getúlio Vargas (FGV- Rio), Gustavo Fossati, doutor em Direito Tributário pela Universidade de Münster, na Alemanha.

Ele reforça que a forma como a alíquota vai incidir sobre os produtos é outro nó e tem recebido muita pressão dos setores econômicos. Hoje, o imposto que incide sobre o pão, por exemplo, é diferente do que tem hoje sobre a energia elétrica. E as propostas apresentam diferenças sobre o que pode ser priorizado ou não.

A PEC 45/2019, a mais ampla das três, avança também sobre a questão dos incentivos fiscais. Reduzir ou mesmo zerar o ICMS tem sido uma alternativa dos estados que ficam mais distantes dos grandes centros consumidores para atrair investimentos. Este foi um dos fatores, por exemplo, que fizeram com que o hub aéreo da Air France-KLM ficasse no Ceará. Por outro lado, seu uso indiscriminado tornou o sistema ainda mais complexo e criou uma “guerra fiscal” entre os estados.

Das três propostas, a sugerida pelo Governo, por mexer apenas em impostos federais, é, na avaliação de Fossati, a mais fácil de ser aprovada. Porém, é a que traz menos efeitos práticos. “É mais fácil porque há um consenso de que PIS e Cofins deveriam ser extintos e esses dois tributos hoje são campeões de litígios administrativos e judiciais. Porém, em termos macro, resolveria muito pouco porque não avança em relação à questão dos estados e municípios, à guerra fiscal e nem sobre a desigualdade. Os impostos continuariam pesando mais sobre os mais pobres”.

O economista Ênio Arêa Leão, vice-presidente do Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças (Ibef), reconhece que as propostas não resolvem o problema do sistema tributário como um todo. Tampouco há hoje um ambiente institucional favorável entre Executivo e Legislativo para um bom debate. Também reforça que não haverá, no curto prazo, redução de carga tributária. Mas, se o que for aprovado trouxer algum nível de simplificação aos processos já será um grande avanço.

“A economia em 2021 depende do fim da pandemia e do entusiasmo daqui para frente. O Governo vai sair mais endividado, é urgente que gaste menos, mas, ao mesmo tempo, é importante estimular a economia. E se não tem como dar dinheiro, regras mais claras já são um estímulo“.

Simplificação tributária pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no País(Foto: Alex Gomes/ Especial para O POVO)
Foto: Alex Gomes/ Especial para O POVO Simplificação tributária pode ajudar a melhorar o ambiente de negócios no País

Para a secretária estadual da Fazenda (Sefaz), Fernanda Pacobahyba, no entanto, as três propostas podem ser consideradas uma tragédia para um estado pobre como o Ceará, por trazer sérios riscos de redução de receitas. E, a depender da forma como for aprovada, pode agravar as desigualdades no País.

Ela explica que o Brasil, dentro dos países da OCDE, é o segundo que mais tributa consumo. Somente perde para o Chile. E cobra de uma forma que pesa mais sobre os mais pobres, porque estes, via de regra, gastam tudo do pouco que ganham. Mas tem uma das alíquotas mais baixas do mundo sobre herança e lucro. ”Vamos fazer uma reforma tributária, que não é fácil, para continuar com um modelo desigual? A pandemia nos mostrou que não é possível mais varrer para debaixo do tapete, fingir que não existe a pobreza e a extrema pobreza no Brasil”.

Fernanda vem defendendo dentro do Conselho Nacional de Educação Fiscal (Confaz) que seja feita uma proposta intermediária, ou emenda aos projetos postos, na qual o Governo Federal, por um lado, aumente a sua receita por meio da elevação da tributação sobre patrimônio e lucro, mas, por outro, desonere a folha de salários e abriria mão das receitas do PIS, IPI e Cofins para estados e municípios. “Isso ajudaria a dar um equilíbrio para todos”.

Ouça "Programa de Educação Fiscal da Secretaria da Fazenda do estado do Ceará" no Spreaker.

O que o Ceará tem feito para tornar mais simples o sistema

Os impostos não são os únicos a pesar sobre o contribuinte no sistema tributário brasileiro. As obrigações acessórias, que são declarações mensais, trimestrais e anuais, onde constam informações sobre a empresa, são outro ponto complicador às operações. E é sobre essas mudanças mais simples, mas que, no fim das contas, também dificultam o funcionamento dos negócios e tornam mais complexo o sistema, que tem focado o Governo do Ceará, enquanto a reforma mais ampla não vem.

“Não tem muito para onde fugir: ou a economia volta a crescer ou a sociedade terá que, com o tempo, arcar com o aumento de carga tributária. E para voltar a crescer significa melhorar a ambiência de negócios. É o que estamos tentando fazer aqui no Ceará”.

A secretária estadual da Fazenda (Sefaz), Fernanda Pacobahyba, explica que apenas no pacote de socorro às empresas, anunciado em junho, como forma de minimizar o impacto da pandemia na economia, foram feitas 24 mudanças tributárias. Destas, 20 eram de obrigações acessórias. E as ações iam desde a possibilidade das empresas fazerem refinanciamento de dívidas (refis), à revisão de prazos, como redução de obrigações.

Em junho, o governador Camilo Santana e a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, anunciaram 24 medidas tributárias para minimizar o impacto da pandemia na economia (Foto: Tiago Stile e Ascom Casa Civil )
Foto: Tiago Stile e Ascom Casa Civil Em junho, o governador Camilo Santana e a secretária da Fazenda, Fernanda Pacobahyba, anunciaram 24 medidas tributárias para minimizar o impacto da pandemia na economia

Ela conta que, desde o ano passado, o Estado tem investido forte também na virtualização de processos e na integração de sistemas, como o feito com a Junta Comercial, para tornar mais célere o processo de abertura/fechamento de empresas. Além da criação do Conselho de Relacionamento com os Contribuintes (Condecon), no qual são realizadas reuniões com os setores e demais contribuintes para ouvir reclamações e sugestões para aperfeiçoar o sistema.

No dia 25 de novembro também foi regulamentado o programa de conformidade tributária “Contribuinte Pai d’Égua”, criado um ano antes, e que estabelece benefícios para os contribuintes que cumprem regularmente as obrigações fiscais. “É importante fazer essa distinção entre quem age corretamente, quem não faz e quem quer melhorar. O objetivo é, realmente, promover uma mudança de cultura no âmbito da Sefaz”.

O que pode mudar para quem está na ponta

Embora não haja previsão de aumento na carga tributária global, ainda não dá para dizer se os projetos de reforma tributária que estão tramitando no Congresso vão fazer com que os contribuintes paguem mais ou menos impostos. Até porque, por se tratar de mudanças apenas na tributação sobre consumo, o impacto vai depender não somente do texto que for aprovado, mas também do que as pessoas estão habituadas a comprar no seu dia a dia.

Por exemplo, a PEC 45/2019 estabelece que a alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), novo tributo que substituiria os outros cinco, deve ser a mesma para todos os produtos e serviços, não importa se a pessoa está comprando um pão ou um carro. Porém, este percentual poderia variar de um estado para outro

Já na PEC 110/2019, que funde nove tributos para criar o IBS, valeria uma alíquota padrão em todo território nacional, mas o percentual poderia variar de produto para produto. Ou seja, o imposto que se paga no pão pode não ser o mesmo do carro, mas tanto faz se o produto fosse comprado no Ceará ou em Brasília.

Nos dois casos, se a alíquota padrão for superior ou inferior à praticada hoje, dependendo do que a pessoa consome, pode ser que isso faça diferença no bolso ao fim do mês. Se ficar definido, por exemplo, que será cobrado 18% de IBS, a tendência é que o preço do combustível fique mais barato já que apenas a alíquota de ICMS para esse tipo de produto no Ceará é de 24%. Por outro lado, itens como o remédio, que têm carga menor, podem subir de preço com aumento. Ou seja, o impacto que o cidadão vai sentir no bolso no fim das contas vai depender do seu padrão de compras e do local onde vive.

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Para Igor Batista, gerente comercial da Sou Energy, empresa distribuidora de quites fotovoltaicos, é importante fazer uma reforma no sistema tributário para que as empresas possam trabalhar com menos insegurança e mais foco no que importa: que é o seu negócio.

“Sem dúvida nenhuma, o grande benefício desse tipo de reforma é a redução do custo Brasil. Simplificar já ajuda, é menos burocracia, menos custos e isso, no fim, também contribui para redução no preço que chega ao consumidor e na competitividade das empresas”.

Além disso, ele frisa que a simplificação tornaria mais fácil para sociedade como um todo entender como os impostos incidem sobre a cadeia produtiva. No caso do ramo em que atua, por exemplo, a empresa, por ser distribuidora, não vende diretamente placas fotovoltaicas ao consumidor final, mas sim para outras empresas. Mas, no dia a dia, os vários impostos que incidem sobre a operação dele também refletem no preço final do produto.

Para importar uma matéria-prima, por exemplo, é cobrado o Imposto de Importação (II). Já sobre a industrialização, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), enquanto na venda da mercadoria, o que incide é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Nem tudo é cobrado ao mesmo tempo, mas todos estão embutidos no preço. Além disso, dada a complexidade do sistema tributário brasileiro, esse mesmo produto pode chegar mais ou menos caro ao consumidor final.

“O quite completo de placas solares é isento de ICMS em todo País, independentemente do estado de destino. Porém, vamos supor que com o tempo uma peça como o inversor, por exemplo, venha a dar problema e precise ser substituída. Se você for comprar somente esse equipamento, fora do quite, já tem incidência de imposto. E como ele varia muito de estado para estado, pode ser que essa peça custe praticamente o dobro por conta do tributo”.

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Educação fiscal para todos

A série Educação Fiscal para Todos mostra a importância da educação fiscal para economia e para sociedade. Neste episódio, o terceiro, O POVO aborda a questão da reforma tributária, os projetos que tramitam no Congresso Nacional e como isso pode impactar a vida do cidadão. O primeiro episódio mostra o peso da sonegação para economia e a sociedade e como boas práticas adotadas no Ceará estão ajudando a reverter esses índices. O segundo aborda a importância de exigir a nota fiscal e outras formas do cidadão participar de forma mais ativa como fiscal da sociedade. Já o quarto episódio vai mostrar a importância da educação fiscal para o exercício de cidadania e como isso tem sido feito em tempos de pandemia.

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