Dom Gregório Ben Lâmed Paixão ainda chegou a ouvir do Núncio Apostólico no Brasil, dom Giambattista Diquattro: "Se você quiser, eu lhe dou um tempo para você pensar um pouquinho, rezar principalmente". Mas o sergipano, de 58 anos, 17 de vida episcopal e 11 como bispo da diocese de Petrópolis, disse que não teria como recusar o convite do papa Francisco, repassado por telefone pelo embaixador do Vaticano.
No último dia 11, dom Gregório foi anunciado como novo arcebispo de Fortaleza. Deverá tomar posse no próximo dia 15 dezembro, às 19 horas, em celebração especial na Catedral Metropolitana. Assumirá o cargo ocupado nos últimos 24 anos pelo paulista dom José Antônio Aparecido Tosi Marques - que seguirá na Capital cearense como arcebispo emérito, inclusive morando na residência episcopal.
“Vou chegar faltando apenas um dia para a minha posse, porque tenho muitos compromissos ainda aqui (em Petrópolis). Eu realmente gosto muito de levar sustos. Vou chegar aí no susto e vocês vão me conhecer”, brincou. Disse que não estabelecerá previamente uma linha para adotar quando estiver à frente da Igreja cearense. Quer chegar de coração aberto.
Dom Gregório afirmou, nesta entrevista, a primeira à imprensa cearense após sua confirmação como novo arcebispo, que pretende se manifestar publicamente sobre os problemas sociais locais sempre que necessário. Mas, antes, pensa em conhecer mais da realidade cearense. "Jamais quero ingressar na sociedade, seja lá onde for, para me tornar, digamos, um herói. Ou para chamar atenção para minha pessoa".
"Quero lembrar que os problemas sociais são constantes, diários, permanentes, para todo mundo. Naturalmente, eu me manifestarei não apenas em momentos certos, mas o tempo todo". E completou: "Nós precisamos todos, sem exceção, como sociedade, tomar a responsabilidade para que possamos vencer essa chaga social chamada miséria. Deus não criou a miséria. Deus não criou aquilo que nós chamamos pobreza extrema. Deus não criou a exclusão. Isso não é obra de Deus".
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O POVO - Como chegou a notícia de que o senhor havia sido nomeado como novo arcebispo de Fortaleza? Pode contar os detalhes desse momento?
Dom Gregório Paixão - Eu recebi a notícia por meio do Núncio Apostólico, que é o embaixador do Vaticano no Brasil, dom Giambattista Diquattro. Ele mora em Brasília, me telefonou e disse ‘dom Gregório, tenho uma notícia para lhe dar. Está sozinho? Posso falar com você agora?’. Eu estava na minha residência, aqui em Petrópolis, e ele disse ‘o santo padre, papa Francisco, nomeou o senhor arcebispo de Fortaleza, lhe transferindo de Petrópolis para aquela capital’. Eu confesso que naturalmente fiquei extremamente surpreso. Porque sou um bispo que embora não seja tão novinho assim, né, mas eu tenho 17 anos de vida episcopal, e naturalmente, por eu ter 58 anos de idade, esse é um papel dado a bispos mais experientes, com mais tempo de caminhada.
Mas como o papa Bento XVI já havia me escolhido lá atrás, fui ordenado com 41 anos de idade, muito jovem ainda, talvez isso tenha contado pela experiência. Por ter sido bispo auxiliar em Salvador por seis anos e meio e mais 11 anos em Petrópolis. Então, quando ele me deu a notícia, realmente fiquei assustado, naturalmente feliz. Porque se você recebe uma missão e se recebe do outro o reconhecimento, de que é capaz de assumir uma missão exigente, uma capital de extrema importância no Nordeste, um lugar que vai ser muito exigente. Tô colocando minha vida a serviço do Evangelho. Então foi motivo de alegria por saber que meus dias serão consumidos pelo amor que eu terei ao povo que me está sendo confiado. A minha reação interna foi essa.
Como ele me escolheu, então eu disse simplesmente pra ele que não preciso pensar. A minha resposta é sim, vou com toda alegria e vou dar a minha vida pelo povo do Ceará. Como tenho feito aqui no estado do Rio de Janeiro. Foi uma grande alegria ter recebido.
Ele me perguntou: ‘Se você quiser, eu lhe dou um tempo para você pensar um pouquinho, rezar principalmente’. E eu sempre fui extremamente obediente aos meus superiores, por entender que você nunca coloca uma pessoa sem que tenha feito uma boa reflexão sobre a vida daquela pessoa. Sei que o papa e sua equipe meditaram bastante, para fazer uma escolha pela minha pessoa. Porque aqui no Brasil nós temos pelo menos uns 300 bispos aptos para irem para Fortaleza.
Como ele me escolheu, então eu disse simplesmente pra ele que não preciso pensar. A minha resposta é sim, vou com toda alegria e vou dar a minha vida pelo povo do Ceará. Como tenho feito aqui no estado do Rio de Janeiro. Foi uma grande alegria ter recebido. Naturalmente, depois dessa notícia dada pelo Núncio Apostólico, inegavelmente tive um sentimento de profunda saudade desse povo com quem convivi durante quase 11 anos em Petrópolis. Porque é um povo maravilhoso, que me acolheu tão bem. Realmente é como se uma parte da gente tivesse sido arrancada, mas para que pudesse plantar em outro local. É aquilo que as pessoas às vezes fazem quando tiram um pedacinho de uma planta para botar em outro vaso. Fica a amizade, o carinho, o amor que eu tenho por todos os diocesanos de Petrópolis. Em compensação, levo esse galho para que se torne uma grande árvore aí no Ceará. Minha alegria também é imensa. Como eu disse, já enviei meu coração. Ele já está aí, apenas o corpo vai depois para encontrar as terras cearenses.
OP - O senhor já traçou uma linha de como pretende atuar em Fortaleza? Conhece a realidade da Arquidiocese e o perfil da Igreja Católica local?
Dom Gregório - Todas as vezes que vou a um local, pela minha formação pessoal, por ser monge beneditino, a minha formação como teólogo, a primeira coisa que eu faço é buscar entender e ingressar em uma cultura. Eu não tenho nenhuma fórmula pronta, absolutamente nenhuma. Estou indo com o coração, com o desejo imenso de aprender. Quem vai me ensinar o que é a Arquidiocese, como funciona a Pastoral aí, são aqueles que pertencem à igreja e a sociedade de modo geral. Eu não posso impor minha cultura, uma série de questões que eu traria na cabeça a essa cultura, mas estou aí para viver com as pessoas.
A única coisa que eu vou levar, a única coisa que eu tenho dentro de mim é Deus, é a obra de Jesus Cristo pela ação do Espírito Santo. É a única coisa que eu vou levar. O resto eu vou partilhar, daquilo que é a minha fé, e vou colher dos frutos que já foram plantados. Eu não vou aí para mudar as coisas, vou para continuar a obra já realizada por tantos ao longo de tantas décadas. Eu vou levar minha matula, a minha caixinha com aquilo que colhi ao longo dos anos. E vou tentar dar um pouquinho daquilo que tenho para receber desse grande baú, dessa grande caixa de experiência do Ceará, aquilo que o povo vai me passar. Eu não conheço a realidade daí.
Estive em Fortaleza, para que você tenha ideia, apenas duas vezes, para dois congressos na área de Antropologia. Rapidamente fui e voltei. O que conheço é aquilo que os meios de comunicação nos dizem. Se eu soubesse, talvez já fosse preparado para uma série de questões, mas vou totalmente desejoso de conhecer o novo. Eu acho que quando a gente vai assim fica muito mais fácil manter contato com as pessoas. E naturalmente as pessoas não me conhecem, maioria não me conhece, a não ser alguns amigos que fiz no Rio de Janeiro e moram aí, mas as pessoas poderão ter a experiência desse novo que está chegando.
E quanto a conhecer um pouco da realidade da diocese, isso me será passado por dom José Antônio Tosi, como também pelos dois bispos auxiliares de Fortaleza, que vão também me ajudar no reconhecimento territorial e da cultura daí. Mas o que vou aprender mesmo é com o povo, porque eu gosto de estar com as pessoas, de dialogar com elas, todas têm muito a me ensinar. Vai ser uma grande partilha de grande amor a Deus e grande amizade que eu desejo que a gente tenha. Porque o que deve falar em todo relacionamento é essa grande amizade entre as pessoas. Não conheço nada, mas eu sou um bom aluno. Eu desejo aprender, conhecer. Vou aprender e conhecer bastante.
OP - A sua chegada sem informações prévias ajudará na nova missão?
Dom Gregório - Ajuda totalmente porque quando você já vai preparado para alguma coisa, pode levar muitos sustos, porque pode não ser aquilo que você pensa. Acho importante saber que o olhar de toda pessoa é diferente. Eu posso olhar para uma árvore, achar o verde lindos, alguém achar os frutos maravilhosos, alguém vai achar a terra onde ela foi plantada muito boa, cada um de nós tem um foco. Certamente o meu olhar representa aquilo é a minha personalidade. Então eu vou com o coração. É como o turista que vai para um lugar que nunca conheceu. Eu prefiro viver pelas surpresas do que pelas fórmulas prontas. Essa é a minha fórmula de trabalhar.
Mas vi que minha vocação era para a vida sacerdotal. Ou eu seria padre ou acho que não seria nada nesse mundo. Ingressei no mosteiro, vivi ali por muitos anos. Dentro do mosteiro, o papa Bento XVI me descobriu, não sei como (risos), me tornei bispo e hoje me encaminho para ser arcebispo aí em Fortaleza.
OP - Como o jovem Leozírio foi inserido no ambiente religioso até se tornar agora o arcebispo dom Gregório Paixão? Queria que o senhor contasse sua trajetória na Igreja.
Dom Gregório - Eu venho de uma família profundamente religiosa, pais muito religiosos. Fui educado em colégio religioso. E desde pequeno, mais ou menos a partir dos seis anos, descobri a minha vocação religiosa. Logo fui ser coroinha. E o que me motivou a ser sacerdote foi o testemunho de sacerdotes que para mim foram exemplares na minha caminhada. Eu fiquei encantado com a possibilidade de servir a Deus e servir aos irmãos. Então durante toda a minha vida, nunca tirei da minha cabeça esse desejo. Aos 17 para 18 anos acabei ingressando no Mosteiro de São Bento, na Bahia, porque realmente não existia outra possibilidade. Eu fiz vestibular, entrei na Universidade Federal da Bahia, também fiz outros cursos, apenas por dois, três meses. Mas vi que minha vocação era para a vida sacerdotal. Ou eu seria padre ou acho que não seria nada nesse mundo. Ingressei no mosteiro, vivi ali por muitos anos. Dentro do mosteiro, o papa Bento XVI me descobriu, não sei como (risos), me tornei bispo e hoje me encaminho para ser arcebispo aí em Fortaleza. Foi uma caminhada natural.
OP - O senhor tem um irmão que também é padre?
Dom Gregório - Eu tinha um irmão, monge beneditino, que faleceu vítima de Covid-19. Ele se chamava dom Henrique Paixão, faleceu em dezembro do ano passado, não tem nem um ano ainda. Os monges beneditinos recebem o nome de dom. Eu já era dom antes de ser dom (risos), antes de ser bispo.
OP - O senhor adotou o nome Gregório também por conta da ordem beneditina?
Dom Gregório - Sim, São Gregório foi um grande papa, um grande monge. Na verdade, foi o abade que me deu esse nome. No mosteiro, é o abade que nos dá o nome. Mas também por uma motivação, porque eu sempre fui apaixonado pelo meu pai. Ele foi um homem simples, do povo. Ele se chamava José Gregório, então o abade me deu esse nome porque sabia do meu relacionamento extremamente próximo com meu pai. É homenagem a São Gregório Magno e ao meu pai também.
OP - Na ordem beneditina, o que é mais destacado na palavra e na ação dentro da formação religiosa?
Dom Gregório - São três pilares na ordem beneditina: a oração, porque nós somos contemplativos; o trabalho, porque trabalhamos duramente pela nossa sustentação; e o estudo. Oração, trabalho e estudo. Os monges geralmente têm uma vida de oração muito intensa, trabalho muito intenso e formação cultural muito intensa.
Se você quer saber quais são os dois teólogos que eu tenho como o máximo na minha formação, que me influenciam até hoje, e que eu sigo à risca na teologia de vida, são meu pai e minha mãe. Esses são os maiores teólogos. O que eles me ensinaram foi o que eles praticaram. Para mim, o referencial de homem e mulher e vida cristã que eu conheci foram meu pai e minha mãe.
OP - Quais são suas referências no ambiente religioso?
Dom Gregório - Naturalmente eu busco referenciais na minha vida que são muito fortes em matéria de igreja. Eu citaria dois referenciais, duas pessoas que me influenciaram, que foram os bispos que conheci. Quando entrei para o mosteiro, meu referencial foi o meu abade, dom Paulo Rocha, que foi o homem mais misericordioso e bondoso que eu conheci, depois do meu pai. Ele era monge beneditino, mineiro de Passa Quatro. Os dois referenciais que tenho do episcopado são dom Geraldo Majella, que foi cardeal em Salvador, com quem trabalhei por seis anos e meio, e dom Murilo Krieger, com quem também trabalhei em Salvador nesse período. Eu vejo que o Brasil é tão rico de grandes nomes, de tantas pessoas. Se você quer saber quais são os dois teólogos que eu tenho como o máximo na minha formação, que me influenciam até hoje, e que eu sigo à risca na teologia de vida, são meu pai e minha mãe. Esses são os maiores teólogos. O que eles me ensinaram foi o que eles praticaram. Para mim, o referencial de homem e mulher e vida cristã que eu conheci foram meu pai e minha mãe. São os grandes teólogos da minha vida.
OP - O senhor tem um perfil de muitos estudos, formações diversas, fala vários idiomas, lecionou várias disciplinas tanto no ambiente religioso como universitário. A erudição se destaca, gosta de pintura, toca piano. Na linha da leveza, o senhor cogita, por exemplo, fazer uma apresentação de piano ou produzir e expor novas telas aqui em Fortaleza?
Dom Gregório - Pode até ser que eu pinte. O mosteiro me deu oportunidade de uma boa formação. Tanto pintava quanto tocava. E depois que vim para Petrópolis, que me tornei bispo, ainda pintei bastante, mas depois parei e fiquei apenas naquilo que eu já fazia anteriormente, que era dar aula e escrever. Mas resolvi ficar somente nessa área de escritor. Especialmente na área de História, de Antropologia. Acho que vai ser meio difícil ter tempo para continuar com a música e com a pintura. Então hoje em dia eu contemplo muito o que os outros fazem em matéria de arte e ouço aquilo que as pessoas produzem de melhor em relação à música. Acho que vou permanecer escrevendo, acredito, mas o trabalho é muito grande, muito exigente. Um grande trabalho que vou ter que fazer é conhecer a cultura, necessariamente, e talvez tentar produzir em cima daquilo que eu encontre aí no Ceará.
O que eu acho é que nós precisamos todos, sem exceção, como sociedade, tomar uma responsabilidade para que nós possamos vencer essa chaga social chamada miséria. Deus não criou a miséria. Deus não criou aquilo que nós chamamos pobreza extrema. Deus não criou a exclusão. Isso não é obra de Deus. A exclusão foi nascendo por questões históricas e realmente por obra humana.
OP - Fortaleza tem um dos mais altos índices de desigualdade social no País, é muito flagrante. O que o senhor sabe a esse respeito e como pretende inserir nessa discussão a igreja que o senhor conduzirá?
Dom Gregório - Eu não conheço, confesso, a realidade social de Fortaleza, mas posso imaginar que não apenas Fortaleza, mas nos municípios que fazem parte da diocese as dificuldades realmente são enormes. Porque nós estamos no Nordeste, primeiro ponto, uma das regiões mais esquecidas durante muito tempo. E em segundo lugar, a gente também não pode esquecer que a pobreza está presente em todo o território nacional. O que eu acho é que nós precisamos todos, sem exceção, como sociedade, tomar uma responsabilidade para que nós possamos vencer essa chaga social chamada miséria. Deus não criou a miséria. Deus não criou aquilo que nós chamamos pobreza extrema. Deus não criou a exclusão. Isso não é obra de Deus.
A exclusão foi nascendo por questões históricas e realmente por obra humana. Quando você deixa de dar ao outro aquilo que pertence ao outro, você se torna injusto. O conceito de Justiça é ‘Dá o seu ao seu dono’. Certamente não resolverei o problema da exclusão social, mas nós podemos unir forças, todos nós, toda a sociedade, todos os religiosos e a sociedade civil para vencer essa chaga. Não consigo conceber que em pleno século XXI nós tenhamos duas guerras sendo vividas. Porque temos várias outras guerras acontecendo ao redor do mundo. Não consigo imaginar que pessoas se matam ou que alguém precise de esmola ou que não tenha um lugar digno para viver e que seja pacífico para conduzir a sua vida. A luta tem que ser de todos nós juntos. Eu acho que a gente ao invés de ficar buscando culpados, historicamente falando a gente pode fazer estudos sobre isso, mas o que é que nós podemos fazer hoje? Eu sou uma pessoa que trabalha muito com a realidade presente.
OP - Ao assumir como arcebispo, o senhor pretende se manifestar publicamente sobre essas questões, para além de momentos como a Campanha da Fraternidade ou em mensagens de fim de ano e Páscoa? Se manifestará para reivindicar demandas mais justas e dignas aos mais pobres ou em momentos de crise social?
Dom Gregório - Eu vejo que a gente precisa conhecer a realidade para depois falar sobre tudo. Até pela minha formação, eu jamais quero ingressar na sociedade, seja lá onde for, para me tornar, digamos, um herói. Ou então para chamar atenção para minha pessoa.
OP - Não falo de personalismo, mas dentro do papel de representante da Igreja.
Dom Gregório - Eu sou totalmente contra todo tipo de personalismo. Estou a serviço, sou um servidor de todos. O que acho é que muito mais forte do que as palavras que a gente diz é o testemunho de vida daquilo que a gente faz. Eu tenho que unir a diocese para colocarmos em prática a doutrina social da Igreja, e convidar toda a sociedade para fazer o mesmo Porque não adianta eu ser um herói pela palavra, por aquilo que eu digo, se na minha prática eu não tô fazendo alguma coisa concretamente pelas pessoas.
O que eu desejo é me unir a todos, dialogar com todos, para que nós possamos fazer alguma coisa. Mas eu vou bater - fiz isso aqui em Petrópolis, durante as tragédias ficou bem visível - bato em todas as portas, com o coração dilatado, para perguntar aos outros: o que é que nós juntos podemos fazer? E não o que é que você deve fazer ou o que você vai fazer, mas eu quero me tornar também protagonista do bem realizado. Porque senão a gente sobe no pedestal como autoridade, mandando que os outros façam e sem que a gente faça. É um convite para que toda a Igreja se mobilize pelo bem que pode ser feito. Se nós juntarmos força, o protagonista será aquele que vai ser ajudado. Será aquele que na sua pobreza vai ter a vida transformada. Eu prefiro olhar o outro do que olhar para mim mesmo pela palavra que eu vou apresentar.
O convite vai ser que toda a Arquidiocese, e naturalmente também chamaremos a sociedade civil, que certamente isso já é feito aí no Ceará, para que lutemos por uma transformação integral da pessoa humana..
OP - O senhor está antecipando que a Igreja não se fechará em si para discutir essas questões e vai abordar publicamente, de acordo com as circunstâncias?
Dom Gregório - Eu quero lembrar que os problemas sociais são constantes, diários, permanentes, para todo mundo. Naturalmente, eu me manifestarei não apenas em momentos certos, mas o tempo todo, porque afinal de contas a Igreja deseja cumprir aquilo que Jesus disse: O espírito de Deus está sobre Mim. Ele me fez anunciar a boa nova aos pobres, veio para libertar os cativos, que sofrem nos mais diferentes cativeiros humanos, e anunciar um ano novo da graça. Então acho que o grande trabalho é exatamente esse, fazer com que o tempo todo o pensamento seja na pregação do Evangelho, mas também no bem que a gente deve fazer. Porque uma fé sem obras é morta. O convite vai ser que toda a Arquidiocese, e naturalmente também chamaremos a sociedade civil, que certamente isso já é feito aí no Ceará, para que lutemos por uma transformação integral da pessoa humana. E naturalmente dentro dessas transformações também a transformação social, para que a fome e a miséria sejam superadas.
OP - O papa Francisco completou 10 anos de pontificado em 2023 e levantou discussões sobre temas muito polêmicos, até então evitados publicamente pela Igreja. Citou o perdão a homossexuais, o abuso de menores dentro da Igreja, o controle da natalidade, a abertura do sacerdócio para homens casados, entre outros. O senhor pensa o quê sobre esses posicionamentos do Sumo Pontífice?
Dom Gregório - Acho que o papa Francisco é um homem fundamental para o tempo que estamos vivendo. E todos os assuntos precisam estar à mesa. A Igreja tem uma doutrina e todo mundo sabe qual é essa doutrina. O que o papa Francisco tem enfatizado em todos os seus discursos, é preciso conhecer toda a obra para que a gente não pegue palavras separadas que muitas vezes são publicadas dentro de um contexto, que é que eu acho que é a coisa mais importante: a igreja tem lugar para todos, esse é um ponto fundamental, e nós precisamos dialogar com todas as pessoas. Nós temos um tesouro a oferecer, e esse tesouro é Jesus Cristo, para aqueles que desejam Jesus Cristo.
A gente não impõe a fé a pessoa alguma. Nós respeitamos, o mais importante é o nosso testemunho. E que nenhuma pessoa nesse mundo pode ser maltratada, nenhuma pessoa pode ser excluída, porque nenhum de nós conhece toda a história do outro.
A gente não impõe a fé a pessoa alguma. Nós respeitamos, o mais importante é o nosso testemunho. E que nenhuma pessoa nesse mundo pode ser maltratada, nenhuma pessoa pode ser excluída, porque nenhum de nós conhece toda a história do outro. A gente vê sempre a atitude de Jesus, que é de atender a todos. E pelo projeto do pai de Deus, ele dizia sempre “vá e não peques mais”. Ou seja, nós damos uma possibilidade, cabe ao outro decidir aquilo que ele deseja. Nós temos algo a dizer à sociedade, mas nesse contexto de pessoas que concordam e discordam com a gente, a coisa mais importante disso, daí o Sínodo, é nós dialogarmos com as pessoas, não criarmos barreiras, para nos achegar a todos. E esse ponto é fundamental nesse diálogo.
OP - O senhor amplia essa sua abordagem para a questão da polarização política? Na disputa do voto, as pessoas se inflamaram, a sociedade ficou numa efervescência muito acima do tom.
Dom Gregório - Acho que nenhum de nós pode viver sem política. Mas política também é sinônimo de racionalidade. O fundamental é dialogar. Eu acho que não existe nada pior do que uma polarização. Qualquer tipo de ideologia, seja ela qual for, em qualquer situação que ela nos fecha, ao invés de nós discutirmos daquilo que é essencial, a gente fica muito mais preocupado com aquilo que eu penso e não olha para o bem comum. Nós temos que olhar o bem comum, cada um dando uma contribuição. Sou totalmente contra qualquer tipo de polarização.
Na sociedade não existe apenas um lado e outro. A gente não pode ficar sempre assim: quem pensa comigo está a meu favor, quem é contra mim deve ser eliminado. Toda reflexão, por mais que ela seja distinta, ela ajuda a crescer. Acho que é fundamental dialogar com todos. É uma característica minha, eu dialogo com todos os grupos, sem exceção. Não deixo de dizer o que penso, mas sempre pronto para respeitar a todos. Acho que polarização é o que destrói, digamos assim, a possibilidade de nós enxergarmos novos horizontes.
OP - O senhor acha que a temperatura dessa polarização diminuiu, está mais branda e tolerável, ou não?
Dom Gregório - Acho que as pessoas, por diversas questões, diminuíram um pouco, mas existe ainda uma divisão muito grande. Jesus disse que uma nação dividida contra ela mesma acaba se autodestruindo. Seria uma guerra civil. Sem querer, a sociedade corre o risco muito grande de criar, sem o uso de armas, uma guerra civil onde irmãos se combatem e muitas vezes buscam destruir o outro. No caso, o pensamento. E, afinal de contas, a minha consciência deve ser sempre preservada e a consciência do outro também, porque nós somos independentes nesse sentido. Mas existe ainda uma grande polarização, acredito que vagarosamente a gente consiga vencer. Principalmente os ressentimentos que trazemos no coração e isso é péssimo dentro de uma sociedade. Nenhum de nós pode ser escravo dos seus ressentimentos. Acho que a gente precisa superar isso daí também.
OP - O senhor está escrevendo algum novo livro, algo prestes a ir para o prelo?
Dom Gregório - Eu sigo duas literaturas: a popular, que conta histórias, e uma mais acadêmica. Atualmente não estou escrevendo muitas coisas, mas estou trabalhando na segunda edição de um livro que escrevi algum tempo atrás. Não prometo, mas pretendo estudar o Ceará como todo, Fortaleza de modo especial, para poder entender a cultura onde estou entrando e dizer o que eu penso daquilo que eu aprendi sobre essa cultura. Certamente acho que nos próximos anos deve sair alguma coisinha sobre o Ceará e essa experiência na Arquidiocese de Fortaleza.
OP - Qual livro será republicado?
Dom Gregório - É um livro de arte chamado “A Catedral de Petrópolis (com intertítulo “Santuário da Memória da Cidade Imperial”, lançado em 2016). Escrevi algum tempo atrás, ele tá esgotado. É sobre a catedral como centro da cultura religiosa na sociedade do Petrópolis.
OP - O senhor já está mantendo reuniões com os líderes religiosos de Fortaleza, por videoconferência? Já discutem alguma coisa?
Dom Gregório - Não. Eu só conversei até agora com dom José Antônio, e, numa reunião que eu tive com vigários episcopais, juntamente com dom José Antônio, de todas as regiões que compõem a Arquidiocese de Fortaleza. Foram os dois contatos que tive até agora. E eu vou chegar faltando apenas um dia para a minha posse, porque tenho muito compromissos ainda aqui. Eu realmente gosto muito de levar sustos (risos). Eu vou chegar aí no susto e vocês vão me conhecer. Terá muito tempo, certamente, para que vocês me conheçam. Vão conhecer a pessoa. Eu gosto muito de gente, vocês vão ver que é uma característica minha. E vão ver que, embora haja foco no Gregório acadêmico, mas eu não vou viver da academia. Vou viver muito mais daquilo que é popular, porque o que eu gosto mesmo é de estar com as pessoas, conversar, saber sobre suas vidas, conhecer história. E pregar o Evangelho, que é fundamental.
OP - Dos hábitos mais mundanos, digamos assim, o senhor também gosta de conhecer a culinária para onde vai? Gosta de se exercitar? Queria saber mais de sua rotina.
Dom Gregório - Confesso que atualmente não tenho feito exercícios. Preciso fazê-los quando chegar aí porque senão vai ficar tudo pesado. Certamente vou andar bastante, dirigir bastante, o que impede a gente de ter uma rotina de exercícios, mas eu preciso disso. De comida, eu vou muito naquilo que eu tô com vontade. Gosto de experimentar coisas novas, então certamente vou experimentar de tudo e me alegrar com aquilo que vocês comem. Tanto do trivial, feijão, arroz, farofa, salada, mas também experimentar as oportunidades que me serão dadas dessa culinária que deve ser riquíssima, aí do do Ceará.
OP - O senhor falou com dom José Antônio apenas uma vez? Ainda pretende falar mais com ele antes de sua chegada?
Dom Gregório - Certamente vou conversar bastante ainda com dom José Antônio. Conversei com ele no momento em que a notícia da transferência me foi dada. Quinze minutos depois, ele já estava falando comigo, muito alegre, muito feliz por me receber. O segundo ponto foi ele me apresentando um pouco a Arquidiocese e um pouco do que ele desejava para ele mesmo. Ele desejava permanecer no Ceará, afinal de contas ele está aí há 24 anos. E quando ele apresentou, logo disse a ele, sugiro que o senhor fique na casa onde já está, no quarto onde está, comendo a comida que já está acostumado e assim por diante. Porque é um homem de 75 anos de idade e acho que a gente tem muito a somar. Eu não tenho uma grande diferença de idade em relação a dom José Antônio, mas ele tem uma experiência desses anos todos. Acredito que ele pode continuar colaborando porque é vigoroso e pela experiência. Também será, nessa condição de arcebispo emérito, será, pela experiência que tem, como um pai para mim.
OP - Pretende manter essas consultas permanentemente?
Dom Gregório - Sim. Naturalmente que terei a liberdade de conduzir o rebanho católico aí na Arquidiocese com aquilo que é próprio da minha pessoa e das minhas características. Porém, a gente na Igreja, pelo menos eu faço assim, antes de tomar qualquer atitude, qualquer decisão, eu gosto muito de ouvir os conselhos. Porque a gente erra menos quando a gente ouve os outros. Ouvirei dom José, ouvirei os bispos auxiliares, ouvirei os vários conselhos da Arquidiocese, e também as pessoas. Porque preciso saber o que elas desejam. Porque às vezes nós queremos levar um produto pronto para o outro e ele pode dizer não quero. Você quer levar um caviar para uma pessoa com fome e o cara diz eu quero é feijão com arroz.
Conversarei com todas as pessoas. Eu gosto muito de dialogar. A última coisa que vou querer mostrar, com toda sinceridade, é beleza de palavras ou de ser um intelectual. Digo pra você com toda sinceridade.
A gente tem que saber o que o outro também deseja. Conversarei com todas as pessoas. Eu gosto muito de dialogar. A última coisa que vou querer mostrar, com toda sinceridade, é beleza de palavras ou de ser um intelectual. Digo pra você com toda sinceridade. Eu sou uma pessoa muito simples, sou um homem do povo, sou um nordestino nato, pelas características de falar, de sorrir, pela forma de me apresentar. E eu não quero ser outra coisa senão isso. Eu não quero criar uma fantasia de mim mesmo para as pessoas. Eu não vou como um herói. Eu vou como um irmão que apenas levar o outro. Eu tô indo para aí para levar Jesus Cristo e a sua obra. A frase que escolhi por causa de João Batista, “Preparar os caminhos do Senhor”, é simplesmente isso, que ele cresça e eu desapareça. Uma das frases da minha vida, que aprendi na minha casa, é que o segredo de ser feliz é ser feliz em segredo. Sem deslumbramento. Eu dialogo com todo mundo. O que eu quero é ser feliz e fazer os outros felizes por aquilo que eu possa anunciar. E ponto final (risos).
OP - Obrigado, que o senhor construa sua permanência com um trabalho episcopal bem sólido aqui no Ceará.
Dom Gregório - Muito obrigado. Eu sei que o trabalho realmente será muito exigente, mas, se Deus quiser, seremos todos muito felizes nessa caminhada. Eu desejo muito fazer os outros felizes a partir da felicidade que eu experimentar, porque Jesus disse que a gente tem que amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Se eu não amar a minha vida, eu jamais vou amar a vida dos outros. E se eu não for feliz eu certamente não vou fazer as pessoas felizes. Eu tô indo para aí para ser feliz e para fazer os outros felizes também.
Leozírio é o seu nome de batismo. O nome religioso foi definido por seu abade no mosteiro de São Bento, em Salvador, onde iniciou sua formação como monge. Gregório é uma homenagem a São Gregório Magno, santo que era monge da mesma ordem beneditina, e foi papa entre os 590 e 604. Também reverencia seu pai, já falecido, que se chamava José Gregório.
A entrevista com dom Gregório Paixão foi feita na manhã da última terça-feira, por telefone. Durou 48 minutos. Pediu que não fossem destacadas suas frases ou palavras mais "exóticas", mas o conteúdo de sua fala. "Sou um homem simples".
Com gosto pelas artes plásticas (pinta telas) e música (toca piano e órgão de tubos), dom Gregório cursou teologia e filosofia, tem doutorado em antropologia cultural. Fala grego, italiano, francês, espanhol e lecionou a homilética, a arte de pregar sermões religiosos.
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