Jingles em carros de som e santinhos no chão da Praça do Ferreira, no Centro de Fortaleza, indicam que é tempo de eleições e reta final para a votação que vai decidir quem serão os próximos gestores e parlamentares de 5.570 municípios brasileiros, dos quais 184 no Ceará.
No coração de Fortaleza, temos o cenário tradicional marcado por interferências do meio político: bandeiras amarelas, azuis, vermelhas, seguradas por apoiadores dos candidatos, vestidos das mesmas cores. Na boca do povo, comentários elogiosos ou (muitas vezes) críticos, sobre a índole dos concorrentes e/ou o cenário eleitoral como um todo.
A partir das 8 horas deste domingo, 6 de outubro, pessoas de todo o Brasil vão exercer o que a Constituição brasileira define como “soberania popular”, selecionando o candidato mais adequado às ideologias e princípios do votante. Mas é tão simples assim? Quais são os fatores que mais pesam na hora de decidir o voto?
Foram diversas as respostas a esta pergunta, na Praça do Ferreira. Kevilly Oliveira, 24 anos, foi sucinta: “Pesam as propostas sobre saúde e educação”, disse. Francisco das Chagas, 46, afirmou que o que mais importa é o que o candidato pode fazer pelo eleitor. Alguém que cuide dos locais de trabalho e bairros onde residem.
Geane Campelo, 53, se elencou como “neutra”: não se manifesta, mas vota no mais adequado, conforme um critério de eliminação do “menos pior”. Luiz de França, 60, disse se guiar por projetos de governo, além da experiência prévia do candidato.
Flávio Campos, 43 anos, citou problemas como saúde e insegurança dos trabalhadores, que “saem cedo de casa e correm perigo” nas ruas da cidade. Ao fim da resposta, ele ainda criticou o processo político e a postura de eleitores em época de eleições.
“Na hora de pedir o voto, a lábia deles engana fácil. Eu creio que o povo esteja mais esperto, mas muita gente, às vezes, não está querendo nem dar o voto de confiança, quer vender. Eu acho errado. O negócio é rezar e confiar em Deus que a pessoa eleita vai ter compromisso com o povo”, disse.
Outro ponto de grande fluxo, especialmente em datas excepcionais como as eleições, é o Terminal Rodoviário João Thomé, a rodoviária. Somente neste ano, 32 mil passageiros deverão embarcar pelos terminais rodoviários de Fortaleza entre os dias 4 e 7 de outubro, segundo a Socicam Administração Projetos e Representações (Socicam).
Na manhã do dia 3 de outubro, por lá, o clima era de, no mínimo, pouca animação com o pleito. Pessoas ouvidas para este material relataram votar no interior e estarem de passagem na Capital por motivos médicos.
Carlos Henrique Lima, 20 anos, eleitor de Sobral; e José Francisco de Assis, 60, e a filha, Fernanda Araújo, eleitores de Porteiras, disseram se guiar por propostas, pelo perfil do candidato e o que ele pode fazer pela população. Outra moradora de Sobral, Maria das Dores, 70, disse estar insatisfeita com a gestão atual da cidade e, portanto, pensa em seguir para a oposição.
Houve ainda quem fosse de fora, como Reginaldo Ferreira, 54 anos, que mora em Maceió e só vota nulo porque “não acredita mais nas propostas destes políticos”.
Cientistas políticos, sociólogos, psicólogos, comunicadores e analistas ouvidos pelo O POVO+ também divergiram sobre os fatores que mais pesam na hora do voto. O único consenso entre todos foi de que “varia”.
O psicoterapeuta Márcio Acselrad, professor do curso de Psicologia da Unifor, comentou que, apesar de por muito tempo ter se achado “que a racionalidade do ser humano seria capaz de sobrepujar seus instintos”, ao se fazer uma análise histórica, essa tese não se comprova.
“Infelizmente o que temos na psique humana é essa ideia de que o ser humano vota com o coração, com o fígado, com o estômago. Tem um quê de amor, de ódio, de fome, de raiva”, diz o professor, que defende a racionalidade como promotora do voto consciente.
A configuração de voto emocional contra racional foi citada por outros especialistas como Monalisa Torres, pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC) e Fábio Gentile, professor de Ciências Políticas no Departamento de Ciências Sociais. Estes fatores seriam estimulados pelos próprios políticos, por meio de cabos eleitorais carismáticos e mensagem de menção ao “mal” que o opositor poderia causar à população.
A necessidade imediata do eleitor foi citada pelos pesquisadores. Fábio Gentile, assim como o Leonardo Bayma, analisa político, e Kevan Brandão, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), comentaram sobre práticas de vendas ou trocas de votos dos eleitores por benefícios.
Há questões familiares, frisadas pelo integrante do Lepem e colunista do O POVO+, Cleyton Monte. O analista acrescentou ainda questões como o meio social no qual cada eleitor está inserido, que incluem influências religiosas e e acesso à informação.
Da comunicação, o professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, Diógenes Lycarião, comentou sobre rejeição a outros candidatos, citando o exemplo do antipetismo que teria influenciado a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.
A pesquisadora Gabriella Bezerra vai em conformidade à colega de Lepem, Monalisa Torres, ao citar o desempenho das gestões atuais na eleição ou não do incumbente, por exemplo.
Em resumo, Bezerra afirma, que, em geral, os fatores estão cada vez mais individualizados e se modificam em cada pleito eleitoral. “A composição também é conjuntural, um elemento que não tinha tanta importância anteriormente, passa a ter e pode novamente, deixar de ser central”, diz ela.
Os analistas também comentaram as diferenças entre as eleições municipais e nacionais. No geral, o comentário foi de que os fatores se replicam, mas o pleito para prefeitos e vereadores tende a ser mais motivado por necessidades cotidianas da vida na cidade. Pautas ideológicas, neste caso, teriam impacto, mas em menor proporção do que à nível nacional, por exemplo.
Questões “mais distantes” como economia e orçamento público ficam de escanteio. O foco se torna, em geral, demandas da cidade como infraestrutura, oferta de serviços públicos, trânsitos, obras. A perspectiva, vale lembrar, segue levando em consideração fatores variáveis de pessoa a pessoa, e de comunidade em comunidade.
“Sem dúvida, tais fatores influenciam o voto do eleitor com pesos diferentes em eleições municipais e nacionais, tendo em vista a proximidade do candidato com o eleitor, bem como a constância diferente com que o eleitor vive os problemas a partir dos quais procura um representante capaz de diminuí-los”, resume Leonardo Bayma, analista político.
Mesmo no pleito municipal, há diferentes perspectivas. Uma delas está entre as pequenas e grandes cidades. Segundo Monalisa Torres, no Interior, as relações emocionais se intensificam, tendo em vista um maior conhecimento das figuras políticas. “O eleitor se identifica pessoalmente, é do convívio. O voto por gratidão pega muito do Interior. Além de que a eleição é muito mais animada em relação à mobilização das pessoas”, diz a pesquisadora.
O sufrágio secreto e universal tem como premissa quebrar a perspectiva do “voto de cabresto” do início do período republicano brasileiro, quando os eleitores eram orientados ou coagidos a escolher um representante, em conformidade com as lideranças locais. No entanto, campanhas seguem repletas de denúncias de crimes eleitorais, intensificadas conforme o pleito se aproxima.
Somente nesta semana, notícias do O POVO informaram denúncias e apreensões por crimes como ameaças a candidatos, compras de votos, envolvimento de facções criminosas no pleito e extorsão em cidades como Acopiara, Capistrano, Canindé, Graça e Fortaleza.
Como reforço, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) deflagrou a Operação Eleição 2024 com uma equipe de 21.560 agentes. No âmbito da operação, a Polícia Civil do Ceará informou, em 2 de outubro, ter prendido mais de 40 pessoas suspeitas de interferir no processo eleitoral. Os 184 municípios cearenses receberão reforço policial.
Já a Polícia Federal deflagrou a Operação Mercato Clauso, na qual foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão nas cidades de Fortaleza, Canindé e Choró. O objetivo é impedir a influência de grupos violentos nas eleições municipais de 2024.
Questões de insegurança e violência urbana permeiam o pleito deste o período pré-eleitoral, pautando o debate e afetando o exercício político de moradores e candidatos. “É uma das campanhas mais violentas dos últimos anos”, diz Ricardo Moura, jornalista especializado em segurança pública e colunista do O POVO+.
Pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC), Moura cita casos de violência contra candidatos e eleitores da Capital e do Interior com a mesma intensidade. “Se antes segurança era um tema secundário ou terciário, na pauta dos prefeitos, hoje se tornou um tema central. Isso mostra o quanto o crime eleitoral se expandiu, tomou territórios e é capilarizado”, explica.
Devido à novidade, alguns fatores, como a influência do crime organizado nos resultados eleitorais, só poderão ser analisados futuramente. No entanto, Moura já cita o impacto na campanha, com “candidatos que costumavam ir bem em um bairro e com acesso bloqueado”. “Será que ele perde esses votos? A eleição ocorrerá domingo. Veremos se houve impactos ou não.”
O “menos pior”, admiração, amizade, necessidade, rejeição a outro candidato, insatisfação. São inúmeros os fatores que levam a uma escolha eleitoral, com peso diferente para cada cidadão. No entanto, coerção e ameaça jamais podem ser incluídos na lista. A escolha é livre.
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Este site contém reportagens sobre as eleições municipais de 2024 em Fortaleza, no Ceará e no Brasil, abordando diversas temáticas