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Além da arrecadação, vaquinha eleitoral pode ser estratégia chave para pré-candidaturas
Reportagem Seriada

Além da arrecadação, vaquinha eleitoral pode ser estratégia chave para pré-candidaturas

O crowdfunding foi instituído pelo TSE em 2017, após proibição da doação de empresas a candidaturas. Com o modelo de captação de recurso, pessoas físicas podem doar até 1.064 reais aos candidatos já no período pré-eleitoral, o que tem transformado o financiamento coletivo em estratégia eleitoral promissora
Episódio 4

Além da arrecadação, vaquinha eleitoral pode ser estratégia chave para pré-candidaturas

O crowdfunding foi instituído pelo TSE em 2017, após proibição da doação de empresas a candidaturas. Com o modelo de captação de recurso, pessoas físicas podem doar até 1.064 reais aos candidatos já no período pré-eleitoral, o que tem transformado o financiamento coletivo em estratégia eleitoral promissora
Episódio 4
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A corrida pelo sucesso das candidaturas já começou; não pelo debate de ideias, mas pelo angariamento de recursos. Ter dinheiro é o ponto crucial para definir quem ganha e quem perde na corrida eleitoral, e o financiamento coletivo (também chamado de crowdfunding e vaquinha online) se transformou na galinha de ovos de ouro para boa parte dos candidatos com poucos repasses do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o Fundo Eleitoral.

Instituído em 2017 pelo Supremo Tribunal Eleitoral (STE), o financiamento coletivo chega ao quarto processo eleitoral também como uma estratégia de mobilização da base eleitoral. “Quando a pessoa doa, ela acredita no projeto político eleitoral (daquele candidato)”, comenta a vereadora Adriana Gerônimo (Psol).

 

 

Este ano concorrendo à vereadora de Fortaleza, é a terceira vez que Adriana usa o crowdfunding. A primeira foi em 2020, quando candidata a co-vereadora com a mandata coletiva Nossa Cara; depois, em 2022, quando concorreu à deputada estadual (eleita como suplente). “Em 2020, a meta era de R$ 10 mil e batemos. Foi a primeira vez e contamos com uma rede de apoiadores muito engajada”, relembra.

Na época, a mandata teve R$ 103.785,33 em recurso, dos quais 9,95% (R$ 10.326,65) vieram do crowdfunding, e o resto do Fundo Eleitoral. “Os partidos pequenos não têm muito acesso ao fundo eleitoral, e ele demora a sair. Isso atrapalha muito a campanha”, explica. “Para nós, o financiamento é muito estratégico para demandas urgentes de pré-campanha, como impressão de material, centro de apoio do comitê e locações de carros.”

Vereadora Adriana Gerônimo (Psol), na Assembleia Legislativa de Fortaleza(Foto: Thaís Mesquita )
Foto: Thaís Mesquita Vereadora Adriana Gerônimo (Psol), na Assembleia Legislativa de Fortaleza

Em 2022, na campanha à deputada, Adriana arrecadou R$ 5.611 por crowdfunding. “Foi uma meta menor. O dinheiro foi integralmente para material impresso e bandeiras.”

“É fato que as candidaturas que têm maior probabilidade de vitória são aquelas com maior recurso”, comenta a analista de política Paula Vieira, doutora em Sociologia e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC). “Então, de modo geral, aqueles candidatos que querem se manter competitivos fazem o financiamento coletivo.”

Para partidos com poucas cadeiras na Câmara dos Deputados e, portanto, com menor parcela de Fundo Eleitoral, o financiamento coletivo é a melhor maneira de arrecadar dinheiro suficiente para suprir impressão de panfletos, produção de bandeiras, produção de conteúdo para mídias e gestão de redes sociais, locação de carros e o aluguel do centro de operações do comitê.

 

Fundo Eleitoral distribuído por partido em 2024

Clique nas fatias do gráfico para ver o valor total do Fundo Eleitoral de cada partido

 

Além disso, dentro dos próprios partidos haverá candidatos com menos repasses. “Os partidos tendem a direcionar os recursos para legislaturas mais competitivas, o que pode inclusive estimular uma segunda cadeira”, diz Paula. Logo, candidatos menos conhecidos ou com menor força política dependem de outras captações.

“Tem também as cotas eleitorais, pelo Fundo Partidário, distribuídas entre mulheres, negros, indígenas”, relembra Paula. As cotas são uma maneira de estimular a candidatura de grupos historicamente marginalizados e afastados da representação e poder político. “Mas a maneira que os recursos são administrados é da conveniência dos partidos”, reforça a pesquisadora.

Na opinião da vereadora Adriana, não há divisão igualitária do Fundo Eleitoral entre os candidatos dos partidos, o que precisaria ser revisado. “Os candidatos precisam fazer financiamento coletivo quando acharem necessário, mas é óbvio que a divisão do fundo eleitoral é injusta. Nós temos que lutar para que não haja anistia dos partidos por não garantirem a equidade entre homens e mulheres, pretos e brancos.”

O deputado estadual Carmelo Neto, presidente do Partido Liberal (PL) no Ceará, também entende que o financiamento coletivo “não é suficiente para cobrir a diferença significativa dos repasses do Fundo Eleitoral”. Em 2020, Carmelo utilizou o crowdfunding durante a campanha a vereador, quando captou R$ 4.500. “Foi uma alternativa para diversificar as fontes de recursos e aumentar a transparência da campanha”, afirma.

Já em 2022, na campanha a deputado estadual, a arrecadação por vaquinha foi apenas de R$ 160; segundo o deputado, os desafios na prestação de contas fizeram com que a candidatura optasse por deixar o financiamento coletivo de lado. “Eu acredito que tem um impacto limitado na mobilização da base eleitoral. Outros fatores, como a estratégia de campanha e a mensagem, são mais determinantes”, pondera.

O deputado estadual Carmelo Neto foi o mais votado em 2022 no Ceará(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal O deputado estadual Carmelo Neto foi o mais votado em 2022 no Ceará

Nas eleições de 2022, entre os 46 deputados estaduais eleitos no Ceará, apenas quatro arrecadaram algum dinheiro por financiamento coletivo. Foram eles: Carmelo Neto (PL), Sargento Reginauro (União Brasil), Missias do MST (PT) e Renato Roseno (Psol).

Desses, o deputado estadual Renato Roseno teve a maior doação, com R$ 28.127,41 arrecadados por financiamento, equivalentes a 3,62% do recurso total (R$ 776.195,82) para a campanha.

 

Uso de financiamento coletivo entre os deputados estaduais eleitos em 2022

Use o controle no canto inferior para visualizar os dados de diferentes maneiras. Clique nos círculos para acessar detalhes de arrecadação de cada candidato.

Na visualização atual, cada círculo equivale a um candidato. Eles estão agrupados por partido e dimensionados pelo valor total de recursos para a campanha. Em roxo escuro, os candidatos que não usaram financiamento coletivo; em roxo claro, os candidatos que usaram financiamento:

 

 

Perfil dos candidatos que usam crowdfunding

Em 2022, 1.730 candidatos (cerca de 6% do total) recorreram às plataformas de arrecadação coletiva autorizadas pelo TSE. Praticamente todas as legendas, entre esquerda e direita, tiveram algum candidato usando a ferramenta. É uma adesão tímida, concordam os pesquisadores Amanda da Cunha, mestranda em Direito e especialista em Direito Eleitoral, e Anderson Godinho, mestrando em Economia e consultor e contador eleitoral de partidos e candidatos. Ambos são membros da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

“Infelizmente, o TSE não disponibiliza outros dados para compreender melhor qual é o perfil de quem costuma recorrer a essa modalidade, como por exemplo qual gênero, raça ou classe social”, ponderam.

 

Empresas com cadastro deferido pelo TSE (até 24 de junho de 2024)

Em 2024, esses são os sites autorizados pelo TSE a hospedar campanhas de financiamento coletivo eleitoral

 

No entanto, Paula Vieira, do Lepem, pontua que partidos pequenos, com poucas cadeiras na Câmara dos Deputados, tendem a usar o financiamento coletivo como parte importante da estratégia de campanha. Já os partidos médios e grandes acionam a ferramenta sem a vincular diretamente ao sucesso da campanha, principalmente porque eles já têm capital político consolidado para agregar base eleitoral.

“Eles não precisam estar convencendo as bases eleitorais para participar de vaquinha. O PT, por exemplo, não se vincula tanto às bases eleitorais pelo financiamento”, analisa a pesquisadora. Por outro lado, partidos como o Psol tem a utilizado para alcançar mais eleitores.

“A vaquinha é um financiamento do projeto político, não da pessoa. O eleitor pode apoiar não apenas com o votos, mas viabilizando uma ampliação desses votos. Esse discurso da Adriana Gerônimo, por exemplo, é uma forma de agregar eleitores”, diz Paula.

Financiamento coletivo também pode ser um termômetro para as pré-candidaturas(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Financiamento coletivo também pode ser um termômetro para as pré-candidaturas

É aqui que as diferenças entre os partidos são mais fortes. Enquanto a esquerda direciona o discurso do investimento em um projeto político objetivo, diretamente voltado para os grupos representados pelo candidato em questão (no caso de Adriana, mulheres, LGBT, negras e periféricas), a direita democrática o faz de maneira difusa.

“Ela não deixa tão marcado qual o seu projeto político. São mais palavras chaves: políticas para a juventude, para a saúde… Mas nada específico”, explica Paula. “Já a extrema-direita é mais objetiva”, ressalta.

 

 

Financiamento coletivo é estratégia para fortalecer base eleitoral

Mesmo que as vaquinhas virtuais não estejam entre as principais formas de doação de campanha — em 2022, apenas 1.730 dos candidatos (6% do total) usaram financiamento coletivo —, elas são um ótimo termômetro para o potencial do pré-candidato durante a pré-campanha.

“As vaquinhas virtuais têm uma perspectiva democrática, de alcance e visibilidade no meio digital, especialmente para candidatos que estão buscando pela primeira vez seu lugar ao sol na política”, dizem os pesquisadores Abradep, Amanda e Anderson.

Isso porque ter uma significativa mobilização nas doações está diretamente relacionado à projeção do resultado eleitoral: “Afinal, não faz sentido uma pessoa física doar e não apoiar aquele mesmo candidato”, diz Amanda.

Como o financiamento está autorizado desde 15 de maio, o alcance das metas e o grau de adesão de doadores podem guiar as estratégias e o marketing dos pré-candidatos. “Como o período da campanha eleitoral foi reduzido para 45 dias, a vaquinha faz com que o eleitor tenha uma noção antecipada dos candidatos ao pleito e suas propostas”, afirmam Amanda e Anderson. “Essa construção temporal é um fator importante e determinante para os candidatos mobilizarem seus eleitores.”

 

 

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