“Não se registrou anormalidade”. Em pleno Maracanã, o Brasil perdera por 2 a 1 para a Argentina, então favorita ao título da Copa do Mundo do ano seguinte, a ser disputada na Suécia.
Era o primeiro jogo da “Copa Rocca”, e o “falho conjunto nacional” acabou derrotado. Falhando no dom da profecia, O POVO de 8 de julho de 1957, viu o que ocorreu no então maior estádio do mundo como banalidade. Nota secundária escondida na página 16, manchetada pelo título do Ceará no 1º turno do Campeonato Estadual daquele ano.
O destaque era a segunda derrota da seleção no Maracanã, rememorando o fatídico Maracanaço. Sob críticas à falta de entrosamento, passou batida a estreia de um menino forte, de apenas 16 anos, com a camisa brasileira. O menino que viria a ser rei, a maior anormalidade que já pisou em campos de futebol brasileiros — mundiais.
“Pelé, aos trinta e dois da etapa derradeira empatou para os brasileiros” (O POVO, 8/7/1957, página 16). O apelido de Edson Arantes do Nascimento só volta a ser escrito na escalação do time, pouco antes da menção banal da partida sem “anormalidade”.
Quase um ano depois, Pelé já na maturidade dos 17 anos, não constou na lista final de cortes para a Copa daquela jornada. “Ei-los: Gilmar — Castilho — De Sordi — Djalma Santos, Belini, Mauro, Nilton Santos, Oreco, Zito, Dino, Zózimo, Orlando, Joel, Garrincha, Didi, Moacyr, Vavá, Mazzola, Dida, Pelé, Pepe e Zagalo”. (O POVO, 20/5/1958, página 7). O texto, assinado por Mauro Barbosa, projeta o time titular brasileiro. Nele não consta Pelé. Ainda.
O futuro rei, porém, recebe destaque na mesma página, ao lado de Nilton Santos, pela atuação em amistoso contra a Bulgária. A matéria se dobrava ao talento de Moacir (agora grafado com “i”) e ao ponta Garrincha, que “estava menos focado no dribling” e acabou provocando os “centros” que resultaram nos “dois primeiros goals do meia Pelé (...) a grande figura da cancha”.
A foto, porém, já apontava o que foi mais de mil vezes dito entre 1957 e 1977. “Pelé — Sempre Pelé”, o meia-esquerda que “brilhou intensamente”. “Ei-lo colocando em pânico a defesa contrária”. Antes de ser o “Rei”, como Nelson Rodrigues primeiro chamou e o monarca sueco imortalizou no final da Copa do Mundo, o jovem fenômeno já encantava.
Figura constante no noticiário mundial, o brasileiro mais reconhecido no mundo, Pelé teve um quinhão constante entre Capa e páginas de Esportes do O POVO. A pesquisa resume como os cearenses leram sobre o maior jogador da história, desde 1957 a 1977.
Entre 1958, aos 17 anos, e 1970, aos 29, Pelé disputou 14 jogos em quatro Copas, Marcou 12 gols, foi o único a levantar a taça três vezes. Na última, liderou o maior time da história e foi eleito o craque da disputa.
Em 1958, foi coadjuvante decisivo. Em 1962, mesmo com a queda do Rei, o Brasil triunfou. Em 1970, foi o protagonista máximo de um time de protagonistas. O POVO noticiou cada passo da trajetória de Pelé, o único tricampeão do mundo
Assim O POVO noticiou os feitos.
O Brasil de 1958 não era o Brasil campeão e favorito de todas as Copas seguintes. Era uma seleção com Didi, Vavá, Garrincha, Pelé, Zagallo, mas oito anos antes, com Zizinho, Jair, Ademir, Barbosa, o favoritismo virara silêncio sepulcral em um Maracanã lotado como nunca.
O ânimo para o Mundial não estava estampado nas páginas do O POVO. A estreia seria num domingo, dia sem edição do jornal, e no sábado anterior, a Primeira Página ignorou o pontapé inicial do que viria a ser o primeiro título da Canarinho. Na página 7, cuja manchete celebrava Alcy Menezes, comerciário que venceu concurso do O POVO ao adivinhar a renda do Clássico-Rei de dias antes, o Brasil x Áustria era apresentado de forma burocrática, sem qualquer menção ao santista, então reserva. Na página 9, o jogo era novamente mencionado em secundária (“Estreia hoje o Moto contra o Ferroviário” era o destaque da página), em texto que pouco acrescentava em expectativa.
Dois dias depois, a boa estreia da seleção Canarinho mereceu manchete do jornal. “Arrancada vitoriosa do Brasil: Três bolas nas redes da Áustria” (O POVO, 9/6/1958, página 1), comemorava. Os celebrados eram Mazzola, “o homem goal”, Nilton Santos, “o maior dos 22” e Didi, “o cérebro do ataque”. Nesta edição, o único rei mencionado foi Gustavo VI, que “declarou aberto o Campeonato do Mundo”.
A partir daí, a cobertura passou a ser diária e o entusiasmo cresceu. Já no dia 10, o aviso era que o treinador Vicente Feola era “propenso a fazer modificação”, daí Vavá assumir vaga de Tita. Mas não é dessa mudança que falamos.
O capítulo fundamental é aquele do dia 19 de junho. “A seleção do País de Galles parece ser presa fácil para os brasileiros” (O POVO, 19/6/1958, página 7). O texto, via Sport Press, é sobre a sorte dos “gallezes” de terem atingido as quartas de final após sorteio. Pelé virara titular na partida anterior, mas a informação passou batido.
Em 20 de junho, a foto de capa era de Garrincha, mas na página 7, o “jogo fácil, vitória difícil” era creditado a um “goal espetacular de Pelé”. Ali, ele se tornava o jogador mais novo a marcar em Mundiais — recorde até hoje não superado. O dado, porém, é informação do jornalismo de dados de hoje. Naquele então, o que importava era a vitória pura e simples.
Foi na semifinal diante da França, um antológico 5 a 2, que Pelé mereceu a primeira foto na Primeira Página do O POVO. Era 25 de junho de 1958. Um dia antes, ele marcara seus segundo, terceiro e quarto gols naquela Copa do Mundo, em partida que era quase uma final antecipada.
Abraçado a Bellini, que quatro dias depois seria o primeiro brasileiro a levantar a taça Jules Rimet, “o grande artilheiro” da “goleada espetacular do Brasil” era celebrado. Em texto da equipe Sport Press na Taça do Mundo, dava conta do “futebol primoroso” da Canarinho e da “faccionalidade do juiz de Gales, Mr. Griffitts”
Pelé tem um intertítulo dele matéria interna, na página 7. “A maravilha negra”. Didi era o mais celebrado pelo título que quase já desembarcava em aeroportos nacionais.
Em coordenada, também da Sport Press, a “Primazia do Brasil nas ‘enquetes’ dos jornais” europeus dá o tom do otimismo. Segundo O POVO, Garrincha tivera a melhor performance individual da Copa; a melhor exibição foi a brasileira contra a União Soviética; o melhor jogador do campeonato era Didi; e o melhor plantel da 6ª Copa do Mundo era o nacional.
A matéria, porém, advertia: “Vale a pena, acima de tudo, para os brasileiros, antes do fim da jornada, não se convencerem que são os ‘maiores do mundo’, para evitar os defeitos de ordem psicológica que os fizeram perder o título de 50 e os vícios que os tornaram vulneráveis em 1954, na Suíça”.
Cinco dias depois, seria O POVO quem proclamaria a seleção brasileira de 1958 como “O maior campeão que o mundo já teve”. À época, a publicação tinha entre 8 e 16 páginas diárias. Na segunda-feira, 30 de junho, eram 12. Cinco delas dedicadas à taça do mundo, com direito à imberbe face de Pelé no canto inferior direito da Capa.
Na página 11, um pequeno perfil dos 31 membros da comitiva brasileira na Suécia, de chefe de delegação a roupeiro, passando por 22 jogadores, eram descritos. Assim se leu o de Pelé:
“(26) — MEIA ESQUERDA (avançado) — Edson Arantes do Nascimento (Pelé). Nasceu em 23 de outubro de 1940 (17 anos) em Três Corações (Estado de Minas Gerais). Começou no Bauru A.C em 50 na categoria juvenil, com apenas 10 anos. Jogou ainda no Noroeste e no Radium, tendo disputado ainda algumas partidas na equipe principal. Em 1956, transferiu-se para o Santos F. C., tornando-se profissional e galgando a fama que o levou à seleção nacional com idade mínima. Nunca atual pela seleção (ilegível) CBD na Copa Rocca e agora no Mundial, sendo um dos elementos mais eficientes. Pelé ainda permanece solteiro, sendo o jogador mais novo do nosso escrete. Títulos — Campeão da Copa Rocca em 1957.” (O POVO, 30/6/1958, página 11)
Ainda era janeiro de 1962 quando o “Bi” começou a ser debatido no O POVO. No dia 27, o Mundial do Chile era tema a partir dos possíveis remanescentes do esquadrão de 1958. As baixas na defesa, os bons momentos dos homens de ataque… “De Pelé, não é preciso falar”. Assim era o tamanho do já melhor jogador do mundo, que, no fim deste mesmo ano, seria campeão mundial com a seleção e com o Santos.
“A cada nova apresentação realiza algo de extraordinário e belo para os olhos, justificando, plenamente, o apelido de ‘rei do futebol’, dado pela crônica mundial” (O POVO, 27/1/1962, página 10), versa texto de Álvaro Caffé.
Dois dias antes da estreia da Canarinho na Copa do Mundo, a seção “O POVO na Copa” ravava: “cGarrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo é o melhor ataque” (O POVO, 28/5/1962). Logo ao lado, o então jovem craque italiano Gianni Rivera discordava da majestade do Rei Pelé. “Para mim, Sivori é mais completo. Pelé é um admirável malabarista com a bola nos pés; mas Sivori é mais efetivo, possui decisão e garra. Não espera que lhe dêem o passe… Ele mesmo vai buscá-lo”.
Omar Sivori, argentino de origem italiana, foi um dos maiores jogadores de ambas as seleções. Nunca marcou gol em Copas, porém. Rivera e o Rei se encontrariam numa final de Mundial quatro anos depois — por 16 minutos, já que o europeu entrou quando o placar já contava 3 a 1 para o Brasil. Em 2004, Pelé elegeu os 100 maiores nomes vivos do futebol até então, o Fifa 100. Sívori e Rivera constavam no polêmico e questionável ranking.
Rivera, Sívori e nem mesmo Pelé foram protagonistas em 1962. Só o brasileiro marcou, na estreia, 2 a 0 sobre o México.
Era 4 de junho quando duas radiofotos destacavam Garrincha e Vavá, “praticamente os únicos atacantes brasileiros a penetrarem na área adversária” após a contusão do Pelé, no empate em 0 a 0 com a Tchecoslováquia.
Antes disso, o título era tratado como certeza a cada edição do O POVO. A partir da contusão, que afastaria Pelé do Mundial, a cobertura se voltava para o craque abatido.
Já neste dia 4, o próprio Pelé cravava. “A contusão que sofri não é uma tragédia e o Brasil não depende só de mim”. O texto, uma coordenada, apresentava Amarildo, denominado de “Possesso” por Nelson Rodrigues. No dia seguinte, ele prometia: “Vou arrasar a ‘Fúria’ como homenagem ao ‘Rei Pelé’” (O POVO, 5/6/1962, página 7). Ao lado, o noticiário da seleção brasileira falava sobre o lamento global pela contusão de Pelé.
Na Primeira Página de 6/6, lá estava Pelé — “riscado do ataque de ouro” — e Amarildo “nervoso”. No dia seguinte à vitória, 7/6, na página 2 do segundo clichê, O POVO destacava que “Pelé chorou no ombro de Amarildo”. “Muito bom, garotão. Muito bom mesmo. Eu sabia que podia contar com você. Talvez eu não fosse tão feliz como você foi, Amarildo” (O POVO, 7/6/1962, página 2), disse Pelé ao autor de dois gols sobre a Espanha — cumprida a promessa alardeada dois dias antes.
Dia 13 de junho, apresentação da semifinal diante do Chile. “Escalado o Brasil: Pelé não jogará”.
Primeira página de 16 de junho, horas antes de o Brasil sagrar-se bicampeão da Jules Rimet, duas fotos adornam a manchete “Tira teima pela Copa”. À direita, “GARRINCHA, o fabuloso feiticeiro”. À esquerda, “PELÉ, o grande ausente”. Mesmo sem o maior jogador do mundo, o 3 a 1, gols de Amarildo, Zito e Vavá após tento de Masopust, fez do Brasil bicampeão. A capa extra trazia espécie de poesia construtivista. “BRASIL 3x1 sôbre a TCHECOSLOVÁQUIA “Bi” Campeão!!!” (O POVO, 18/6/1962). Na sequência, os resumos e súmulas de todos os jogos do Brasil e a biografia de todos os craques.
PELÉ - “Edson Arantes do Nascimento (Pelé) — Meia esquerda, ponta de lança, é natural da cidade de Três Corações, Estado de Minas Gerais. Nascido a 21* de outubro de 1940, filho de João Ramos Nascimento e Celeste Arantes Nascimento. Sua fabulosa carreira de ‘Rei do Futebol’ teve início em 1950, no Bauru Atlético Clube, da cidade paulista de mesmo nome, onde foi descoberto por Brito e levado para o Santos F. C., pelo qual se sagrou Campeão Paulista de 1958, 60 e 61. Em 59, foi Campeão Brasileiro na seleção paulista e Vice-Campeão Sul-Americano. Culminou laureando-se Campeão do Mundo, em 58, com apenas 19 anos de idade*. Pelé mede 1,71 de altura e pesa 73 quilos e 800 gramas.” (O POVO, 18/6/1962, página 8).
A grandeza do rei era tanta quanto a ansiedade pelo próximo título. Já em 1962, a aposta era que Pelé poderia reinar na Inglaterra, em 1966. A coroa máxima, porém, viria só 8 anos depois.
A Copa do Mundo do México, em 1970, era a nona da história. Seis dos oito títulos anteriores foram conquistados por três equipes. Uruguai (1930 e 1950), Itália (1934 e 1938) e Brasil (1958 e 1962). Os únicos possíveis tricampeões mundiais, que caso vencessem, ficariam de forma definitiva com a taça Jules Rimet — ou não, como o roubo do troféu provou em terras tupiniquins.
Em 1970, o mundo tinha marca de 17 multicampeões mundiais. Quatro italianos (Ferrari, Masetti, Meazza e Monzeglio) e os demais eram todos brasileiros (Bellini, Castilho, Didi, Djalma Santos, Garrincha, Gilmar, Mauro, Nilton Santos, Pepe, Vavá, Zito, Zózimo e Pelé). Só um deles fora campeão aos 17 anos. Só um deles tinha fôlego suficiente para ir ao México garantir a Jules Rimet. E, até hoje, o camisa 10 das seleções de 1958, 1962 e 1970 é o único jogador tricampeão da Copa do Mundo.
O santista, entretanto, não era o único camisa 10 da seleção brasileira daquele Mundial. Gérson (São Paulo), Rivellino (Corinthians), Jairzinho (Botafogo) e Tostão (Cruzeiro), todos protagonistas nos respectivos times. A história do quinteto mais famoso da história das Copas, porém, envolve a primeira pessoa a ser campeão como jogador e técnico: Mário Jorge Lobo Zagallo.
O ex-ponta-direita assumiu o time após a demissão do lendário João Saldanha, jornalista comunista assumidíssimo que treinava a seleção brasileira mesmo em meio aos anos de chumbo da ditadura militar. Após meses de especulação, em 17 de março, o “João Valente” caiu, dando espaço ao mais maleável “Velho Lobo”. Faltavam 78 dias para a Copa. Além da queda de Saldanha, edição do O POVO do dia 18 de março de 1970 trazia nas páginas de Esportes a foto de Pelé, que era constante semanal, e prognóstico do treinador Oto Glória (1917–1986) que apostava no título da Canarinho.
Já era 20 de março quando o abraço entre Pelé e Zagallo selava, na capa do O POVO, o rumo para o México. No mesmo dia, o ditador Médici recebia o presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange. O time treinava com Ado; Carlos Alberto, Brito, Joel e Marco Antônio; Clodoaldo e Gérson; Jairzinho, Roberto, Pelé e Paulo César.
No O POVO, a explicação oficial para a saída de Saldanha era falta de “condições psicológicas”. Listava-se episódio de invasão à concentração do Flamengo, dizia-se que a seleção repetiria o fracasso de 1966 — ademais do time ter sido então treinado pelo campeão de 58, Vicente Feola —, apostava-se que ele desejava barrar Pelé. Faltavam 75 dias para a estreia na Copa.
A manchete do O POVO de 30 de abril de 1970 dizia que “Vitória acanhada não agrada nem convence”. Era o 1 a 0 do Brasil sobre a Áustria, às vésperas da viagem ao México. “O Brasil formou com Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Marco Antônio; Clodoaldo, Gérson e Rivellino; Rogério (Jairzinho), Tostão (Dario) e Pelé”. “A entrada de Jair deu nôvo alento ao ataque, que ganhou maior agressividade e pressionou com mais intensidade a meta austríaca” (O POVO, 30/4/1970, página 15). Aos 22 minutos do segundo tempo, o futuro “furacão da Copa” entrou em campo. Formava-se o quinteto de camisas 10.
Estreia da seleção, 3 de junho, “Brasil com o coração aos pulos”, gritava a manchete. A foto era de Everardo, novo titular. Página 11, com fotos da onzena e de Zagallo, dizia “Brasil enfrenta tchecos hoje: 90 milhões ‘em suspense’”, antecipava O POVO, ecoando a ufanista “Pra Frente Brasil”. Já na 15, o técnico Jorge Vieira (1934–2012) advertia que o adversário daquela quarta-feira, a Tchecoslováquia, era o time europeu mais perigoso.
“Olé, Olá, a seleção começou a ganhar” (O POVO, 4/6/1970, página 1). A radiofoto, da Associated Press (AP), mostrava o Brasil estreando com um “pé direito” — o de Pelé, que, na imagem, marcava o segundo gol do 4 a 1. “PELÉ — Jogou sua melhor partida pela seleção brasileira êste ano. Atuou com grande disposição de luta e por diversas vêzes deixou em polvorosa a defesa tcheca. O gol que marcou fez com que o povo brasileiro explodisse de alegria. Provou que não está acabado e que seu futebol ainda levará o Brasil a grandes vitórias nesta Copa do Mundo” (O POVO, 4/6/1970, página 9).
“Brasil 1x0 nos campeões”, vibrava O POVO em 8 de junho. A troca de camisas entre Pelé e Bobby Moore era destaque, bem como o gol de Jairzinho. Sobre o “Rei”, O POVO apontava que apesar de ter estado bem marcado, mostrara inteligência no gol de Jair.
“Brasil vence… Agora o Peru” (O POVO, 11/6/1970, página 1). Pelé abraça o goleiro Raducanu na Capa, que destaca que praticamente todos os jogadores foram “beijar” o Rei. “Marcou dois golaços e deu enorme trabalho à defesa romena. Foi severamente marcado, mas nem por isso deixou de exibir o futebol que o consagrou como o maior craque do mundo em todos os tempos”. (Página 9). A partida foi 3 a 2; Jairzinho marcou o outro tento.
“Tostão desencanta e Brasil vence de 4” (O POVO, 15/6/1970, página 1). Zagallo defendia que “um bom ataque supera uma má defesa”. Pelé, segundo O POVO, foi discreto. Nas semifinais, então, chegaram apenas campeões mundiais. De um lado, os sul-americanos bicampeões, Brasil e Uruguai; do outro, os europeus: a “bi” Itália contra a vencedora de 1954, Alemanha.
O confronto semifinal era tratado como “ajuste de contas”, 20 anos depois do Maracanaço. “Ambos aspirantes ao tricampeonato e, portanto, à posse definitiva da Taça Jules Rimet (...) Brasil e Uruguai jogam hoje, às 18 horas (...), uma das partidas mais difíceis da Copa de 70, em texto de capa que rememora “aquela fatídica tarde do ano de 1950” (O POVO, 17/7/1970, página 1). Era “a chance de cumprir a promessa (...) e ir à forra”. Na coluna “Confidencial”, Alan Neto faz a conta entre os dois jogos: foram-se 19 anos, onze meses e vinte e nove dias” (Página 16). Os prognósticos eram todos positivos.
Não houve jornal em 18 de junho de 1970. Sabe-se que o Brasil ganhou por 3 a 1, gols de Clodoaldo, Jairzinho e Rivellino (Cubilla abriu o placar). O grande lance do “Rei” ficou conhecido como “o gol que Pelé não fez”. Na reta final do jogo, o craque recebeu lançamento de Tostão, se antecipou ao goleiro Mazurkiewicz e, sem tocar na bola, deu uma finta de corpo, tirando o arqueiro do lance. A finalização na ponta direita, de primeira, caprichosamente passou rente à trave. O “não gol” se uniu a chute do meio de campo, na estreia contra a Tchecoslováquia como os antológicos “quase” de Pelé.
A ansiedade pela “Luta de bicampeões na final da Copa” (O POVO, 20/6/1970, página 1) descamba na véspera do jogo, já que a partida foi num domingo, dia sem edição do impresso. Confiança não faltava. “Já consagrada como uma das mais perfeitas seleções de futebol formadas em todos os tempos, a equipe do Brasil enfrenta amanhã, na Cidade do México, o selecionado da Itália, lutando pela posse definitiva da Taça Jules Rimet, igualmente cobiçada pelos italianos, duas vêzes como nós campeões do mundo”. Ao lado, fac-símile do pré-jogo entre as duas seleções em 1938, no qual o técnico da Itália, Vittorio Pozzo, apontava os brasileiros como favoritíssimos — o 2 a 1 e o “Bi” europeu teria sido, portanto, uma zebra.
A Primeira Página de então traz ainda um aviso para cardíacos, assinado pelo Dr. Jorge Irapuan, do Instituto de Cardiologia de São Paulo. “A emoção forte que normalmente provocará taquicardia em todos os torcedores, para os cardíacos pode ser perigosa”. Recomendava-se um calmante ou alienação do jogo.
Havia ainda a promessa de Seu Dondinho, pai de Pelé, de abrir “um garrafão” de uísque dado pelo cearense (e palmeirense) Chico Anysio (1931–2012) ao craque para celebrar a despedida do filho em Mundiais. “Para o Pelé tomar dez goles antes de cada partida do Santos contra o Palmeiras”
A reportagem da página 9 traz histórico do confronto — e de todas as Copas —, estatísticas e resumos das três finais de Mundial que o Brasil disputara. Na página 16, a expectativa sobre o jogo, válida para “ricos e pobres”, mostrava pessoas comuns e políticos em ansiedade. O então governador do Ceará, Plácido Aderaldo Castelo — que dá nome à maior praça esportiva do Estado — assistiria ao jogo em casa de praia no Iguape. O prefeito José Walter Cavalcante — aquele, do bairro de Fortaleza —, apostava num 3 a 0 Brasil e assistiria na própria residência. Nomes como Moésio Gomes, Simplício e Gilson Silva ecoavam a certeza de vitória.
Alan Neto, Confidencial, trazia os “bichos” que o time receberia e destacava o fato de que Pelé poderia se tornar o primeiro tricampeão mundial.
Quarenta e oito horas depois, a capa gráfica garante: “A taça do mundo é nossa”, em referência à canção homônima que embalou o primeiro título de Pelé, na Suécia-58. Eram quatro destaques: os gols, o público, o presidente Médici e a nova Taça Fifa. Além da Capa, a edição do O POVO se estendia por cinco páginas.
Na primeira, descrição dos cinco gols do 4 a 1, texto de bastidores de Alan Neto e a “análise individual” dos tricampeões. Assim se lê a de Pelé. “Em 1958, com 17 anos de idade, Pelé assombrou o mundo com seus gols sensacionais. Doze anos depois o ‘Rei’ voltou a provocar o delírio da plateia na decisão da IX Copa do Mundo. Na peleja decisiva de ontem o genial craque brasileiro reviveu seus áureos tempos de jogador, sendo apontado como o grande artífice da vitória do Brasil”. (O POVO, 22/6/1970, página 2)
O destaque da (tanto quanto tímida) edição, porém, vem na página 14, a última da cobertura. “O POVO, em nome do povo brasileiro, confere a ___________________________ o título de Campeão Mundial de Futebol”. Um certificado para todos os cearenses que vibraram com a seleção. Na mesma página, Pelé afirmava, mesmo após o gol mil, os mundiais com o Santos, os outros títulos com a seleção: “Esta foi a maior emoção da minha vida”.
“A ‘perna negra’, considerado como sendo o ‘endiabrado homem que a todos vencem’, afirmou, após a vitória frente aos italianos, que ‘esta foi a maior vitória entre todas de minha vida’”.
Pelé não voltou a campo de Mundiais na Alemanha Ocidental, em 1974, deixando espaço para o holandês Johan Cruyff, os alemães Gerd Müller e Franz Beckenbauer, o polonês Grzegorz Lato e os brasileiros Rivellino e Jairzinho competirem para ser o próximo protagonista dos campos do mundo.
Em seis episódios ,conheça a saga do garoto negro que se transformou no maior jogador da história do futebol brasileiro, admirado em todo o mundo.