A categorização mais recorrente das correntes ideológicas no estudo da política tem sido a denominação “direita” e “esquerda”. Apesar de grandes críticas a essa dualidade, reconhecendo suas limitações e transformações, entendendo que nenhuma organização dos ideais será jamais perfeita, seu uso permanece. Para o politólogo Norberto Bobbio no livro Direita e Esquerda: Razões e significados de uma distinção política, uma das explicações dessa permanência se deve a sua simplicidade, sem cair no simplismo.
Para entendê-los em um determinado momento histórico, é preciso reconhecer as suas significações relativas à relação com o contexto e outros cruzamentos ideológicos, como por exemplo, com os sentidos de estatismo, conservadorismo, liberalismo, nacionalismo, populismo etc., o que não será o propósito deste texto.
O que farei é apresentar características gerais que fazem sentido para falar da política contemporaneamente, realçando alguns paradoxos e em um segundo momento, circunscrevendo essa análise aos partidos políticos e suas votações no Ceará, nos últimos anos. Para tal, selecionei os cargos majoritários de Governo e Senado. Acrescentei também os resultados das eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, das últimas três legislaturas.
Destaco dois temas importantes que dividem a ideologia política em direita e esquerda: a compreensão do ordenamento social e a relação Estado e sociedade. A direita, em geral, pressupõe um ordenamento social orgânico, tradicional, que pode ser percebido pelas hierarquias dominantes na história de um lugar. Reconhece, desde que não entre em contradição com as regras mínimas dos direitos naturais, a liberdade de certas expressões sociais acima do Estado, desde que legitimada como uma tradição compartilhada.
Podemos dizer que a direita compreende as interações sociais em um nível mais tácito, entendendo que qualquer mudança deve ser uma construção lenta, do próprio tecido social, sem uma direção ou orquestração estatal, dada a sua artificialidade e perigos do autoritarismo moral pela política. Ainda, neste campo, a liberdade é um imperativo. Como consequência, o Estado é visto como um agente regulador, que deve promover a ordem e a segurança, sem interferir na dinâmica social ou promovendo interesses e valorações.
Na esquerda, o imperativo é a igualdade. Para o campo, não há ‘espontaneísmos’ sociais. Nosso cotidiano é construído e pode, portanto, ser reconstruído pela ação política, voltada para redução das hierarquias e desigualdades, independente de suas origens ou justificações morais. Como consequência, o Estado é chamado a ação e promoção da igualdade, em oposição a uma imagem de regulação.
Essas concepções podem ser embaralhadas. Por exemplo, a direita pode exigir um Estado forte, tendo como objetivo, o alcance da ordem e da segurança nacional. E a esquerda pode ser antiestatista, quando está diante de um estado totalizante e não progressista. Ou seja, pode-se defender o mesmo, por motivos diferentes, a depender da compreensão que mobiliza as reivindicações de um dado campo ideológico, como também, o tipo de ação política que deverá ser construída.
Na história, já tivemos momentos em que a esquerda viu com desconfiança os modelos democráticos, por não favorecer uma competição política igualitária. Do mesmo modo, movimentos de direita já defenderam a ruptura democrática, com a justificativa da proteção das conquistas de um Estado nacional. Outro exemplo, contemporaneamente, é possível, ver políticos de direita defendendo a igualdade de gênero e políticas de proteção aos direitos das mulheres e políticos de esquerda ainda entusiasmados com governos não democráticos, justificando suas conquistas sociais, o protecionismo estatal ou a autodeterminação dos povos.
Outro ponto importante é a intensidade dessas preferências a conjugação com a realidade empírica e outros ideais. Dessa forma, é possível visualizar um continuum entre esquerda e direita, que vai dos dois aos extremos ao centro.
Devido a essa gama de possibilidades e contradições, os estudiosos da política buscam mecanismos para conseguir capturar e classificar os atores políticos, em especial, os partidos políticos, distribuindo-os nesse continuum. Os pesquisadores podem observar e comparar seus programas políticos, discursos, votos e projetos de lei, como também, as mudanças em um determinado período.
Há também questionários com os parlamentares, no qual eles indicam espontaneamente sua posição política. Como desdobramento, é possível relacionar essa autodeclaração com a observação empírica do seu comportamento e posicionamento em discursos e votações. Como se pode imaginar, essas classificações não são fáceis, nem isentas de críticas e problematizações, mas são marcadores importantes na análise política.
Na política cearense, nos anos 1990, a marca foi mais ao centro e centro-direita. Em 2006, a representação caminha para o centro e para a esquerda, e a partir de 2014, vivemos o ciclo da esquerda, na representação dos governos estaduais e Senado Federal. Até 2006, foi predominante o domínio do PSDB (Partido que se movimenta da centro-esquerda à centro-direita).
No ano de 2006, a centro-esquerda assumiu a dianteira, com a eleição e reeleição do PSB. No Senado, há ainda a vitória do PCdoB, de esquerda. Em 2010, venceu o PMDB, de centro, e o PT, de esquerda. Já nas eleições de 2014, 2018 e 2022, a vitória foi da esquerda, com a eleição do PT para o cargo de governador. No Senado, o PSDB em 2014 sai vitorioso; em 2018, vencem o PDT, de esquerda, e o Pros (Partido Republicano da Ordem Social), expressando neste caso, a emergência de uma nova direita no Estado. E em 2022, a dobradinha do PT se faz presente, com a vitória no governo e no Senado.
Nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, os representantes da direita cearense se fizeram presentes nas últimas três legislaturas (2014, 2018 e 2022), variando em torno de 32% e 45% do total de cadeiras. Em 2014, os seguintes partidos venceram: Pros com 3 cadeiras, PR (Partido da República) com 2, DEM (Democratas), PRB (Partido Republicano Brasileiro), PHS (Partido Humanista da Solidariedade), PSL (Partido Social Liberal) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), cada um com uma, totalizando 10 cadeiras. Há ainda 3 cadeiras do PMDB e 1 do PSDB, podendo variar de centro-esquerda à centro-direita, a depender do representante, por isso não foram contabilizadas.
"Gabriella Bezerra é professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC) / gabriellamlb@gmail.com"
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