Foi no dia 19 de março, no ano passado, que padre Eugênio Pacelli recebeu o convite para a missão que hoje desempenha – diretor do Mosteiro dos Jesuítas, em Baturité. O sacerdote passa a coordenar a imponente casa de pedra, de retiros e de acolhida que chega aos 100 anos neste 2022.
O menino Eugênio saiu da pequena Ibiapina, sua cidade natal na Serra da Ibiapaba, para estudar na Capital, no Colégio Santo Inácio, onde anos depois se tornaria diretor. Após sete anos entre a direção geral e a direção pastoral da escola, o sacerdote se dedica ao Mosteiro e ao Polo Universitário Santo Inácio. Admite que sempre ocupou funções de gestão, mas se realiza mesmo é no pastoreio, na condução do outro ao encontro com Deus e consigo.
Talvez por isso cultive com tanta alegria a celebração da Noite da Misericórdia, que chegava a arrebanhar 5 mil pessoas na quadra do colégio, às segundas-feiras, antes da pandemia. Recusa-se a dizer que seu nome atrai a multidão. As pessoas vão porque têm fome de Deus, afirma. Na manhã em que recebeu O POVO no Colégio Santo Inácio, padre Eugênio reitera seu carisma jesuíta quando diz da acolhida e do serviço ao próximo, indissociáveis para a prática da fé. Fala em pandemia, vacina e política, indispensáveis para o respeito à ciência.
Padre Eugênio, pioneiro em Fortaleza no abraço a casais em segunda união, não tem mais vagas para celebrar batizados e casamentos por todo este ano. Aqui, revela gostos e hábitos. Gosta de dormir até mais tarde nas folgas. Lê de Santo Agostinho a Leandro Karnal. Reconhece-se nos versos livres, doces e rurais de Cora Coralina. E torce pelo Fortaleza.
O POVO – Como o senhor se sentiu ao assumir a direção do Mosteiro?
Padre Eugênio Pacelli – Eu assumi no ano passado, no dia 19 de março. Fui destinado pelos meus superiores para dirigir aquela casa centenária. E sempre gosto de dizer que eu estou onde os meus superiores me enviarem. Na Companhia de Jesus, a gente faz um voto muito especial de obediência, e quem obedece nunca erra. E eu sempre me proponho a obedecer. Foi em plena pandemia que recebi o convite para ir para aquela casa. Depois de um tempo aqui, no Colégio santo Inácio, aceitei essa missão com muito carinho. Um padre e um irmão jesuítas foram comigo para esse grande desafio de preparar a casa para o centenário dela.
O POVO – Quais são as mudanças que o senhor já fez neste um ano no Mosteiro?
Padre Eugênio – Quando eu assumi, a primeira coisa que eu fiz foi conhecer melhor a história do Mosteiro, para saber melhor o terreno onde eu estava pisando. Descobri que aquele terreno é sagrado, tem muitas vidas doadas, muitas vidas entregues, de padres, irmãos e vizinhanças que passaram por ali e deixaram sua marca, seu legado na história. Quando assumi o Mosteiro, eu tinha três pilares para intensificar — o pilar da espiritualidade, uma casa que favorece a experiência com Deus através da espiritualidade inaciana, do contato com a natureza, consigo mesmo e com os outros, para encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus. O Mosteiro também é cultura. Ali nós temos obras de cultura que já não pertencem mais a ele, pertencem ao povo. E o povo tem direito de conhecer toda a cultura criada e celebrada naquele espaço. A gente está abrindo um museu, em que vamos contar toda a história do Mosteiro. E outro pilar muito importante é o social. Aquele mosteiro por muito tempo se caracterizou por ser um espaço de ação social. Os nossos padres e irmãos que moravam ali sempre se preocupavam porque uma fé sem ação concreta é falha. O Mosteiro tem esse chamado de ser uma casa aberta aos pobres, de modo especial às pessoas que moram ali ao redor — uma casa de acolhimento, de assistência social e de promoção humana e profissional.
O POVO – O Mosteiro está completando 100 anos neste 2022. O que já há programado?
Padre Eugênio – Toda a programação está sendo feita em cima desses três pilares: espiritual, cultural e social. Durante esse tempo vamos favorecer às pessoas que quiserem uma experiência dos exercícios espirituais de Santo Inácio. Vamos saborear essa experiência que Inácio deixou como legado. Vamos oferecer cursos de aprofundamento da espiritualidade inaciana, uma imersão no conceito fundamental do encontro com Deus e consigo mesmo. Na parte cultural, teremos exposições contando a história do Mosteiro, mostrando objetos artísticos e culturais que fazem parte do Mosteiro. E na dimensão social, faremos ações sociais de promoção humana para a população, como cursos profissionalizantes e cooperativas. Nossa finalidade é ajudar aquela população, não só dar alimento, mas favorecer o desenvolvimento profissional. Uma fé, para ser verdadeira, cristã, movimenta o coração, mas movimenta os pés e as mãos no acolhimento.
O POVO – Agora como fica sua relação com o Colégio Santo Inácio e com o Polo Universitário?
Padre Eugênio – Depois de 10 anos na Paróquia do Cristo Rei, eu fui destinado ao Santo Inácio, que estava numa situação muito complicada. Vim com a missão de fazer um distrato com a Marquise, tinha um distrato para ser feito em que o colégio teria que andar com os pés e mostrar sua identidade própria. Cumpri essa missão e estou com a consciência tranquila de que deixei o colégio um pouco melhor do que recebi. Passei quatro anos como diretor geral e uns três anos como diretor de pastoral. Quando terminei minha direção, sugeri à congregação que colocasse uma leiga aqui. A professora Albanisa Gomes foi essa leiga escolhida, a primeira mulher a dirigir o Colégio Santo Inácio. Vou ficar aqui somente nas celebrações aos domingos e na Noite da Misericórdia. Meu foco agora é o Mosteiro dos Jesuítas e intensificar o Polo Santo Inácio, que terá uma sede própria, ao lado do colégio, para mostrar essa educação universitária católica aqui em parceria com a Universidade Católica de Pernambuco e com a Universidade Católica de Quixadá.
O POVO – O senhor continua presidindo as missas no domingo à noite e às segundas-feiras. O que atrai tanta gente?
Padre Eugênio – O desejo de Deus, a fome de Deus, o desejo de encontrar um espaço em que as pessoas se encontrem consigo em silêncio para se encontrarem com Deus.
O POVO – O senhor admite que o nome do padre Eugênio atrai muita gente também?
Padre Eugênio – Eu não gostaria de centralizar no meu nome. Eu sou apenas um instrumento que favorece o despertar de Deus no coração das pessoas, porque o centro de tudo isso é Ele. Eu sou apenas aquele que indica o caminho. Mas a verdade, a vida, o alimento é sempre Ele. A gente aqui faz o acolhimento das pessoas no sentido de favorecer, no momento existencial em que elas estão, que elas sintam a força de Deus nelas. Há uma poetisa chilena que diz que, nos nossos momentos de dificuldade, há o despertar de uma energia tão grande que nos favorece vencer todas as nossas dificuldades. É isso. Dentro de cada um de nós existe essa força de Deus. Às vezes está obscurecida por tantas preocupações e inquietações. Quando a gente leva as pessoas a descobrirem isso, elas descobrem que “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
O POVO – O senhor ouve muitas histórias e problemas dos outros. Como o senhor se cuida espiritualmente para lidar com tantas questões?
Padre Eugênio – Eu tenho também meus momentos de fragilidades, de angústia. Eu tive momentos de depressão. Nesses encontros, eu sempre descubro a força da oração, a força de ter pessoas ao seu lado que animam em você a esperança e fazem olhar para além. Diante dessa realidade que é esta pandemia, eu também sofri muito com aqueles que estavam sofrendo, rezei com aqueles que estavam rezando e, nesse tempo, eu sempre tomei consciência de uma coisa — como a fé é importante. A fé é uma luz que Deus acende em nossos corações para iluminar as nossas escuridões.
O POVO – O padre precisa estar fortalecido. O senhor reconhece sua fragilidade no meio disso tudo.
Padre Eugênio – O pessoal pensa que o padre é um extraterrestre. E não tem emoção, não tem sentimentos. Eu sou igual a vocês em tudo, até no pecado. O padre precisa desses cuidados, com a saúde, com a mente, com o coração, com a capacidade de sonhar, de despertar.
O POVO – Como a pandemia tem mexido com o senhor?
Padre Eugênio – Eu sempre gosto de dizer que nunca arrumei tantas gavetas como nesta pandemia. Tem sido um tempo muito propício para fazer uma peregrinação interior, de encontrar-me comigo mesmo. Eu vivia muito na agitação, no corre-corre, e às vezes a gente vive muito para fora e se esquece de viver um pouco para dentro. Esse tempo de pandemia me fez refletir sobre a minha vida, a minha fé, sobre o Deus que eu anuncio, e purificar as imagens que eu tinha dele. É um tempo para ser solidário com o sofrimento de tantas pessoas. No meu quarto, eu estava atento através da oração, da solidariedade, com o sofrimento de tantos familiares e amigos que partiram tão rápido. Essa pandemia nos deixou órfãos de pessoas que nós amamos, de empregos, de sonhos, de esperança. Foi um tempo em que entrei na consciência da minha missão como padre. Eu não poderia ficar sozinho naquele quarto sem levar um pouco de esperança, de sonhos e de Deus para as pessoas.
O POVO – O senhor continuou com as celebrações, mesmo virtuais.
Padre Eugênio – Nós não paramos. Todos os domingos nós transmitíamos, pelo Instagram, as celebrações. Tive oportunidade de escrever um livro em que eu retratei os momentos mais fortes e mais cruéis dessa realidade que nós passamos. Como o papa Francisco sempre pede: uma Igreja a caminho, em saída. Nós fechamos as igrejas-pedras e abrimos tantas igrejas-famílias. Muita gente descobriu o ser igreja, ser família dentro desse contexto de pandemia.
O POVO – A pandemia aproximou as pessoas de Deus ou aumentou a descrença no espiritual? Passou-se a se questionar a existência de Deus ou houve um fortalecimento da fé?
Padre Eugênio – A pandemia aprofundou a nossa fé. Eu não acredito num Deus que manda sofrimento, que manda pandemia. Deus é amor. E quando a gente ama, a gente nunca quer o mal e nunca favorece o mal para as pessoas. Mas Deus tira dessa realidade, que não depende de nós e não depende dele, situações de crescimento para a gente. Pessoas se revoltaram contra Deus, outras descobriram que sem Deus é difícil vencer e ficar de pé nesse contexto. Nós percebemos isso aqui na Noite da Misericórdia. Houve um aumento significante de pessoas que não tinham vivência religiosa, mas sentiram necessidade de despertar nelas a força de Deus. A pandemia mostrou a fragilidade que todos temos e como a vida é breve e tem que ser vivida com intensidade e leveza.
O POVO – O senhor se vacinou contra a Covid até a terceira dose?
Padre Eugênio – Sim e acredito na vacina. Acredito que, se tivéssemos sido vacinados antes, teríamos enfrentado uma realidade não tão frustrante como nós enfrentamos até agora.
O POVO – O senhor concorda que houve uma politização da vacina e dos cuidados sanitários até por influência religiosa?
Padre Eugênio – Concordo, concordo.
O POVO – E qual é o seu posicionamento sobre isso?
Padre Eugênio – Meu posicionamento é que nós temos que escutar a ciência. A ciência é um dom de Deus, é uma iluminação de Deus. Negar a ciência é negar esse dom precioso que Deus dá ao homem da capacidade de cuidar, de preservar e de dar vida à vida de tantas pessoas.
O POVO – O senhor tem sido procurado por políticos nestes tempos? Como o senhor se coloca?
O POVO – A agenda de 2022 do padre Eugenio está fechada para batizados e casamentos. O que atrai as pessoas para ter o senhor como celebrante?
Padre Eugênio – Quando eu cheguei a Fortaleza, 13 anos atrás, eu tive muito contato com jovens casais. E senti um certo desejo de trabalhar com eles. Há sete anos fundamos o Movimento Amare, que acompanha jovens com até sete anos de casados. Como era convidado para assistir muitos casamentos, as pessoas pediam para acompanhar os votos. Escolhi um casal muito querido e começou a criar esse movimento. Hoje temos 980 casais. Nesse tempo de pandemia, esse Movimento fez tão bem a eles, pois foi um desafio muito grande para os casados. Eles nunca tiveram tanto tempo para estar um lado do outro, com suas alegrias e tristezas, com suas luzes e sombras. E é no contato que a gente se revela — luzes e sombras. Tivemos que dar um apoio espiritual muito grande, fizemos retiros e reuniões virtuais para que eles estivessem de pé. Deus é tão generoso que hoje temos mais gente querendo entrar do que os que já estão. Uma fila enorme. Mais de 2 mil casais querem entrar.
O POVO – Como o senhor dá conta?
Padre Eugênio – Eu trabalho em equipe. A gente delega. A riqueza da Igreja é essa. Todo padre que abre espaço à participação dos leigos na missão triplica sua atividade apostólica. O problema é que certos padres se acham donos da Igreja. O dono da Igreja é Deus. Somos apenas colaboradores da missão de Deus. Quando se abre espaço para participação dos leigos que querem ajudar, a Igreja acolhe com mais dignidade. Esse Movimento é feito por casais e para casais. São mais de 300 casais envolvidos nesse acompanhamento. Nosso lema é “Amar e servir”. Sempre digo: não adianta vocês se abastecerem de Deus e ficarem empanzinados de Deus. A gente se abastece de Deus para ser instrumento dele para os outros. Uma fé que não leva ao serviço não se fortalece e desanima com facilidade.
O POVO – Quais são os critérios para ingressar no Amare? É um grupo para casais ricos?
Padre Eugênio – Coitado do Amare tem essa fama... O Amare recebe todo mundo, temos casais de todas as faixas sociais, acolhidos com a mesma dignidade. Você preenche a ficha na internet. Quando vai abrir um grupo, convida esses casais para uma reunião e apresenta o Movimento. Nada é imposto, tudo é proposto.
O POVO – E qual é a dimensão social do Amare?
Padre Eugênio – Cada grupo do Amare tem, todo mês, que desenvolver uma atividade social. Seja no acompanhamento de uma creche, asilo, de uma ação social que a gente faz uma vez por semestre... Levamos alimentos, cestas básicas, atendimentos médico, odontológico e jurídico em Canindé, em Ibiapina e agora em Baturité. Atendemos mais de 700 famílias do bairro mais pobre de Baturité. Fomos fazer no bairro, mas os traficantes não permitiram. Então, levamos para o Mosteiro. Foi um dia muito especial. Visitei alguns moradores e soube que o pessoal que morava lá nunca tinha ido para o Mosteiro. Conseguimos transporte e, em um dia, o Mosteiro se abriu só para receber essas famílias. Se você visse a alegria desses jovens casais se colocando a serviço... Fizemos um dia que ficará na história do Mosteiro. É isso que eu queria: que o Mosteiro fosse essa casa aberta à dignidade de modo especial daquelas pessoas que mais precisam, que estão pertinho da gente.
O POVO – Como é o seu trabalho com casais em segunda união?
O POVO – Esses movimentos são uma forma de manter os fiéis na Igreja Católica e de atrair mais fiéis?
Padre Eugênio – Eu acredito no diálogo inter-religioso. Eu não acredito numa religião que é muro, mas que é ponte. Se essas pessoas passaram para outro espaço, é porque muitas vezes não receberam acolhimento na própria igreja. É a gente que tem que se questionar: por que as pessoas foram tão mal acolhidas? As pessoas procuram na Igreja acolhimento, compaixão, misericórdia. E, às vezes, nossas igrejas não são compassivas nem misericordiosas nem casas de acolhimento.
O POVO – Como o senhor avalia as atividades dos padres hoje em dia?
Padre Eugênio – O papa Francisco está lutando pedindo que os padres se desburocratizem. O serviço sacerdotal se tornou uma burocracia, em que a gente está mais no administrativo do que no pastoral. O padre não tem mais tempo de receber. Antigamente os confessionários eram lotados de padres. Os consultórios psicológicos substituíram os confessionários, porque o padre não tem mais tempo. A gente foi se burocratizando e ficando mais no administrativo do que na cura da alma. É o sonho do papa Francisco essa luta contra a igreja clerical, que centraliza tudo na pessoa do papa, do bispo e dos padres, e se impede a colaboração, o viver batismal de todo aquele que é batizado e que é instrumento de Deus para o mundo. Falta essa proximidade com o povo de Deus que vem ao nosso encontro. O pessoal divinizou muito a imagem do padre e, às vezes, o padre é criticado por ser uma pessoa mais próxima. Diviniza demais e, quando um padre manifesta sua humanidade, o pessoal se escandaliza.
O POVO – Quem é o padre Eugênio sem a batina, o Eugênio Pacelli que não o padre?
Padre Eugênio – Padre Eugênio é uma pessoa feliz com a vida que leva, realizado, pleno. É uma pessoa que tem seus momentos de alegria, mas também de inquietação e de dúvidas, uma pessoa que quer estar de bem com a vida e quer botar todas as potencialidades que reconhece nele a serviço dessa missão que o Senhor lhe confiou.
O POVO – Mas essa serenidade é constante?
Padre Eugênio – Não (risos). Quem me vê sorrindo não descobre as dores e os sofrimentos que eu trago.
O POVO – Quando o senhor despertou para o sacerdócio?
O POVO – O senhor passou por algum questionamento?
Padre Eugênio – Passei por tudo. Uma vida em que não se tem dúvida não amadurece. Eu sempre peço a Deus que eu não tenha certeza de tudo, porque a gente corre perigo de se acomodar. Uma fé de que não se duvida é uma fé que não cresce, não amadurece. Eu nunca tive 100% de certeza de que Deus me convidava para a vida religiosa, mas na certeza da fé eu me joguei. As consolações que Deus me dá e as perseguições que sofro me ajudam ainda mais a ter certeza de que essa vocação é um chamado. Deus me convida todos os dias. A vocação não foi. Ela continua sendo. Todos os dias, assim como o matrimônio, é uma decisão que você toma de renovar. Aquilo que não se renova morre. Renovo o amor a Deus, a vocação e o serviço aos outros.
O POVO – O senhor já administrou a Paróquia Cristo Rei, o Colégio Nóbrega no Recife, o Colégio Santo Inácio...
Padre Eugênio – Mas eu não fui feito para administrar. Eu fui feito para ser pastor. A congregação sempre me confiou cargos de administração, mas digo com toda a sinceridade: eu me realizo como padre na dimensão do contato, na dimensão celebrativa, de ser pastor. Eu não entrei na Companhia de Jesus para ser administrador. Entrei para ser pastor. As funções de administração eu desempenhei bem, com responsabilidade, mas no fundo gostava era do contato com os alunos, com as famílias, na dimensão celebrativa.
O POVO – Perdemos muita gente nesta pandemia. A dimensão da morte mudou nestes dois últimos anos?
Padre Eugênio – Quando a gente começa a expulsar o contexto da morte da vida cotidiana, a gente não valoriza a vida. A gente privatizou muito a morte, tirou a morte do contexto de nossas famílias, como algo que vai nos separar plenamente. As pessoas morriam bem, até sorrindo, em seu leito. Hoje morrem na frieza de uma UTI, solitárias, sem contato com a família. E a gente não pode banalizar a morte. Essa pandemia fez a gente tomar consciência de que a gente é frágil, uma luz acesa que a qualquer momento pode apagar. Viver é morrer aos poucos. Os primeiros cristãos usavam “adormecer”, e não morrer. Adormece para o mundo e acorda em Deus. “Cemitério” é uma palavra latina que significa um grande dormitório. Ibiapina, minha cidade, tem a porta do cemitério mais sábio do mundo: “Hoje sou eu, amanhã serás tu”. Que consolação! (risos) Por que a morte nos amedronta? Porque fomos feitos para viver.
O POVO – O senhor cita muitas pessoas nas suas homilias. Quem são suas referências?
Padre Eugênio – Eu gosto muito de ler Santo Agostinho, Leandro Karnal... O poeta Fernando Pessoa foi o meu melhor psicanalista, um homem que descortina a alma da gente. Cecília Meireles também. Cora Coralina desperta em mim o meu Interior, a minha vivência de cidade pequena. Eu me encontro nos poemas de Cora Coralina de forma esplêndida.
O POVO – O senhor conviveu com Santa Dulce no noviciado em Salvador. Quais lembranças o senhor tem dela?
O POVO – Qual é o lema da sua ordenação?
Padre Eugênio – “Eu te conheço, eu te amo e eu te envio.” É o amor de Deus incondicional que me mantém de pé. Eu tenho dever de falar de Deus misericordioso, porque eu o experimento na minha vida. Que Deus me anime sempre e não me deixe jamais abrir espaço para o desânimo, que me faça ousar e acreditar para ver o milagre acontecer. Deus é muito bom. Deus é dez! (risos)
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