A relação do empresariado com a política constitui vasta agenda de pesquisa na sociologia e ciência política brasileira. De um modo geral, os estudos abordam os/as empresários/as como atores políticos, destacando suas diversas formas de atuação destacando sua participação nos parlamentos, sua produção legislativa, e, posteriormente, analisando a ascensão de empresários ao executivo e os contornos de suas experiências governativas.
As análises enfatizam que as transformações sociais, políticas e econômicas que impulsionaram a redemocratização brasileira ofereceram novas possibilidades para a atuação política do empresariado. O processo de abertura política, no final da década de 1970, se caracterizou pela emergência de forças políticas, entre as quais setores do empresariado, que se organizaram buscando boas posições para os novos tempos que se anunciavam.
O Ceará foi, nesse sentido, um caso modelar desse processo político. Após duas décadas de autoritarismo, ascendeu ao poder executivo estadual um grupo de jovens empresários que tinham como síntese anunciada de seu projeto político a modernização. Nas palavras do cientista político Josênio Parente, o grupo pretendia “incrementar e desenvolver o capitalismo numa região (Nordeste) órfã na divisão do trabalho em nível nacional e regional, num dos estados mais pobres dessa região”.
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Isso não significa que antes da redemocratização não havia empresários ocupando posições políticas, mas sim que a identidade empresarial não constituía o cerne da legitimação da atuação política desses agentes. Nesse sentido, antes de refletir sobre a experiência dos jovens empresários no poder, cabe uma breve compreensão sobre sua organização política até a chegada ao executivo estadual. É relevante destacar a reorganização do Centro Industrial do Ceará (CIC), em fins da década de 1970, como lócus de gestação e fortalecimento do projeto político da nova geração empresarial do Ceará.
Diferente da Federação dos Industriais do Estado do Ceará (Fiec), que tinha como centro de sua atuação a defesa de interesses corporativos da classe empresarial, o CIC assumiu a condição de “escola de formação política dos empresários”, nas palavras de Rejane Carvalho. Entre 1978, quando ocorreu sua reativação, até 1986, o CIC foi presidido por: Beni Veras (1978-1980); Amarílio Macedo (1980-81); Tasso Jereissati (1982-83) e Sergio Machado (1984-1985). Em comum, os jovens empresários partilhavam uma trajetória de formação universitária e a ascensão ao comando das empresas de suas famílias.
Liderado por este grupo, o CIC constituiu-se como espaço de debate sobre temas de interesse público relacionados ao desenvolvimento econômico nacional, regional e local. Além de organizar o empresariado para lidar com a nova realidade emergente, o órgão possibilitou a articulação do projeto político próprio com vistas à conquista do comando da política estadual.
Tal projeto fundamentava-se num diagnóstico dos desafios que se impunham à gestão pública cearense: “alto volume de funcionários públicos com baixa produtividade, má aplicação dos parcos recursos disponíveis para investimento e falta de um projeto econômico compatível com os anseios do empresariado mais moderno, que, também, acabaria beneficiando toda a sociedade” (PARENTE, 2009).
A influência do CIC na política estadual foi se consolidando paulatinamente. Já nas eleições de 1982, diante do impasse entre os “coronéis” Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora, o CIC influenciou na decisão pelo nome de Gonzaga Mota, economista e secretário de Planejamento do Governo Virgílio Távora, ao governo do estado. A indicação de um nome técnico prenunciava uma marca do discurso político do CIC: “a defesa de uma gerência empresarial da política que tinha como reverso a crítica aos políticos tradicionais” (CARVALHO, 2009).
Apesar da influência do CIC, Gonzaga Mota ainda esteve submetido ao signo do clientelismo que havia marcado as gestões anteriores da política estadual. A reprodução da política clientelística pelo então governador delineou o cenário propício à mensagem que Tasso Jereissati, candidato natural do CIC, apresentou na disputa pelo executivo estadual em 1986.
Com uma campanha pautada na reivindicação para si do signo da modernidade e da mudança, daí o termo “mudancismo”, o discurso eleitoral de Tasso Jereissati delimitou o opositor, o coronel Adauto Bezerra, como tradicional, representante das elites arcaicas que sempre dominaram o Nordeste, sendo as responsáveis pelo eterno quadro de pobreza da população. O candidato-empresário personificava, portanto, a imagem apropriada ao novo tempo que vinha se anunciando com a redemocratização.
É interessante destacar que o discurso eleitoral que delimitava a disputa entre o “candidato-empresário” e o “coronel” levava ligeiramente a uma percepção de embate entre empresariado e políticos. O que não correspondia à realidade. Como diversas análises asseveraram (CARVALHO, 2009; PARENTE; 2009; LEMENHE; 1995), o que estava em curso era uma disputa interna à elite empresarial.
Desse modo, a alternância não seria a substituição do político pelo empresário na gestão política do estado, mas de uma fração tradicional do empresariado, que havia mantido acordos com a política conservadora, clientelística e autoritária, por um novo empresariado que se apresentava como comprometido com a liberal-democracia e desenvolvimento econômico. Em síntese, o discurso eleitoral dessa nova elite empresarial defendia a moralização da política, o enfrentamento do atraso e da pobreza.
Iniciado na gestão de Tasso Jereissati, o projeto político do mudancismo consolidou-se em 1990, com a vitória de Ciro Gomes ao governo estadual. Ainda que tivesse uma imagem mais propriamente associada à de um político, sendo advogado e professor, oriundo de família com inserção política em Sobral, Ciro Gomes personificava uma imagem de modernidade e manejava bem o discurso da eficiência empresarial e técnica como referências para a gestão pública. O retorno de Tasso Jereissati para dois mandatos consecutivos (1995-1998 e 1999-2002) fortaleceram a experiência iniciada em meados dos anos 1980.
Em termos governativos, as gestões mudancistas, orientadas pela busca do equilíbrio orçamentário e da eficiência da "máquina administrativa", tomaram a Reforma do Estado como eixo central de sua atuação política. O discurso técnico e gerencial constituiu-se dominante. A rejeição à “política tradicional” marcou o critério das nomeações para as secretarias estaduais. Além da ênfase técnica na orientação governamental, a realização de projetos estruturantes também compôs a imagem-marca do ciclo político conduzido pelo grupo identificado com a nova elite empresarial.
Os críticos e opositores dos governos das mudanças destacaram práticas negativas que marcaram o ciclo político, tais como: o discurso antipolítico, a centralização político-administrativa, o caráter autoritário e desdenhoso na articulação política e com diversos setores da sociedade, ingerência nos movimentos comunitários e sociais, o baixo impacto social das medidas econômicas, a permanência das profundas desigualdades e da pobreza no estado, entre outros.
A partir da perspectiva que sejam vistos, pelo seu legado e/ou insuficiência, os governos capitaneados pelo grupo político nascido da atuação do CIC tornaram-se objeto incontornável para a compreensão da política cearense. Sua influência é inegável. A emergência do novo grupo promoveu mudanças no campo da política local, com a produção de lideranças políticas que angariaram expressão nacional, a disputa em torno da lógica da gestão pública, entre outros. Destaque-se, por fim, que a experiência inaugural da nova geração de empresários no executivo estadual também se expressa nas heranças, alianças e rupturas que marcaram a dinâmica política cearense, nos últimos 35 anos.
O poder econômico nunca esteve longe do poder político — até as últimas décadas do século XIX, a renda era até critério para votar. Mas foi principalmente depois da 2ª Guerra Mundial que uma geração de empresários passou a atuar na política cearense. Com o mouse ou o dedo, deslize o carrossel abaixo para e veja quem eram esses empresários:
Monalisa Soares Lopes
Professora do Departamento de Ciências Sociais da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC)
Quais as forças mais influentes na formação do Ceará político e o papel que desempenham