Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, era temido em todo o sertão nordestino desde meados dos anos de 1920. Mas foi com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, que o cangaceiro passou a ser não apenas temido. Lampião viu crescer sua fama além das fronteiras do Nordeste e do Brasil.
Logo que assumiu o poder, em outubro de 1930, Getúlio Vargas pôs em curso o cumprimento de uma das suas promessas: “o combate sem quartel ao banditismo”. E deu início imediato a dois movimentos. Em primeiro lugar, o governo getulista executou uma campanha pelo desarmamento da "população civil" e, em segundo, articulou um plano para “eliminar Lampião e seu bando”. Até o emprego de aviões de caça foi sugerido para a captura do bandido.
Enquanto Getúlio fincava pé pelo fim do cangaço, Lampião se tornava cada vez mais procurado não apenas pela polícia, mas pela imprensa brasileira. Mostrar Lampião, sua vida no sertão adentro, denunciar seus crimes, e seus feitos em driblar campanhas legais armadas se transformaram em desejo latente de jornais e jornalistas.
Nas palavras do século XXI, o cangaceiro era uma espécie de celebridade que dividia opiniões. Para uns, Lampião era um herói que fazia justiça ao enfrentar os donos das terras, do poder e do dinheiro que eram uma coisa só no sertão nordestino. Para outros, era um bandido frio e cruel, que precisava ser aniquilado.
Ao saquear propriedades, os relatos davam conta de ataques de Lampião contra homens e mulheres. Os homens eram, via de regra, torturados antes de morrer. As mulheres, não raro, eram estupradas e queimadas com ferradura de gado. Os desafetos, assassinados sem dó nem piedade. Passados 82 anos da sua morte, não se pode dizer que a dualidade, marca de Lampião, tenha acabado de todo.
Fascínora, bandoleiro, cangaceiro, assassino, terror do sertão. Os jornais não economizavam adjetivos, tampouco esforços na peleja de seguir Lampião mata adentro. Histórias do cangaceiro corriam de um jornal para outro de forma veloz, mesmo diante dos recursos de comunicação precários se comparados aos de hoje.
Em Sergipe, Bahia, Pernambuco e Alagoas, estados onde Lampião e seu bando mais levaram o terror dos ataques, as notícias dos jornais eram contundentes, mesmo que, algumas vezes, se concentrassem em pequenas notas entre o cipoal de informações rápidas que campeavam os jornais de então: pequenas folhas abarrotadas de textos que se propunham a informar os principais fatos no Brasil e no mundo.
No Ceará, O POVO, criado em 1928, publicou em 1929 o primeiro texto sobre Lampião e seu homens. Em 1936, O POVO publicou a saga do fotógrafo Benjamin Abrahão, secretário do Padre Cícero, que fez o primeiro registro em imagem de Lampião e seu bando. As imagens capturadas por Abrahão deram origem ao filme Lampião, o rei do Cangaço.
Lampião não inventou o cangaço. De acordo com um dos maiores estudiosos do assunto no Brasil, o historiador Abelardo Montenegro, nos anos de 1830 já chamava a atenção do governo da época a ação de bandos que cometiam crimes de encomenda ou por vontade própria no sertão cearense.
Em 1834, quando José Martiniano de Alencar assumiu o comando da província, a onda de assassinatos era crescente. Alencar chegou a traçar um plano “missionário” na esperança de que a “moral evangélica” conseguisse “adoçar os costumes e prevenir os crimes”. Não conseguiu nem uma coisa nem outra.
Cem anos depois, o banditismo soava forte no sertão, e Lampião já era alvo de polêmica entre os governos do Nordeste. Enquanto Paraíba e Pernambuco juraram Lampião de morte, no Ceará, durante o governo de Moreira da Rocha, Matos Ibiapina sugeriu ao governador que “confiasse a Lampião o policiamento do Cariri”.
O motivo era simples: Lampião respeitava o líder religioso Padre Cícero e, por isso, não saqueava propriedades privadas em Juazeiro. Para Ibiapina, o “bandido perigoso” era apenas “um cavaleiro andante a proteger os fracos, a socorrer os infelizes, que até distribui a mancheias com os cearenses o produto dos seus saques nos estados vizinhos”.
Moreira da Rocha não seguiu o conselho de Matos Ibiapina, porém não enfrentou o cangaço. Os adversários políticos de Moreira o acusavam de “fomentador do cangaceirismo”. O jornal Gazeta de Notícias chegou a proclamar que o “Ceará, Terra da Luz e Terra do Sol”, se transformara em “Terra de Lampião, Terra de bandidos”.
A queixa de leniência do governo Moreira da Rocha respingava em Padre Cícero que, se por um lado, dizia-se interessar pela alma de Lampião, por outro, assumia compromissos políticos que empurravam Lampião ao “Batalhão Patriótico”, com queriam alguns políticos no Cariri, entre eles Floro Bartolomeu.
Neste conteúdo histórico, o leitor poderá conhecer alguns aspectos dessa cobertura jornalística que se destacou, inclusive, com a morte do cangaceiro, em 28 de julho de 1938. Além d`O POVO, Diário de Pernambuco, Diário de Notícias, e muitos outros jornais nordestinos, um dos destaques na cobertura de Lampião é o jornal A Noite (RJ), que enviou uma equipe de reportagem para Sergipe e por quase um mês municiou leitores com o espetáculo da morte de Lampião, Maria Bonita e nove dos componentes do seu bando.
> Assista ao filme Lampião, o rei do cangaço
Imagens de Virgolino Ferreira e Maria Bonita foram cedidas especialmente para esta reportagem por Patrícia Veloso.
Série com seis episódios oferece um passeio histórico pelas páginas do O POVO com personagens que marcaram a cultura, a política e a sociedade cearense