Das comédias gregas aos vídeos virais e memes nas redes sociais, o humor é uma poderosa ferramenta de socialização, capaz de derrubar convenções e driblar os dissabores do dia-a-dia. Ao partilhar de percepções em comum com o público, o humorista usa do cotidiano, de conceitos e pré-conceitos para despertar o riso.
Se esse universo compartilhado muda, o humor precisa se transformar também, sob a pena de perder a graça. Entendimentos sobre racismo, machismo, xenofobia e LGBTfobia avançaram nas últimas décadas e algumas piadas já não fazem rir — talvez, nunca tenham sido engraçadas. O humor tudo pode? Se não, quais os limites possíveis?
O humor vale-se do exagero, da hipérbole e do absurdo para provocar o riso que vem de um incômodo, estranhamento ou surpresa. Charges, paródias e piadas gozam de um espaço maior de liberdade para a espontaneidade e, até mesmo, a acidez.
Com isso em mente, os debates sobre limites do humor invariavelmente retomam o tema da liberdade de expressão, um direito expresso na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso IX. Ao mesmo tempo, no item seguinte, é afirmado que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” e que trata-se de um objetivo fundamental “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, inciso IV)
As mais variadas ciências que estudam o ser humano já trataram do assunto. O riso está entre as reações primitivas do cérebro e está ligado à sobrevivência da espécie. Além disso, se constitui como importante fator de existência das sociedades, sendo indispensável para o bem-estar de um povo.
Sua função social é evidente. Enquanto as pessoas riem, as contradições estão sob controle e os conflitos não constituem ameaça iminente. Seu desaparecimento é sinal de perigo. É quando surgem os comediantes cujas atividades eram incentivadas e controladas pelo governo, como o bobo da corte medieval.
Na modernidade, o humor — nas suas diversas expressões — é reconhecido como uma maneira de rir das próprias contradições e aprender sobre os próprios preconceitos. Ele permanece como lugar de crítica política e segue sob olhares atentos.
"O humor é irmão da poesia. O humor é quem denuncia. Eu não tenho possibilidade de consertar nada, mas eu tenho a obrigação de denunciar tudo, porque essa é a obrigação primeira do humorista. O humor é tudo, até engraçado."
Em março, Will Smith protagonizou inúmeras notícias relacionadas ao Oscar. Isso porque, durante a premiação, o ator agrediu o humorista e apresentador Chris Rock. Rock havia feito uma piada em que chamou atenção para a aparência física de Jada Pinkett Smith, atriz e esposa de Will, que estava com a cabeça raspada por causa de uma alopecia areata – doença que provoca queda de cabelo.
Fazer humor apontando para o corpo de outras pessoas é uma prática bastante comum e casos ofensivos já chegaram à Justiça. Em julho, a Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE) instaurou uma representação no Ministério Público contra o humorista Leo Lins, que aparece em um vídeo fazendo uma piada ofensiva sobre uma criança com hidrocefalia. Lins acumula 1,4 milhão de seguidores no Instagram e processos por transfobia, gordofobia, capacitismo e racismo.
O humor está longe de ser um mero comportamento reflexo. Certas falas ou situações produzem efeito cômico em função do contexto cultural no qual ocorrem. Diversos teóricos, atentam para a conexão do humor com expressões de superioridade e/ou hostilidade.
No livro “Racismo Recreativo”, o doutor em Direito Adilson Moreira aponta que o humor criado sobre estereótipos negativos dos negros faz parte de “uma política cultural cuja consequência indireta é a manutenção de arranjos sociais responsáveis pela marginalização de minorias raciais”. É nesta relação que residem as piadas depreciativas com negros e também com indígenas, pessoas com deficiência, comunidade LGBTQIA+ ou nordestinos, por exemplo.
A partir dessas compreensões, novas formas de fazer humor e uma nova geração de humoristas vem se apresentando no Brasil. Nomes como Ademara Barros, Lorrane Silva (a Pequena Lô), João Pimenta e Maíra Azevedo entendem que o constrangimento contra grupos minorizados não é piada e buscam inverter algumas formas já consagradas no humor brasileiro.
O Ceará tem o trunfo de ser a terra natal do primeiro humorista brasileiro. Essa tese é defendida por Jader Soares, autor do livro "Paula Nei: o Primeiro Humorista Brasileiro", e por Chico Anysio, que assina o texto de apresentação da obra. Francisco de Paula Nei — o Paula Nei — nasceu em 1958 e era conhecido por fazer graça e inventar histórias.
Mundo afora, tem cearense fazendo graça ou gente que ancorou seu coração no Ceará para fazer da arte do riso profissão. Em uma reportagem especial, o Vida&Arte reúne 140 nomes, apresentando quem dissemina a comédia por aqui. O Almanaque do Humor pode ser acessado em mais.opovo.com.br/reportagens-especiais/almanaque-humor-ceara.
O tema dessa inforreportagem foi escolhido por professores que compõem a banca do concurso "Redação Enem: Chego Junto, Chego a 1.000", uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR). A partir deste tema, estudantes da 3ª série do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede de escolas públicas do estado do Ceará são convidados a escrever uma redação nos moldes do exame. Este é o último de cinco temas, os anteriores foram:
- Perpetradores, colaboradores e espectadores do Holocausto: lições para o presente
- Os efeitos da pandemia de Covid-19 na Educação brasileira
- Racismo no século XXI
- A guerra na Ucrânia e a necessidade de se estabelecer a paz mundial
Especial reúne conteúdos para o concurso Enem 2022