Quando o cientista e explorador Francisco Freire Alemão passou pela Região Norte do Ceará, ainda em 1860, notou traço marcante na sociedade de Sobral:
“As ideias políticas são muito extremas, mesmo as mulheres procuram-se avizinhar-se só de grupos do mesmo partido”.
Francisco Freire Alemão, em "Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão" (Fundação Waldemar Alcântara, 2011)Naquela época, “chimangos” e “marretas” – apelidos para os partidos liberal e conservador – disputavam o poder local com tanta rivalidade que o acirramento resvalava na vida pessoal.
Passados 160 anos desde a passagem de Freire Alemão, pouca coisa parece ter mudado na “Princesa do Norte”. Hoje o 5º maior colégio eleitoral do Ceará, com mais de 142,1 mil eleitores aptos, Sobral mantém peso ímpar no cenário político estadual por ser “reduto” de Cid e Ciro Gomes (PDT), há mais de uma década as mais influentes lideranças do Estado. Massapê, Granja e Camocim são outros municípios que prometem disputa acirrada na região.
No berço político de Ciro, a eleição caminha para reeditar mesma disputa registrada em 2016. Naquele ano, o irmão caçula da família, Ivo Gomes (PDT), venceu o deputado federal Moses Rodrigues (MDB) por 51,44% a 40,16% e marcou o retorno de um Ferreira Gomes ao comando local, algo que não ocorria desde a saída do hoje senador Cid da Prefeitura, em 2004. Agora, Ivo é pré-candidato à reeleição e deve disputar novamente contra o emedebista.
O peso que o clã dá para a manutenção de poder em Sobral ficou ainda mais evidente em fevereiro, após Cid Gomes viajar de última hora ao município quando soube que policiais amotinados estavam ordenando o fechamento do comércio local. “Estou indo para Sobral, que é a minha terra, onde estou vendo cenas deploráveis”, destacou, em vídeo divulgado nas redes. A visita acabou com o senador sendo baleado após avançar com uma retroescavadeira sobre o motim.
De lá para cá, o clima de acirramento pouco esfriou. Na oposição, Moses, que chegou a tirar licença do mandato de deputado federal no fim de 2019 para articular sua campanha, tenta atrair Dr. Guimarães (Pros), terceiro colocado em 2016 com 7,9% dos votos, para a chapa.
Segundo suplente do senador Eduardo Girão (Podemos), Guimarães avalia se somará forças com Moses ou buscará candidatura bolsonarista “puro-sangue”, lançando a si mesmo ou ao irmão, Domingues.
Lideranças ligadas ao movimento de militares em Sobral ainda não definiram posição quanto à Prefeitura, mas irão disputar vagas na Câmara Municipal pela oposição a Ivo. Líder do bloco de oposição do Pros em todo o Estado, o deputado federal Capitão Wagner afirmou, por meio da assessoria, que ainda “observa movimentação da oposição” para deliberar sobre apoio ou não.
A maior incógnita, no entanto, segue sobre qual será a posição do governador Camilo Santana (PT) diante do impasse. Aliado de primeira hora dos Ferreira Gomes, o petista também tem comandado uma aproximação com o MDB de Eunício Oliveira desde a eleição de 2014. Nesse sentido, postura de emedebistas na eleição de Fortaleza pode ser determinante.
Na estratégia eleitoral, a base de Ivo Gomes deve centrar foco na boa avaliação do clã Ferreira Gomes na região, bem como em uma série de obras tocadas no primeiro mandato do gestor. Já a oposição tenta colar nele a pecha de “coveiro da Covid”, por conta da postura rigorosa do prefeito em defesa do isolamento social e de medidas de combate ao novo coronavírus.
Outra disputa municipal em clima de “revanche” na Região Norte ocorre em Massapê, município da Serra da Meruoca limítrofe a Sobral. Por lá, no entanto, a reedição da última eleição ganha também contornos familiares entre dois dos principais concorrentes.
Atual prefeito, Jacques Albuquerque migrou do MDB para o PSD e já anunciou ser pré-candidato à reeleição. Ele terá como principal adversária a própria sobrinha, a advogada Aline Albuquerque (PP). A candidatura é sustentada pelo pai dela, o deputado estadual e atual secretário das Cidades do Ceará, Zezinho Albuquerque (PP) – irmão do atual prefeito.
Em 2016, Jacques impôs derrota histórica ao grupo de Zezinho ao impedir a reeleição de outro filho do secretário, o irmão de Aline e hoje deputado federal AJ Albuquerque (PP). Na época, o resultado causou surpresa e chamou atenção pois, além de comandar o grupo majoritário do município há vários mandatos consecutivos, Zezinho era presidente da Assembleia Legislativa.
Com a irmã de AJ, o grupo tentará voltar ao poder e emplacar a 1ª prefeita da história do município, em campanha que deve investir na proximidade com o governo Camilo Santana (PT). Já Jacques, por sua vez, se apoia na recente aproximação como o grupo do PSD de Domingos Filho e na força política de seu vice, o empresário Nilson Frota (PSD).
Massapê, no entanto, também é reduto tradicional de um dos principais líderes do PSDB do Ceará, o ex-senador Luiz Pontes. Na eleição deste ano, o tucano deve apoiar seu filho mais velho, o empresário Ozires Pontes (PSDB), na busca por retomar o comando da cidade, que já foi administrada pelo seu pai, também chamado Ozires Pontes, e pelo seu irmão, João Pontes.
Ou seja, disputa no município será completamente tocada por duas famílias tradicionais da política na região. Mais fragmentada, a família Albuquerque disputará com pessoas de fora e até de dentro do próprio clã. Com três candidatos de rivalidade histórica e gente graúda da política estadual envolvida, o município promete uma das disputas mais acirradas do Interior.
Outras duas eleições que prometem grande acirramento na Região Norte são as disputas nos municípios de Granja e Camocim, onde exercem grande influência, respectivamente, os deputados estaduais Romeu Aldigueri (PDT) e Sérgio Aguiar (PDT). A polarização entre as famílias já se sinaliza apesar de ambos serem integrantes da base de Camilo Santana (PT) na Assembleia Legislativa.
Em Camocim, reduto político da família Aguiar, Aldigueri apoiará a candidata de oposição Euvaldete Ferro (MDB), esposa do ex-prefeito Chico Vaulino (MDB). Já a atual prefeita e esposa de Sérgio, Mônica Aguiar (PDT), ainda não possui sucessor. Entre prováveis nomes, estão o presidente da Câmara de Camocim, César Veras (PDT), e Glauco Aguiar (PDT), primo de Sérgio.
Já em Granja, reduto de Aldigueri, a situação promete se inverter: Por lá, Romeu deverá apoiar a candidatura de sua esposa, Juliana Aldigueri. A atual prefeita, Amanda Aldigueri, é sobrinha do deputado e não tentará a reeleição. Já Sérgio Aguiar, por sua vez, articula aproximação com a oposição em Granja, que ainda não possui nome definido na disputa.
Série mostra o cenário eleitoral nas macrorregiões do Ceará