Logo O POVO+
Pelé: o amigo ET de Pepe no campo e na vida
Reportagem Seriada

Pelé: o amigo ET de Pepe no campo e na vida

Pepe, o "Canhão da Vila", formou ao lado de Pelé um dos maiores ataques de todos os tempos. Ex-camisa 11 relembra a trajetória da dupla de parceria dentro e fora dcampo, a contusão de Pelé na Copa de 1962 e a primeira vez que viu o amigo jogar
Episódio 6

Pelé: o amigo ET de Pepe no campo e na vida

Pepe, o "Canhão da Vila", formou ao lado de Pelé um dos maiores ataques de todos os tempos. Ex-camisa 11 relembra a trajetória da dupla de parceria dentro e fora dcampo, a contusão de Pelé na Copa de 1962 e a primeira vez que viu o amigo jogar
Episódio 6
Tipo Notícia Por

"Eu tenho um amigo ET", define Pepe Macia, 85 anos, sobre Pelé na entrevista para esta reportagem especial do O POVO. Um dos maiores parceiros do Rei do Futebol em campo, o eterno camisa 11 santista vê o amigo como um "extraterrestre" com a bola nos pés, um jogador de incomparável talento com os futebolistas "terráqueos".

Pelé 80 anos: Pepe com a coleção de canecas especiais lançadas por ele, em celebração da carreira. Ao fundo, foto do atacante santista na mocidade(Foto: Gisa Macia / Divulgação)
Foto: Gisa Macia / Divulgação Pelé 80 anos: Pepe com a coleção de canecas especiais lançadas por ele, em celebração da carreira. Ao fundo, foto do atacante santista na mocidade

 

O carinho pelo companheiro de anos de Santos e seleção brasileira é mostrada em palavras escritas a punho. As respostas da entrevista são como carta aberta para o Rei, que foi seu companheiro de time e chegou até ser seu comandado, quando Pepe foi treinador da equipe da Vila.

Pepe e Pelé formaram no Santos um dos maiores ataque de todos os tempos, com companhia ainda de Dorval, Mengálvio e Coutinho. Juntos, conquistaram dezenas de títulos pelo Peixe e pela seleção, como as Copas do Mundo de 1958 e 1962 e as Libertadores e Mundiais Interclubes de 1962 e 1963.

O POVO fez contato com o "Canhão da Vila" através da filha dele, Gisa Macia. Numa manhã de setembro deste 2020, cinco perguntas foram enviadas via WhatsApp sobre o Pelé ser considerado o maior de todos os tempos, a primeira impressão sobre o futuro Rei, a contusão na Copa de 1962, os momentos mais marcantes da parceria e a saudade do amigo. As respostas foram enviadas já no dia seguinte, escritas à mão pelo eterno ponta-esquerda santista.

As respostas de Pepe ao O POVO vieram de próprio punho, uma atenção e um documento para o futuro


"Nunca mais apareceu um jogador completo como ele, que tinha todos os atributos necessários. Técnica super apurada, individualidade, uso absolutamente normal das duas pernas, cabeceio, impulsão e etc. Foi o único completo que vi. Sempre digo que 'Seu Dondinho e Dona Celeste' rasgaram a fórmula e nunca mais veremos nada igual", diz Pepe.

A parceria entre os camisas 10 e 11 rendeu, além de títulos importantes, milhares de gols. Pepe diz ser o maior artilheiro do Santos com 405 tentos. Para ele, Pelé, que fez 1.071, não conta neste ranking porque o amigo é ET.

"Eu já jogava quando ele veio para o Santos, trazido pelo Waldemar de Brito. Quando me apresentaram, ele me deu um aperto de mão tão forte que eu pensei: 'Nossa, esse crioulinho* veio com vontade, hein?'. Quando começaram os treinos, lembro que o Lula, nosso técnico, comentou: 'Nunca vi nada igual'. Ele (Pelé) foi aproveitado em alguns jogos nos juvenis e, logo, coisa de dois ou três meses, foi integrado ao profissional, quando íamos jogar um torneio internacional com o combinado Santos e Vasco, no Maracanã. Os cariocas ficaram encantados com o talento do futuro Rei", conta.

Pelé e Pepe com a camisa do Santos(Foto: Site oficial do Santos)
Foto: Site oficial do Santos Pelé e Pepe com a camisa do Santos

Capítulo importante da trajetória da dupla aconteceu na Copa do Mundo, em 1962. Pelé se lesionou na segunda partida no torneio, no empate sem gols diante da Tchecoslováquia. O Mundial acabava ali para o Rei. Um baque para equipe brasileira. Naquele momento, Pepe, um dos mais experientes do grupo, tentou passar confiança para os demais jogadores e consolar o companheiro.

"Eu, que tenho cinco anos a mais do que ele, procurei confortá-lo. Foi muito difícil porque ele já era o Rei do Futebol. Sabíamos que sua ausência seria muito sentida. Felizmente, a seleção conseguiu superar o trauma. Tendo a mesma base de 1958 e com Mané Garrincha sensacional, chegamos ao bi", relata.

Para quem acha que é fácil jogar ao lado de Pelé, se engana. É preciso muita preparação e concentração para acompanhar a genialidade do maior da história e dar sequência às jogadas, ensina o ex-jogador, ex-treinador e hoje “oldtuber”, como ele próprio define o canal no YouTube.


"Ele fazia jogadas novas a cada jogo. Era preciso estar atento para pelo menos tentar acompanhar o seu raciocínio futebolístico", explica.

Pepe não sabe precisar quanto tempo faz desde o último encontro com o amigo. A saudade do companheiro é realidade presente na vida do "Canhão da Vila", que em 1985 foi campeão cearense como técnico do Fortaleza.

"Foram muitos anos juntos. Viajamos o mundo inteiro. Sou padrinho do seu casamento com a Rose. Sempre nos demos bem tanto dentro como fora de campo. Depois de casados, moramos em prédios vizinhos. Quando era possível nas folgas do futebol, nos visitávamos. Fui seu técnico quando comandei o Peixe. Tive o privilégio de o ter sob o meu comando e fomos campeões também", finaliza Pepe sobre o amigo ET.

*O termo, hoje visto como racista, foi usado como apelido de Pelé por anos, de forma carinhosa, não só por Pepe, como por toda a sociedade da época. Em respeito à história, O POVO decide manter a palavra, contextualizando nesta nota.

Pelé 80 anos - CAPA(Foto: intervenção de Cristiane Frota em foto de arquivo)
Foto: intervenção de Cristiane Frota em foto de arquivo Pelé 80 anos - CAPA

"É riqueza pra mim ter compartilhado
a conquista do Tri com ele", diz Jairzinho 

A figura de Edson Arantes do Nascimento traz poucas lembranças a Jairzinho, o "Furacão de 70". Mas quando o assunto é Pelé, o conhecimento é profundo. Tricampeão e artilheiro do Brasil na Copa do Mundo do México, o ex-jogador de 75 anos viveu o ápice no futebol ao lado do Rei, quando integraram a seleção mágica com cinco "camisas 10" e encantaram o mundo.

"É o maior de todos os tempos", diz Jairzinho em seu primeiro comentário na entrevista exclusiva para O POVO.

Foi ao lado de Pelé que Jairzinho ganhou o apelido de "Furacão da Copa", em referência ao desempenho na Copa do Mundo realizada no México. Atuando com o Rei, o ídolo do Botafogo se tornou o único jogador brasileiro a marcar gols em todos os jogos do Mundial e ainda ser campeão.

Jairzinho (e) ao lado de Dadá Maravilha e Paulo Cesar Caju, em junho de 2015, quando visitava a CBF numa homenagem aos 45 anos do Tri(Foto: Rafael Ribeiro/ CBF)
Foto: Rafael Ribeiro/ CBF Jairzinho (e) ao lado de Dadá Maravilha e Paulo Cesar Caju, em junho de 2015, quando visitava a CBF numa homenagem aos 45 anos do Tri

O ex-camisa 7 da Canarinho vivenciou momentos marcantes dentro de campo com Pelé pela seleção brasileira. Estiveram juntos no vexame histórico na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, quando o Brasil acabou eliminado na primeira fase. O fracasso virou combustível para a histórica campanha do Tri no México em um time que tinha, além de Jairzinho e Pelé, Gérson, Tostão e Rivellino.

"É uma alegria imensurável ter jogado com ele num período longo. Na seleção, fomos companheiros desde 1964. Na Copa de 1970, Pelé foi a grande expressão desse time que ganhou. O Brasil já era conhecido no mundo por intermédio dele e de Garrincha. É de uma riqueza pra mim ter compartilhado o sucesso e a conquista do Tri com ele", afirma.

Ademais do título ao lado de Pelé, é motivo de orgulho para Jairzinho ter participado de forma decisiva daquela seleção considerada por muitos a melhor de todos os tempos. "É uma pena que tudo que é bom dura pouco", lamenta.

Como jogador, lembra Jairzinho, Pelé foi exemplo dentro e fora das quatro linhas. A preparação para a Copa de 1970 durou quase três meses, sob o comando do técnico Zagallo, e foi fundamental para o desempenho físico do Brasil sobre os adversários. "Montaram um cronograma inovador. O Pelé deu exemplo de disciplina, de integração e de orientação. Ele se preocupava muito com o comportamento da seleção", recorda.

Atuar ao lado do Rei por anos traz inúmeros aprendizados. O ex-camisa 7 do Tri foi um dos sortudos que puderam evoluir com a parceria com Pelé. Entretanto, o Furacão de 70 é claro: aprender, sim, copiar, impossível.

Jairzinho comemora gol pela Seleção Brasileira com Pelé ao fundo(Foto: Acervo CBF)
Foto: Acervo CBF Jairzinho comemora gol pela Seleção Brasileira com Pelé ao fundo

"Ele tinha variedade de movimentos que ficava muito difícil de copiar. Cada jogador tem uma característica principal, mas o Pelé tinha várias. Em alguns minutos, ele mostrava um repertório de movimentos que não tinha como copiar. Eram fantásticos e extraordinários."

Depois de anos de encontros dentro de campo, a convivência com o ex-parceiro de seleção é pouca atualmente. Já faz quase um ano desde a última vez que Jairzinho e Pelé estiveram juntos. "Foi muito bom tê-lo conhecido e jogado com ele. Nos encontramos em São Paulo e visitei Santos. Tive o prazer de reviver momentos com ele. É a última lembrança que tenho", conta o tricampeão, em tom saudosista.

O que você achou desse conteúdo?