A origem das Olimpíadas está intrinsecamente ligada à política. A primeira edição dos Jogos foram ainda no Século XIX, quando as forças se concentravam e se estabeleciam em estados fortes. O Comitê Olímpico Internacional (COI) foi fundado em Paris, na França, em 1894, sendo mais antigo do que nações como Cuba, Catar e as duas Coreias e poucas décadas mais nova do que a unificação de Alemanha e Itália ou mesmo da independência de Argentina, Brasil, Chile e tantos mais.
Nos primeiros Jogos Olímpicos de Verão, Atenas-1896, eram 14 nações, 241 atletas e 9 esportes. Hoje, em Tóquio-2020, são 206 países participantes, cerca de 12 mil competidores em 47 modalidades diferentes. Note-se que a Organização das Nações Unidas (ONU) conta com assentos fixos para 193 Estados-membros.
Atravessando séculos, as Olimpíadas cravam o nome na História. Assim, cada movimento geopolítico relevante deixa a marca nos Jogos. A influência de Adolf Hitler em Berlim-1936 ou da ditadura soviética então liderada por Leonid Brezhnev em Moscou-1980 são movimentos claros de interferência. Mas, para além destes efeitos diretos, o surgimento e queda de grande potências ou a disputa pela hegemonia deixam um rastro.
E esse rastro pode ser lido no quadro de medalhas de cada Olimpíada.
Após a II Guerra Mundial, no fim da era Stálin, o governo soviético decide abandonar o boicote que fazia aos Jogos e adere ao Movimento Olímpico estreando em Helsinque-1952 já com o segundo lugar no quadro geral de medalhas. A força da nova potência se confirmaria com as lideranças em Melbourne-1956 e Roma-1960.
O domínio virou disputa a partir de então, com prevalência dos EUA em Tóquio-1964 e Cidade do México-1968 para ser consolidado pelos soviéticos nos três jogos seguintes: Munique-1972, Montréal-1976 e Moscou-1980, quando foi sede — e sofreu com o boicote dos rivais de alguns outras potências, após ocupação do Afeganistão.
Seguindo o contexto da Guerra Fria, a União Soviética (URSS) boicota os Jogos Olímpicos de Los Angeles-1984 e volta ao topo em Seul-1988, quando competiu pela última vez.
A URSS disputou apenas nove dos 28 Jogos realizados até Tóquio. O suficiente para, até hoje, seguir como segundo país com maior número de ouros na história.
Nos Jogos de Barcelona (1992), após a dissolução da URSS no fim do ano anterior, 12 das 15 ex-repúblicas soviéticas competem sob bandeira olímpica como equipe unificada — conhecida então como CEI —, e se mantém no topo do quadro.
Herdeira olímpica da URSS, a Rússia tenta manter a tradição nos Jogos, mas vê a China despontar como principal rival política e esportiva dos EUA pós-Guerra Fria. Foram dois segundos lugares em Atlanta-1996 e Sydney-2000; dois terceiros lugares em Atenas-2004 e Pequim-2008; e dois quartos lugares em Londres-2012 e Rio-2016.
Os Jogos no Rio e os de agora em Tóquio são marcados por uma delegação reduzida, em meio a punições por um esquema de doping institucionalizado que faz o país competir neste ano sob nome e bandeira do “Comitê Olímpico Russo”, também chamado de ROC, pela sigla em russo.
O período da Guerra Fria foi também de resultados significativos para alguns países socialistas que não necessariamente tinham economias ou populações tão expressivos quanto a das potências dominantes. Notadamente, surgiram os casos de Bulgária, Cuba, Hungria, Polônia e Romênia.
A partir das décadas de 1960 e 1970, esses cinco países começaram a colher frutos de um forte investimento estatal no esporte aliado a robustos aportes da União Soviética e se tornaram ou se consolidaram como potências olímpicas, quase sempre ocupando o top-10 do quadro de medalhas.
Destaque para um terceiro lugar geral da Bulgária em Moscou-1980; um quarto e um quintos lugares de Cuba em Moscou-1980 e Barcelona-1992, respectivamente; e um segundo lugar da Romênia em Los Angeles-1984. A de se ressaltar, porém, o boicote de potência ocidentais na Olimpíada da capital soviética e da própria URSS na metrópole dos Estados Unidos.
Esses países se tornaram dominantes em esportes específicos e que distribuíam muitas medalhas como boxe e atletismo (Cuba), ginástica (Romênia), lutas e levantamento de peso (Bulgária), atletismo (Polônia), esgrima e natação (Hungria).
O fator URSS pode ser sentido a partir dos anos 1990. Com a queda da Cortina de Ferro, esses países viram os resultados despencarem. No entanto, nos casos de Cuba e Hungria, a tradição esportiva cultivada por décadas ainda faz com que se mantenham entre as 20 maiores forças olímpicas.
Mais impressionante que a União Soviética é o desempenho fulminantes da Alemanha Oriental. A ex-república do lado leste do Muro de Berlim passou a competir separadamente da vizinha do oeste nos Jogos da Cidade do México-1968 e participou apenas cinco vezes.
Depois de um quinto lugar no México, a Alemanha Oriental conseguiu um terceiro lugar em Munique-1972 e três segundos lugares consecutivos: Montréal-1976, Moscou-1980 e Seul-1988, ficando atrás apenas da URSS e superando os Estados Unidos em 1976 e 1988. Em Los Angeles-1984 houve boicote.
As participações da Alemanha Oriental também são marcadas por suspeitas de doping institucionalizado, com vários competidores de natação e atletismo, por exemplo, ostentando recordes nos anos 1970 que duram até hoje. Alguns atletas chegaram a admitir esquemas em reportagens décadas depois,
Após a reunificação, a Alemanha se manteve como potência, sempre figurando no top-6 dos Jogos.
É comum em alguns países a associação de ditaduras que investem pesado em esporte e bons resultados em termos de medalhas — as comunistas China, Cuba, Coreia do Norte e União Soviética são os exemplos mais óbvios. O caso da ditadura militar brasileira (1964-1985) passa longe dessa realidade. Durante esse período, o Brasil colecionou poucos resultados expressivos em relação à quantidade de medalhas.
Os militares brasileiros utilizaram o futebol e a seleção brasileira como instrumentos esportivos principais de propaganda, dando pouca ou nenhuma atenção às demais modalidades.
Nos seis Jogos entre 1964 e 1984, o Brasil conquistou apenas três medalhas de ouro, com desenvolvimento praticamente nulo do esporte. Entre 1920 e 1960 também foram três títulos.
O maior sucesso brasileiro começa a surgir somente após a redemocratização. Mais especificamente nos Jogos de Atlanta-1996 nos quais o Brasil conseguiu 3 ouros e 15 pódios no total, ambos recordes só superados em Atenas-2004 e Pequim-2008, respectivamente.
Observar a evolução de desempenho esportivo da República Popular da China é também entender como o gigante asiático se tornou uma potência política e econômica a partir do fim do último século. Passado o período maoísta, a China passa a se abrir mais para o mundo e dá os primeiros passos nos planos reformistas de Deng Xiaoping na construção do país que nos dias atuais é central em todas as decisões estratégicas na geopolítica.
A China estreou apenas nos Jogos de Los Angeles-1984, 35 anos após a chegada do Partido Comunista ao poder. Antes a “China” olímpica era aquela que até a década de 1970 era reconhecida na comunidade internacional como única China: Taiwan ou Formosa ou Taipei, que até hoje ainda participa das disputas. As mudanças de nome passam também pela influência chinesa, inclusive.
Potência olímpica desde o começo, a República Popular da China só não esteve nas cabeças do quadro de medalhas nos Jogos de Seul-1988. O paralelo entre o crescimento esportivo do país a partir dos anos 1990 com a subida vertiginosa da economia chinesa neste período é inevitável.
Neste século, a China foi terceiro lugar em Sydney-2000) e Rio-2016 e segundo lugar em Atenas-2004 e Londres-2012. O ápice foi em casa. Além da liderança no quadro, os Jogos de Pequim-2008 serviram como o maior símbolo do gigante global que a China quis revelar que se tornaria dali para frente.
A história olímpica japonesa é entrecortada por altos e baixos e pela II Guerra Mundial. Antes do conflito, o Japão se mostrava como potência insipiente, tendo bons resultados nos Jogos de Los Angeles-1932 e Berlim (1936). Após ser devastado por duas bombas nucleares e ser excluída da retomada dos Jogos, o país só vai recuperar o bom desempenho 20 anos depois, com o terceiro lugar como anfitrião, em Tóquio-1964, e na Cidade do México-1968.
Ao contrário da maior rival China, o crescimento do Japão não foi refletido imediatamente no quadro de medalhas. Mesmo com a segunda economia do mundo nos anos 1980 e 1990, o país não conseguiu se estabelecer nas primeiras posições daqueles anos.
Apenas a partir de Sydney-2000, o Japão volta a ficar no top-10, com a expectativa de ficar em segundo ou terceiro lugar neste ano em casa.
Curiosidade. Se a escolha de Naomi Osaka este ano para acender a pira olímpica foi cheia de simbolismo por igualdade, o escolhido nos Jogos de Tóquio em 1964 também não foi por acaso. Competidor do atletismo, Yoshinori Sakai nasceu no dia 6 de agosto de 1945 na província de Hiroshima, no mesmo dia em que caía perto dali a primeira e mais devastadoras das bombas atômicas que destruíram o Japão na II Guerra.
Alguns países sem uma robusta economia ou tradição esportiva conseguem um desempenho esportivo nos Jogos Olímpicos relativamente significativo. É o caso de nações que concentram um grande número de pódios em apenas um esporte específico. Os casos mais notáveis podem ser observados no atletismo.
Se Usain Bolt é o principal símbolo de uma Jamaica dominante nas provas rápidas, a tradição dos caribenhas precede a geração do raio e de Shelly-Ann Fraser-Price. Das 78 medalhas conquistadas pela Jamaica na história dos Jogos, 77 foram no atletismo. A exceção é David Weller, bronze no ciclismo nos Jogos de Moscou-1980.
Casos semelhantes ocorrem nas provas de fundo com Quênia e Etiópia, maiores potências e rivais nas disputas de longa distância. Depois de conquistar na maratona os históricos ouros de Adebe Bikila em Roma-1960 — com os pés descalços — e Tóquio-1964, os etíopes conquistaram 54 medalhas, sendo 22 ouros. Todos no atletismo.
O Quênia tem um desempenho ainda melhor. Das 103 medalhas conquistadas, 96 foram no atletismo e as demais sete no boxe. Para entender o tamanho do poderio do Quênia no atletismo foram 30 medalhas de ouro. Somados todos os esportes desde o início dos Jogos, o Brasil tem o mesmo número ouros.
Acabam sendo exemplos de investimento pontual e com resultado exponencialmente mais relevante.
Ter uma megapopulação ou um Produto Interno Bruto (PIB) de peso não significa sucesso olímpico. O principal caso é o da Índia, que tem o segundo maior número de habitantes (1,35 bilhão de pessoas) e a sexta economia do mundo.
Uma primeira explicação é social, pois uma gigantesca parcela da população infantil está na faixa de desnutrição, o que inviabiliza uma cultura em larga escala de esporte olímpico de alto rendimento. Outro ponto é a Índia tem como esporte nacional o críquete, profundamente enraizado no país, mas que não integra o programa olímpico.
Os maiores destaques olímpicos da Índia vêm de outro esporte herdado dos tempos de colonização britânica. Dos nove ouros da Índia, oito foram conquistados no hóquei sobre a grama masculino. O último deles, contudo, no longínquo ano de 1980, em Moscou.
No ranking de medalhas divididas pela população atual, a Índia é a lanterna entre os 148 países que já subiram ao pódio. Quem domina tal ranking são os países escandinavos, com três das cinco primeiras colocações. A Finlândia tem a melhor média, seguida de Hungria, Suécia, Bahamas e Dinamarca. O Brasil é o 93º do ranking, os EUA são 38º e a China é a 109ª (em que pese ter participado de apenas 9 Jogos).
Como serão as disputas olímpicas, um torneio atípico por conta das restrições sanitárias, que afetaram preparação de atletas e restringem público no evento