No dia 31 de maio, já chegando junho, uma procissão de formigas cortadeiras avisava que ainda ia chover fora da quadra invernosa no Litoral de Fortaleza. Serpenteavam o chão “enfolharado” perto do Lago das Ninfeias, no Parque do Cocó.
Numa prevenção, provisionavam o formigueiro com milhares de pedaços das folhas verdes da castanholeira. Era para poder atravessar o isolamento prenunciado pelas chuvas excedentes na terceira maior Unidade de Conservação urbana do País.
Choveu sim, como as formigas sinalizaram, no Parque e em alguns municípios do Ceará. Teve uma chuvarada em Fortaleza até o começo da tarde do domingo, do 31 de maio e, depois, elas continuaram cortando as folhas da exótica e invasora amendoeira da praia.
Vieram mais chuvas nos três dias que se seguiram.
Na quinta-feira, 4/6, amanheceu chovendo como a inteligência coletiva das formigas “previa” ou sentia no rés no chão do Cocó e na temperatura alterada do formigueiro. O prenúncio de mais água do céu, mesmo depois de encerrada a quadra chuvosa no Semiárido e Litoral cearenses, que vai de janeiro a maio.
No Dia Mundial do Meio Ambiente, O POVO traz um roteiro de imagens sobre o Parque do Cocó que está fechado desde o dia 19 de março por causa da pandemia da Covid-19. De lá pra cá, já se vão mais de 76 dias interrompidos na Cidade.
Mas a dinâmica da vida na floresta urbana segue outro rumo para além da economia, mesmo que a “ilha verde” seja parte de uma urbes atormentada pelo medo de morrer contaminada pelo coronavírus ou de falir na quebradeira.
O cotidiano nos 1.571,29 hectares do Parque sofre com influência nada sustentável da Cidade, porém quem dita a transformação e a resistência na Unidade de Conservação são chuvas, a estiagem, o Atlântico que entra e sai com as marés, a lua e performances naturais imperceptíveis.
Se as chuvas esquadrinharam o rumo das formigas, foi também a boa quadra invernosa (e até as precipitações fora de época) que influenciaram na germinação de um pomar miúdo de mamoeiros - bem na trilha onde uma Mãe-da-lua (Nyctibius griséus) costuma cantar à noitinha.
Vingaram quatro pés e o mais robusto deles está oferecendo um banquete de pelo menos 15 mamões fartos, entre maduros e amadurecendo. Um ritual da abundância tão prazeroso que dá água na boca olhar a comilança à distância.
Comem dos mesmos frutos, enfiando o bico, a boca ou trombas, sanhaços-cinzentos, sibites, tangarás de coqueiro, soins, borboletas assenta-pau e insetos miúdos. Uma plantação “espontânea” de carica papaya que se deu, provavelmente, pelo leva e traz de sementes dentro do Parque. Semeadores feitos os morcegos, os pássaros, as fezes dos soins, as águas que correm o Parque...
Nos mamoeiros dali, da mata que restou cercada por prédios e asfalto, homem nenhum os toca. O rastro no fruto é de patas ou pés, até que caem e outro ciclo se inicia com um grupo de seres vivos acostumados a se fartarem da matéria em decomposição. E, possível, uma nova rebrota da árvore de ciclo perene e frutos dadivosos.
Zanzavam mansas, entre uns seis ou sete gatos acostumados a receberem ração distribuídas por gateiros e gateiras. Uma prática ilegal prevista por ordenamentos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e pela legislação ambiental brasileira. O problema não são os gatos, são os homens que atravessam a cadeia alimentar e desequilibram o que o meio ambiente fez de sustentável.
Em 2018, quatro raposas morreram entre o Adahil Barreto e o perímetro das trilhas da sede do Parque Cocó. Três atropeladas e uma atacada por dois cães abandonados na unidade de conservação urbana.
Por esses dias de quarentena, em uma das vezes que estive no Parque reportando sobre ausência da visitação nas trilhas, dei também com um casal de raposinha ou mãe e filhote já crescido e tomando aula sobre buscar o de comer. Estavam numa zona, na Trilha dos Prédios, onde a Cidade faz mal à Unidade de Conservação.
As transformações no Parque do Cocó 50 dias depois de inciada a quarentena em função pandemia do novo coronavírus