Proposta quase uma década atrás, em 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do narcotráfico se tornou pivô de uma guerra de versões entre postulantes na disputa pela Prefeitura de Fortaleza, reacendendo o impasse em torno do qual governistas e oposição se confrontaram.
Personagens centrais no embate à época, Evandro Leitão (hoje no PT) e Capitão Wagner (no União Brasil, mas então filiado ao PR) voltaram a duelar. A eles se somou o candidato à reeleição José Sarto (PDT), ex-aliado do petista quando Leitão ainda era filiado ao PDT e desempenhava função de líder do governo Camilo Santana (PT) na Assembleia Legislativa do Estado (Alece). Sarto era vice-líder de Evandro.
Adiada sucessivamente desde sua proposição por Rachel Marques (PT), a instalação da CPI que investigaria a atuação de facções criminosas e seus possíveis vínculos políticos acabou por explodir no início de 2018, ano em que Jair Bolsonaro seria eleito presidente da República e três anos após ter sido proposta.
Logo em fevereiro, na abertura dos trabalhos legislativos, o então governador Camilo Santana se mostrou favorável à instalação da comissão. “A Assembleia daria uma contribuição no debate, chamando as instituições, aprofundando a discussão.
A partir daí podem sair sugestões, orientações para serem implementadas no Estado. É nesse diálogo que a gente constrói as saídas”, defendeu o petista, que concorreria a novo mandato.
No Parlamento, porém, o humor dos deputados era outro em 2018. Presidente da Assembleia na época, Zezinho Albuquerque (então no PDT e hoje no PP) era contrário à comissão por entender que se tratava de tema de competência federal.
Evandro também se manifestaria contra a assinatura pelo encaminhamento da CPI, mas alegando razões pessoais. “Se essa Casa quiser aprovar a CPI do narcotráfico, eu sou a favor, mas não vou colocar minha assinatura porque eu sou pai de família, minha família precisa de mim”, declarou seis anos trás, de acordo com reportagem do O POVO publicada na edição de 16 de fevereiro de 2018.
A postura do líder do Abolição ensejaria enfrentamento duro com o principal nome da oposição nesse período. Em sessão ainda no primeiro semestre, Capitão Wagner e Evandro trocariam ofensas no plenário após falas do adversário de Camilo na tribuna.
Cobrado por Wagner para que assinasse a CPI, Evandro se exasperou, chamando o deputado de “frouxo”, ao que o parlamentar do PR reagiu: “A mocinha criou coragem?”. Wagner ainda disse que “os deputados estão com medo, pois que renunciem ao mandato”.
É especificamente a justificativa de Evandro para não endossar a CPI do narcotráfico que tem sido explorada por concorrentes ao Paço desde o início da campanha de 2024, anos depois desse bate-boca. Sarto, por exemplo, promoveu ato com apoiadores no entorno da Alece como primeira agenda oficial de candidato.
Nos debates entre postulantes, tanto o prefeito quanto Wagner passaram a exigir de Evandro divulgação de vídeo contendo a transmissão da sessão plenária na qual o líder do governo expunha seus motivos para não aderir à CPI.
Evandro nega a versão de que não assinou o requerimento de instalação da comissão. Sarto também. Ambos alegam, no entanto, que a CPI era apenas instrumento para pressionar o governo meses antes da corrida pelo voto.
Em sabatina na rádio O POVO CBN, no mês de setembro, essa foi a tese sustentada pelo deputado estadual, hoje chefe da Assembleia e candidato do PT ao Executivo municipal. Sarto, por sua vez, admitiu não ter sido favorável à CPI em 2018, mas por motivos diferentes dos de Evandro.
“Eu nunca disse que tinha medo de facção, eu não tenho medo de facção. O Leitão tem. À época, a nossa razão (para não ter subscrito a CPI) é exatamente a que ele está dizendo hoje: a motivação política da CPI. Tem uma diferença abissal, enorme, entre não assinar por compreender que é uma narrativa da oposição que quer, evidentemente, desgastar governos, e outra é dizer que tem medo de investigar facção”, avaliou o prefeito.
A campanha do prefeito Sarto tem insistido na cobrança: "Mostra o vídeo, Leitão", sobre o registro da transmissão da sessão plenária de 15 de fevereiro de 2018, na Assembleia Legislativa do Ceará, quando Evandro Leitão falou sobre a razão de não assinar pedido de CPI. A campanha pedetista acusa Evandro de não permitir que o vídeo seja tornado público.
O jornalista Lucas Barbosa, do O POVO, solicitou à Assembleia o vídeo da sessão, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Em resposta, a Assembleia informou que o vídeo está inacessível. "A transmissão daquele dia está armazenada no servidor Media Portal, no Cedoc da Alece TV, mas quedas de energia registradas no prédio da Alece em anos seguintes danificaram seu funcionamento", justifica a resposta.
A Assembleia ainda informa que, após tentativas da equipe técnica de recuperar o equipamento, a então direção da TV Assembleia (hoje chamada de Alece TV) comunicou o problema à administração da em 20 de março de 2019, conforme memorando de n.º 022/2019, endereçado à diretora geral do Assembleia na época, Sávia Maria de Queiroz Magalhães, assinado pelo então coordenador de Comunicação Social da Casa, Daniel Mendes Aderaldo. Na ocasião, em março de 2019, o presidente da Assembleia era Sarto.
Na resposta, a Casa disse ainda que o Media Portal passou por manutenção e chegou a ser utilizado posteriormente, mas novas quedas de energia ocorridas entre 2019 e 2020 danificaram o equipamento por completo, inviabilizando a recuperação de todo o conteúdo armazenado entre 2017 e 2020.
Então deputada estadual, Rachel Marques, do PT, protocolou pedido de abertura da comissão em 2015 para apurar atuação de facções criminosas em meio ao recrudescimento da violência no Estado.
À época, no primeiro ano após a pacificação entre grupos, os dados de homicídios dispararam no território cearense, desafiando as autoridades. Série de chacinas começou a ser registrada.
O Governo, contudo, conseguiu manobrar para impedir a instalação da CPI. Entre outras medidas, a base apresentou pedido de criação de CPI do DPVAT e do Acquario.
Em 2018, já candidato à reeleição, Camilo Santana (PT) se manifestaria favoravelmente à abertura da investigação. Na Assembleia, no entanto, o tema não prosperou, ensejando embates diretos entre governistas e oposição.
Um dos mais ásperos se deu exatamente entre Capitão Wagner (então no PR) e Evandro Leitão (filiado ao PDT), que tinha função de líder do governo Camilo.
Também deputado estadual naquela legislatura, José Sarto (PDT) era vice-líder. A Casa era presidida por Zezinho Albuquerque, outro pedetista que se posicionou contra a CPI.
Na tribuna, Wagner cobrou a abertura da comissão em 2018. “A verdade é que a Assembleia não tem feito sua parte, nunca instalaram a CPI do narcotráfico. A culpa é de todos nós que não pressionamos a mesa-diretora. Ou arquiva ou instala”, criticou.
Entre 2015 e 2024, porém, a CPI nunca saiu do papel. Nas eleições deste ano, a segurança pública é apontada como tema prioritário para a maioria dos eleitores da Capital, de acordo com pesquisa do Datafolha contratada pelo O POVO.
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