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Moda local, criatividade e pandemia: uma breve reflexão
Reportagem Seriada

Moda local, criatividade e pandemia: uma breve reflexão

Mestrando em Têxtil e Moda na Universidade de São Paulo (USP), o designer Cacau Francisco discute como as previsões para o cenário da moda precisam estar alinhadas à realidade que a pandemia trouxe para o setor
Episódio 6

Moda local, criatividade e pandemia: uma breve reflexão

Mestrando em Têxtil e Moda na Universidade de São Paulo (USP), o designer Cacau Francisco discute como as previsões para o cenário da moda precisam estar alinhadas à realidade que a pandemia trouxe para o setor
Episódio 6

Cacau Francisco foi pesquisador em criatividade e processos criativos no coletivo Grupo Maior que Eu, situado na Casa do Povo (São Paulo)(Foto: FOTO: anuroanuro   cacaufrancisco DIGITAL RETOUCH: Guilherme Queiroz ROUPA: Martins)
Foto: FOTO: anuroanuro cacaufrancisco DIGITAL RETOUCH: Guilherme Queiroz ROUPA: Martins Cacau Francisco foi pesquisador em criatividade e processos criativos no coletivo Grupo Maior que Eu, situado na Casa do Povo (São Paulo)
No começo do mês de março deste ano, quando o Covid-19 já assustava os brasileiros e mostrava o despreparo do governo em lidar com uma pandemia, muitas pessoas aceleraram as reflexões e pensamentos futuristas, em uma tentativa de adivinhar quais seriam os novos modos de consumo que surgiriam em meio a crise mundial de saúde, e como esses modos orientariam a produção e comercialização de produtos de moda nesse cenário. Esses esforços premonitórios eram, às vezes, como alegorias perversas bradando um "novo normal", muito distante da realidade que o mundo estava vivendo: número de mortes aumentando, desemprego batendo à porta, economistas com previsões catastróficas - situações lamentáveis que, infelizmente, ainda estamos vivendo por aqui.

Outra ferida exposta pelo Covid-19 foi o impacto econômico causado nas empresas brasileiras. Grandes ou pequenas, todas precisaram rebolar para tentar se manter atuantes num segmento tão competitivo como o de vestuário no Brasil. Ora, no começo das discussões sobre a pandemia no Brasil, ninguém pensava em comprar roupas para ficar em casa. Foi perceptível que as empresas que, de certo modo, estavam mais integradas ao universo digital e vinham demonstrando total domínio estratégico em todas as plataformas que atuam - redes sociais, mailing, e-commerce, delivery - saíram na frente.

Não é de hoje que o varejo eletrônico faz muito sucesso, mas esses números relacionados ao varejo de moda brasileiro são suficientes para dizer que há espaço para todos os que desejam vender produtos de moda pela Internet?

Diego Ivo, CEO da empresa de consultoria Global Data afirma que "a pandemia acelerou fortemente os e-commerces e vai criar uma nova corrida pelas vendas on-line”. Em maio, segundo a jornalista Ilca Maria Estevão, duas empresas de moda figuravam no ranking de sites mais acessados do Brasil. A Dafiti apareceu em 11º lugar como 17,760 milhões de acessos, e a Riachuelo estava em 16º, com mais de 12 milhões de visitas.

Não é de hoje que o varejo eletrônico faz muito sucesso, mas esses números relacionados ao varejo de moda brasileiro são suficientes para dizer que há espaço para todos os que desejam vender produtos de moda pela Internet?

Faz parte do nosso imaginário a máxima de que os momentos de crise sempre funcionam como impulsionadores da criatividade humana. Decerto a ação do ato criativo, quando voltada à solução de problemas, funciona como uma brecha, onde utilizamos o nosso repertório individual para sanar as angústias que se materializaram no embaraço que precisamos resolver, seja ele o desenvolvimento de uma coleção, ou simplesmente quando buscamos uma melhor forma de separar o lixo em nossas casas.

No pensamento de Ostrower, o trabalho criativo, seja na arte ou na ciência, carece de estrutura, de método; “o homem elabora seu potencial criador através do trabalho” (OSTROWER, 1977, p. 29). Assim, é preciso olhar para o momento em que vivemos e encarar as oportunidades que surgem, unindo a criatividade que sobra nas marcas pequenas com o pensamento de gestão estratégica realizado pelas marcas grandes, para assim alavancar o volume de vendas como resultado de investimento em uma presença mais robusta no universo digital.

Essa criatividade mais estratégica poderia potencializar o trabalho autoral e exclusivo dessas marcas com investimentos voltados para ações digitais, contribuindo para o fim de produtos incríveis que funcionam na passarela mas não são vendidos em lugar nenhum da rede.

 

Em tempo, a Dacri Deviati, agência especializada em curadoria de informação, está captando recursos para a primeira semana de moda digital da América Latina: a Brazil Immersive Fashion Week será uma plataforma multicanal, em que marcas, designers independentes, artistas e consumidores podem cooperar criativamente por meio de uma narrativa 100% digital.

A criação dentro do universo das marcas de moda local pode se desdobrar através de um trabalho mais estratégico, porque ele traz em si a necessidade que gera as possíveis soluções criativas de modo mais global. Com esse pensamento, as pequenas marcas poderiam ir além do desenvolvimento de uma boa coleção, ou de um feed bonito no Instagram, conseguindo se tornar mais fortes dentro de um mercado tão feroz como o de moda no Brasil. Essa criatividade mais estratégica poderia potencializar o trabalho autoral e exclusivo dessas marcas com investimentos voltados para ações digitais, contribuindo para o fim de produtos incríveis que funcionam na passarela mas não são vendidos em lugar nenhum da rede.

Cacau Francisco é fortalezense, mora em São Paulo há seis anos, é designer não-artista, docente e performer. Possui graduação em Design de Moda pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialização em Estética e Gestão da Moda pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, cursa o mestrado em Têxtil e Moda pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). Suas áreas de interesse incluem processos criativos em artes e design, teorias da criatividade, metodologias cartográficas e iniciativas coletivas. Transita entre os papéis de estilista, pesquisador, docente, figurinista, produtor, performer, designer gráfico e diretor de arte. Atualmente é professor de produção de moda, estamparia digital e desenvolvimento de produto no Senac Lapa Faustolo.

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