Aluna em um colégio interno do Rio de Janeiro por sete anos, a empresária e consultora Ethel Whitehurst aprendeu a bordar e costurar na infância. Aos 15 anos, já morando em Fortaleza, começou a ajudar a mãe na confecção de camisolas. Dois anos depois, casou-se pela primeira vez, continuou trabalhando, empreendeu no segmento e já soma “50 anos de bordados e rendas”.
“Com a minha vida agitada de criar filho, trabalhar, viajar e vender, sempre trabalhando, eu não tive tempo de envelhecer.”
Sempre de bom humor, a empresária de 65 anos atribui a vitalidade ao cuidado com a espiritualidade e à empatia com os demais. Em meio à criação de quatro filhos — todos do primeiro de três casamentos —, esses anos foram majoritariamente dedicados ao ofício de criar, vender e se doar. É o trabalho que a faz feliz.
“Uma coisa muito importante que eu considero é eu dar meu tempo para melhorar a qualidade de vida de outras pessoas”, afirma. Ethel já planejou desacelerar, trabalhar menos horas. Mas, em 2017, aceitou o convite da amiga Ana Maria Studart para participar do núcleo em Fortaleza do Grupo Mulheres do Brasil. Assim, a ideia não se concretizou. Além de continuar à frente da Yamor da Ethel, deu início ao trabalho voluntário com rendeiras do município de Aquiraz.
Em seguida, passou a trabalhar com internos da Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Elias Alves da Silva (CPPL 4), da Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes e do Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa (IPF). Aceitou, ainda, o convite para atuar com egressos do sistema prisional no projeto Um Novo Tempo, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). “Eu sempre trabalhei muito, mas agora eu trabalho muito mais”, relata.
Como fruto do trabalho no IPF, Ethel conta que as artesãs, que já produziam artesanato, passaram a vender mais. “Eu faço isso com um amor muito grande, porque já estamos vendo resultados: pessoas que saem de lá e não voltam para o crime, hoje são profissionais, são artesãs. Eles aprenderam uma profissão e já estão ou dando aula, ou produzindo para comercializar”, orgulha-se.
Não são raros os casos de mulheres que depois dos 60 permanecem envolvidas com o trabalho ou passam a se engajar em projetos voluntários. De acordo com Paula Brandão, professora e coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece), muitas delas buscam, após aposentadas, realizar atividades a que não conseguiram dedicar-se anteriormente.
“Elas passaram a vida toda trabalhando, e esse trabalho deu um sentido para a vida delas. Não é simplesmente pendurar as chuteiras. Elas têm um papel e ressignificam isso”, afirma. Em pesquisa de pós-doutorado, Paula Brandão estudou as docentes aposentadas do curso de Serviço Social da Uece. Muitas, conforme relata a pesquisadora, querem diminuir a jornada, mas dão aulas em “espaço onde são reconhecidas pelo trabalho de uma vida toda”.
“Elas vão para as pós-graduações ou dar aula como professoras eméritas em cursos de doutorado. Então, tudo isso é algo que torna a vida dessas mulheres mais ativa, mais potente. Você não vê mais uma mulher de 60, 65 anos sem um projeto. Elas têm um projeto de vida, e esse que é o diferencial. Antigamente, as pessoas chegavam aos 60 e só pensavam na morte. Hoje não, uma mulher com 60, 65 anos ainda está no auge”, afirma.
Foi aos 63 anos que Glória Santos deu início a um trabalho voluntário. Bióloga por formação e professora aposentada, já faz uma década que ela participa do Projeto Cidadania Ativa, do Serviço Social do Comércio (Sesc), e visita quinzenalmente uma comunidade no bairro Papicu. “Quando reduzi minha carga horária e senti que ia parar, não me senti muito bem. Então, busquei alguma coisa para conviver com outras pessoas, um grupo. Eu busquei (o Sesc) e vi que poderia, além de me beneficiar, beneficiar os outros”, conta.
O trabalho voluntário, para ela, a ajuda a se manter viva, apesar das críticas que já ouviu. “Não está bom de parar?” ou “já fez tantas coisas” foram algumas delas. “Mas, ao mesmo tempo, você convence as pessoas de que a melhor parte é essa: você ainda se sentir útil e participar, como cidadã que você é”, conta.
Existe, porém, uma “diferença abissal” entre idosos de distintas classes sociais, segundo a vice-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Gênero, Idade e Família da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Menezes. As alternativas não são as mesmas: enquanto os de classes média e alta têm inúmeras possibilidades — como viajar, realizar projetos pessoais ou cursar uma nova graduação —, aos mais pobres resta trabalhar.
“O idoso das classes baixas, que durante toda a vida foi muito mal remunerado, continua trabalhando porque tem uma necessidade. Então, ele vai continuar, de alguma forma, nos bicos e nos trabalhos informais, (mas) não porque gosta. Ele pode até dizer que é porque quer, mas sabemos que, no fundo, ele continua trabalhando por questão de sobrevivência.”
A antropóloga e pesquisadora Mirian Goldenberg, autora de livros como “Corpo, envelhecimento e felicidade” (2011) e “Velho é lindo” (2016), também aponta a necessidade de se ter boa saúde — o bastante para ter autonomia — e independência financeira para “envelhecer bem”. “Mas isso não seria uma questão só da velhice. Em todas as fases da vida, se não tiver saúde boa e independência econômica, é quase impossível viver. Imagine envelhecer.”
Para falar sobre vida profissional e projetos após a aposentadoria, o segundo episódio do podcast E.L.A.S. - Liberdade para envelhecer conta com uma conversa entre a jornalista e editora Regina Ribeiro, a professora Paula Brandão e a voluntária Glória Santos. Acompanhe:
Conteúdo produzido em parceria com:
Série de reportagens investiga o processo de envelhecimento feminino a partir da experiência de quatro mulheres a partir de 50 anos.