Com a eleição de José Sarto para futuro prefeito de Fortaleza pelos próximos quatro anos, alguns contextos já desenhados na Capital servirão de desafios para a futura gestão a ser empossada no dia 1º de janeiro de 2021. Um das principais missões será a saúde pública, que além da pandemia do novo coronavírus, tem alguns “problemas persistentes” a serem resolvidos. É o que projeta a professora do Departamento de Saúde Comunitária da UFC e coordenadora do Observatório de Políticas Públicas de Saúde, Carmem Leitão.
“O problema é o acesso e as barreiras para chegar e ser atendido com qualidade. Em Fortaleza, ainda há problemas de atendimento de urgência e emergência, ou seja, você tem uma rede de serviços, mas, embora tenhamos bom número de serviços descentralizados em vários bairros, ainda tem paciente com dificuldade de acesso a esse tipo de serviço, em especial a leitos hospitalares”, avalia a professora.
Além da necessidade de aumento da cobertura das equipes do Programa Saúde da Família (PSF), a professora destaca ainda futuros investimentos na área de saúde mental, que “praticamente, em Fortaleza, não cresceu nos últimos anos”, lembra.
“Você chegou a ampliar o número de CAPS, mas esses serviços não cresceram e você ainda tem dificuldade de qualidade nesses serviços da rede. Nesse setor também está a questão do álcool e outras drogas, as dependências químicas e os avanços das comunidades terapêuticas alternativas”, diz.
Para o presidente do Conselho de Saúde da Regional V, Alexandre Mazza, a gestão municipal deverá “garantir a equidade estabelecida pelo SUS”, principalmente para as áreas periféricas. “É você dar mais a quem tem menos. Temos hoje nove unidades das UBS e a Prefeitura não teve competência de geri-las por estarem em área de risco, não ter acessibilidade e não ter profissionais que queiram trabalhar. Na Regional V, ou o médico não se disponibiliza, ou vem e pega a transferência. Nossa vivência tem esse grande problema, o de respeitar o princípio da universalidade da saúde”, destaca.
Na área da educação, apesar dos avanços, a situação ainda impõe problemas. É o que analisa a professora e presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Ada Pimentel. Ela destaca a necessidade de melhores tratativas quanto ao Ensino Infantil universalizado. “Nós ainda não conseguimos, porque sempre a prioridade era o Ensino Fundamental, mas com as descobertas e estudos feitos sabe-se da importância da Educação Infantil no desenvolvimento cognitivo”, avalia.
Outro ponto é a necessidade de replanejamento do cronograma escolar e a recepção dos alunos na pandemia. Segundo a presidente, a nova gestão municipal deverá ser capaz de encontrar, junto às instituições públicas de ensino, melhores forma de lidar com o corpo discente neste período.
“Nessa retomada, teremos que rever o projeto pedagógico que em fevereiro previa objetivos de aprendizagem, algo que, ao todo, não conseguiremos como concluir o currículo na sua integralidade até o final do ano” destacou.
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Uma das principais questões, segundo Ada, será colocar em prática todos os eixos do parecer do CEE publicado no dia 10 de novembro, que inclui algumas medidas para amenizar os prejuízos do ensino em meio à pandemia do novo coronavírus no Ceará. Dentre alguns, está a criação de classes multisseriadas para a quebra da separação de alunos por anos escolares e a aplicação de um continuum curricular. "A escola não pode mais agir no contexto antigo, porque mudado o contexto muda as práticas", diz.
Para o professor do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Irapuan Peixoto, uma das questões mais problemáticas está na resolução da evasão escolar no início do Ensino Fundamental, etapa de responsabilidade do município. “A gestão municipal tem o desafio de ter uma rede de ensino muito grande, com desafios tão grandes quanto. Nos anos finais há uma evasão grande e a Prefeitura precisa pensar em políticas específicas para que o jovem não se evada, e isso passa por reformulação de propostas curriculares”, propõe.
O pesquisador defende ainda a contratação de mais professores como forma de combater uma “defasagem grande” dos profissionais em Fortaleza, a criação de plataformas próprias e a formação dos profissionais para um modelo de ensino híbrido. “A Prefeitura precisa pensar numa gestão de ensino remoto, de ofertar uma infraestrutura tecnológica que permita o ensino híbrido para um futuro breve. Inclusive, nenhum professor foi treinado para dar aulas online. Esse professor precisa ser treinado para essa condição, em particular para as crianças”, conclui.
Um dos impactos provocados pela pandemia do coronavírus foi a forte queda na arrecadação municipal. De acordo com levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a entrada de recursos provenientes do Imposto Sobre Serviços (ISS), do Imposto Sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nos cofres públicos de Fortaleza despencou 20,1%, 29,4% e 49,8%, respectivamente, no segundo trimestre de 2020 na comparação com igual período do ano passado.
O consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), André Carvalho, ressalta que a perda em mais de R$ 400 milhões em quatro das principais receitas, como a do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), trará desafios significativos para a gestão municipal.
"Os auxílios livres foram bem menores, na ordem de R$ 180 milhões, oriundos da lei 173 de maio de 2020. Portanto, o problema que se terá em 2021 é primeiro saber lidar com o resquício dessa situação sanitária", avalia André. O futuro quadro que o gestor municipal herdará em 2021, segundo ele, também será o "grande desafio de saber lidar com os recursos escassos de saúde”, devido a crise da Covid-19.
Na segurança pública, “reconstituir todo um sistema de proteção social fundamental" será o grande desafio do próximo prefeito de Fortaleza, afirma o professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC, Fábio Paiva. “Sobretudo nestes últimos anos quando a gente viveu o avanço de facções criminosas, que incorporaram jovens nas suas frentes, você não vê programas de inclusão social associados às areninhas". Essas unidades precisam ter capacidade para envolver e incorporar a juventude", critica.
Fábio defende a reconstituição das políticas públicas de segurança, com estratégias que “precisam ser repensadas com um olhar diferenciado para a juventude e com nova perspectiva de ocupação dos espaços públicos”. “É realmente uma situação muito de você realmente repensar todo tipo de política pública que vem sido feita e que tem contribuído com esse fracasso. Não é só construir uma praça, é oferecer serviços de lazer, cultura e segurança”, diz.
"Reaproximar a cidade da juventude pobre, preta, periférica”, segundo o pesquisador, é um fator decisivo que deverá ser pensado pelo próximo gestor que queira combater de forma eficaz as problemáticas da segurança pública em Fortaleza. “Muitos jovens têm sido alcançados pelo crime e a gente vê também muitas boas ações de coletivos de juventude acontecendo nas periferias sem apoio do poder público. Então é entender isso e oferecer condições para que esses grupos realizem seu trabalho”, afirma.
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