“A literatura assume muitos saberes”, afirma um dos famosos textos do semiólogo e filósofo francês Roland Barthes, que ficou conhecido no Brasil como “Aula”. “Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social, técnico, botânico, antropológico”, continua o escritor, até chegar ao ponto: “Se (...) todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes do monumento literário”. Barthes proferiu a sentença em 1977 durante a aula inaugural de Semiologia Literária no Collège de France.
Se imaginar uma literatura capaz de dar conta de tantos conhecimentos era difícil nos anos de 1970, quando o homem havia criado a bomba atômica e chegado até a Lua numa corrida desenfreada por limites de poder, imagine em pleno século XXI, com a Inteligência Artificial já na sala de casa. No entanto, a despeito de toda dúvida, a Literatura tem conseguido ao longo do tempo dar conta, inclusive, de um conhecimento futuro.
É o caso dos textos que antecipam a própria Inteligência Artificial, como o conto “O homem da areia", do escritor alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, cujo manuscrito é datado de 1815 e a publicação em livro aconteceu em 1817. Com clara influência do romantismo alemão, Hoffmann cria uma narrativa com muitas vozes e coloca no centro da trama o jovem estudante Nathanael, que havia sido um menino atormentado pelos medos que carrega desde a infância, quando o pai, alquimista, recebia um misterioso amigo Coppelius, em casa, e trancava-se no escritório a fim de realizar experimentos, segundo descobre mais tarde.
No período em que está na universidade e morando vizinho a um dos seus mestres, o professor Spallanzani, o rapaz conhece Olímpia, ao vê-la pela janela de sua casa. A moça linda, de olhar fixo, repousa as mãos no piano da sala. É o suficiente para o rapaz apaixonar-se e após uma festa em que dançou todo o tempo com Olímpia, resolve pedir permissão ao pai, o professor Spallanzani, para visitá-la. Não se importa se a moça apenas sorri enquanto ele lê suas peças literárias ou diga “Ah, ah”. Não lhe aborrece que Olímpia esteja sempre na mesma posição e embora o chá esteja diante dos seus olhos, ela nunca o leve à boca.
Nathanael permanece envolvido com a filha do professor, fazendo planos de casamento, os mesmos que havia feito para Clara, namorada da infância, agora esquecida. A única frase que ouve de Olímpia é “Boa noite, meu amado!”, o que lhe parece perfeitamente plausível. Até que um dia, ao subir as escadas da casa onde Olímpia o esperava, ouviu gritos. “Solta ... solta – Não foi isso que combinamos – eu fiz os olhos – eu, o mecanismo – vá para o inferno com seu mecanismo”.
Quando o rapaz chega à sala, dois homens, o pai da moça e o amigo Coppelius, que frequentava sua casa quando era criança, puxavam, cada um de um lado, Olímpia. A moça mantinha o mesmo olhar inerte mesmo após ter a cabeça arrancada do corpo numa disputa feroz que lhe espatifou as entranhas, compostas de cilindros de vidro. O rapaz, lívido diante da cena, enlouque.
A trama de Hoffmann tornou-se um dos primeiros textos literários com uma personagem que se aproxima com o que nós compreendemos como Inteligência Artificial. Olímpia, apesar de não ter um vocabulário que a distinga, opera como algumas mulheres de sua época: dança, escuta e emite quase nenhuma opinião. Olímpia é o contraste de Clara, ex-namorada de Nathanael, que discorda abertamente do rapaz e considera seus textos literários “horríveis” e “sem sentido”.
Hoffmann influenciou muitos outros escritores que trouxeram para sua produção literária seres autômatos. Uma delas foi Mary Shelley. Seu famoso romance "Frankenstein" (1818) é uma criação da ciência que, apesar de monstruosa, é dotado de características humanas, como a capacidade de reflexão, por exemplo. O romance foi parar o cinema e também influenciou outros filmes como “Edward Mãos de Tesoura", do Tim Burton.
No século XX, os livros de ficção científica do escritor russo Isaac Asimov transformaram os robôs em personagens importantes. O texto mais famoso de Asimov é "Eu Robô", que ficou ainda mais conhecido após ter ido parar em Hollywood, no filme de mesmo nome estrelado pelo ator Will Smith.
Nos anos de 1960, o escritor norte-americano Philip K. Dick lançou a obra que serviu de base para o roteiro do filme “Blade Runner". No livro “Do Androids Dream of Electric Sheep”, K. Dick constrói androides avançados que agem com seres humanos. Em 2019, Ian McEwan lançou “Máquinas como eu”, romance que mostra uma realidade ficcional na qual humanoides convivem com seres humanos. No centro da narrativa são discutidas questões éticas e morais sobre a criação dos autômatos e suas interações com os humanos.
Do escritor inglês George Orwell, o livro cria uma sociedade que é vigiada 24 horas por dia por um Grande Irmão que tudo sabe e tudo vê. Os dissidentes ou os que ousam desobedecer a autoridade onipresente sofrem torturas e penas cruéis. O livro antecipa o mundo às voltas com câmeras em praticamente todos os lugares. Uma das marcas da sociedade contemporânea é a vigilância constante.
Livro da escritora cearense Emília Freitas é considerado o primeiro livro de literatura fantástica publicado no Brasil. Além disso, a narrativa, publicada em 1899, surpreende ao dar destaque ao papel das mulheres que comandam uma trama cheia de aventura num mundo encantado e misterioso.
Do autor Douglas Adams, o livro publicado em 1979 traz uma novidade que só se torna real muitas décadas depois. No romance de Adams é possível ver traduções em áudio em tempo real, realizadas por uma espécie de tradutor universal, o que viria acontecer com aplicativos e o próprio Google.
O livro de Júlio Verne cria um submarino há pelo menos 100 anos antes da sua invenção. No livro há outros equipamentos que na época não existiam como módulos lunares e velas solares. Considerado o livro mais famoso de Verne, “20 mil léguas submarinas” foi publicado em 1870.
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