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Participantes dos atos de junho de 2013 revisitam movimento 10 anos depois
Reportagem Seriada

Participantes dos atos de junho de 2013 revisitam movimento 10 anos depois

Em junho de 2013, as grandes capitais também entraram em combustão, na esteira dos eventos daquele mês. Em Fortaleza não seria diferente. O POVO conversa com participantes daqueles atos
Episódio 3

Participantes dos atos de junho de 2013 revisitam movimento 10 anos depois

Em junho de 2013, as grandes capitais também entraram em combustão, na esteira dos eventos daquele mês. Em Fortaleza não seria diferente. O POVO conversa com participantes daqueles atos
Episódio 3
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Ainda que resguardado por contingentes das forças de segurança, o entorno do estádio Castelão, em Fortaleza, era praça de guerra naquele junho de 2013.

Por todo o mês, ondas de manifestantes se confrontariam com a PM, ora avançando, ora recuando por ruas e avenidas que levavam ao palco gramado da Copa das Confederações.

Também na cidade se deu o estopim das jornadas, que se replicaram pelo país, com desdobramentos cujos efeitos foram sentidos mesmo depois de junho, como se viu na ocupação contra a construção dos viadutos que engoliriam uma franja do Parque do Cocó.

Concentração de manifestantes no viaduto de acesso ao Castelão nos protestos de junho de 2013(Foto: Mauri Melo/O POVO 19-6-2013)
Foto: Mauri Melo/O POVO 19-6-2013 Concentração de manifestantes no viaduto de acesso ao Castelão nos protestos de junho de 2013

Advogado e professor, Igor Moreira era um daqueles manifestantes de junho na capital cearense.

“Todo mundo que eu conhecia estava nas ruas, nas manifestações. Nós tínhamos governos de esquerda, mas que de maneira alguma representavam nossas demandas. Muito pelo contrário, estavam passando o trator, literalmente”, recorda.

Leia mais sobre as consequências dos protestos de junho de 2013

À época, os gestores eram Cid Gomes, então governador do Estado prestes a encerrar seu segundo mandato; e Roberto Cláudio, em seu primeiro ano como prefeito de Fortaleza.

“Havia um mal-estar urbano muito grande nas cidades brasileiras. Ao mesmo tempo que havia crescido a capacidade de consumo, nessa ideia da inclusão, isso não funcionou”, analisa Moreira, que se identificava com movimentos de moradia popular.

Confronto entre manifestantes e policiais militares na avenida Alberto Craveiro, próximo ao estádio Castelão, em junho de 2013(Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Confronto entre manifestantes e policiais militares na avenida Alberto Craveiro, próximo ao estádio Castelão, em junho de 2013

“Não adianta comprar uma televisão nova e, no Serviluz, com a lama no meio da canela”, conta, “o governo ameaçava de remover para fazer um projeto de interesse mercadológico, como o estaleiro em 2010” – Cid acabaria recuando da iniciativa, sob críticas da oposição.

Para ele, foi essa “intervenção estatal violenta para atender interesses mercadológicos contra a população da cidade” que operou como combustível para 2013 entre fortalezenses.

Essa visão encontra guarida na obra “A razão dos centavos – crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013” (Cia das Letras), volume caudaloso do urbanista e ensaísta Roberto Andrés recém-publicado.

Nele, o pesquisador analisa as variáveis diversas que redundaram em junho. Desse novelo, Andrés destaca as dimensões urbanas da irrupção popular, cujo ponto deflagrador seriam os tais vinte centavos a mais de aumento da passagem de ônibus em São Paulo, mas que refletiam todo um sentimento represado em relação à qualidade de vida nas cidades que remontava a décadas de precarização da vida.

Policial em confronto com  manifestantes em Fortaleza, em junho de 2013(Foto: O POVO.DOC)
Foto: O POVO.DOC Policial em confronto com manifestantes em Fortaleza, em junho de 2013

Professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Helena Martins avalia que “2013 marca uma mudança na forma de fazer política e na sociabilidade brasileira”, que se relaciona a um conjunto de demandas não atendidas nas três esferas de governo – Federal, estaduais e municipais.

“A gente teve ao longo do ano uma efervescência social muito grande”, repassa a pesquisadora, citando “protestos e diversas greves e outras manifestações, como a do Cocó”.

“Foi um ano que significou mesmo uma disputa política grande”, aponta Martins, que, naquele junho, estava baseada em Brasília, onde autuava como pesquisadora e mobilizadora durante os atos na capital federal.

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De acordo com ela, “junho de 2013 significou uma leitura à esquerda da sociedade”, uma vez que as críticas que estavam na origem dos protestos, a seu ver, eram “à forma do sistema político e ao direcionamento de recursos para inciativa privada”.

“A crítica era ‘eu quero uma saúde padrão Fifa’”, indica como exemplo, ecoando slogan que se tornou frequente nos cartazes dos eventos convocados – além da saúde, reivindicavam-se também uma educação e uma habitação “padrão Fifa”.

Nesse sentido, as manifestações amplificaram uma agenda de movimentos com bandeiras populares variadas, que incluíam “debate sobre desmilitarização por conta da violência que se presenciou em diversas cidades”, até uma “crítica à mídia tradicional com a emergência de outras formas de comunicação, especialmente pela internet, como a Mídia Ninja”.

 

 

“A origem da extrema-direita não está nas ruas de 2013, está dentro dos estádios”

Ativista popular e advogado, Igor Moreira rejeita a tese segundo a qual o autoritarismo que resultou na eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 teria raízes nas manifestações de junho de 2013.

“É uma análise totalmente enviesada, uma versão politicamente interessada, o que se chama de narrativa, por um campo político da esquerda institucional que ficou em maus bocados e não soube reagir”, responde.

Conforme Moreira, “a origem da extrema-direita que foi pra rua a partir do impeachment da Dilma não está nas ruas de 2013, está dentro dos estádios”.

“A massa predominantemente branca, de camisa amarela, mandando a Dilma ‘tomar no cu’ não estava nas ruas em 2013”, argumenta. 

A ex-presidente Dilma Rouseff é retratada no documentário "Fábrica de Golpes"(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação A ex-presidente Dilma Rouseff é retratada no documentário "Fábrica de Golpes"

Ainda de acordo com o advogado, os movimentos que protestaram dez anos atrás mantiveram uma posição contrária ao Estado, “no sentido das intervenções que o Estado fazia na vida social das grandes cidades”.

“Já os de 2015 em diante”, continua, “é para tomar o poder do Estado para influenciar a política, com apoio dos atores que nós estávamos combatendo em 2013”.

À pergunta sobre se há relação entre junho/13 e 2023 (ou entre 2013 e 2015, ano de atos contra a então presidente Dilma Rousseff), Moreira diz que basta observar como a Polícia Militar se comportou para entender a diferença entre os dois momentos.

“Veja como a PM reagiu a 2013 e como reagiu a 2015, como a Globo reagiu a 2013 e reagiu a 2015.

Veja os métodos de 2013 e 2015, a estética, as fotos, a linguagem, o perfil sócio-geracional. Tinha muita periferia em 2013. Pegue os dados dos detidos e de quem era preso de 2013. Não acho que a extrema-direita nasceu em 2013, nasceu dos estádios de futebol”, reafirma.

 

 

“Nós fomos utilizados para outros fins”, avalia manifestante dez anos depois

Gabriel Bonadies, que coordenou reunião do junho de 2013 em Fortaleza com governador e prefeito(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Gabriel Bonadies, que coordenou reunião do junho de 2013 em Fortaleza com governador e prefeito

Era uma sexta-feira, 21 de junho de 2013. Numa sala da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), reuniam-se o governador Cid Gomes, o prefeito Roberto Cláudio e o deputado estadual Zezinho Albuquerque, todos à mesa com um grupo de sete manifestantes.

Entre eles, estava o hoje publicitário Gabriel Bonadies. Paulista radicado no Ceará desde 2004, havia ido às ruas dez anos atrás contra a precariedade dos serviços urbanos. Acabou numa sala discutindo a pauta do movimento com a cúpula do poder no estado.

“Quando houve a manifestação na Praça Portugal”, conta Bonadies, “estávamos descendo a (avenida) Desembargador Moreira e passamos na frente do Hospital Militar”.

Assembleia dos manifestantes próximo ao Legislativo estadual(Foto: - Mauri Melo/O POVO 23-6-2013)
Foto: - Mauri Melo/O POVO 23-6-2013 Assembleia dos manifestantes próximo ao Legislativo estadual

Nesse momento, ele diz, “as pessoas estavam fazendo barulho, então eu fui para a calçada e fiquei na frente fazendo sinal para que os manifestantes ficassem em silêncio, em respeito ao hospital”.

“Por conta disso um dos policiais me identificou como líder. E, no final do protesto, quando a gente chegou na frente da Assembleia, ele veio, me chamou e disse: ‘o Zezinho quer conversar com você’”.

Zezinho era então presidente da Alece. Minutos depois, estavam acomodados ao lado de Cid e RC, que os receberam para uma rodada de negociação, fazendo o que todos os gestores públicos sob pressão haviam feito naqueles dias: tentar abrir canais de diálogo.

No caso de Fortaleza, o encontro, conforme Bonadies, resultou numa espécie de acordo para que os manifestantes retornassem com uma pauta definida. E assim fizeram.

Cid Gomes, então governador do Ceará, com Rosa da Fonseca, no acampamento dos manifestantes que protestavam contra a construção do viaduto do Cocó, na avenida Engenheiro Santana Jr, movimento que veio na sequência dos protestos de junho(Foto: Fco Fontenele)
Foto: Fco Fontenele Cid Gomes, então governador do Ceará, com Rosa da Fonseca, no acampamento dos manifestantes que protestavam contra a construção do viaduto do Cocó, na avenida Engenheiro Santana Jr, movimento que veio na sequência dos protestos de junho

“Eles (Cid, RC e Zezinho, além de Ivo Gomes) foram bastante respeitosos, nos deixaram falar, não houve arrogância. Existiam outros manifestantes, eu não conhecia ninguém. Alguns estavam envolvidos politicamente. Estava o Gustavo Mineiro, que era do Psol”, relembra – Mineiro teria participação também na manifestação do Cocó.

“Eu levei uma pauta com reivindicações para os manifestantes. Quando falaram que ia ter essa conversa com o governador, meu Facebook virou uma loucura. Muita gente mandou mensagem, peguei representação de classes, de pessoas com deficiência, de sindicatos de professores, de enfermagem, ONGs, e aí levamos. Eles ouviram”, narra Bonadies.

Seguiu-se novo encontro com Cid e RC. “Um dos pontos que o Cid falou na época foi: vocês estão trazendo pautas importantes, mas ainda é pouco, vocês podem trazer mais”, fala Bonadies, acrescentando que, a partir dali, o caldo começaria a entornar.

“Chegamos a um acordo de conversar e fechar uma pauta e trazer noutro momento. Esse foi o combinado, o acertado. E, por ter sido feito esse acordo, só a palavra (acordo) já fez com que parte dos manifestantes me atacasse”, declara.

Entre os ataques, “entraram no Facebook e descobriram onde eu morava, quem era minha namorada, pegaram fotos minhas, me ameaçaram de morte. Só pela palavra acordo, e não houve acordo de nada”.

Protestos de Junho de 2013 em frente ao Dragão do Mar(Foto: Fábio Lima)
Foto: Fábio Lima Protestos de Junho de 2013 em frente ao Dragão do Mar

Dias depois, nova agenda dos manifestantes. “Numa assembleia na Praça Verde (Dragão do Mar), tentamos organizar. Teve gente que jogou garrafa de plástico em mim, disse que eu trabalhava para o Cid, que eu parecia o Cid e era da família dele. Meu sobrenome é Bonadies, eu sou de São Paulo. Eu nem sou daqui, sou cearense de coração, mas eu moro aqui desde 2004, não tem como ser filho do Cid. Eu nunca nem fui pra Sobral, a não ser a trabalho”, lamenta o quase-cearense.

“Eu não me intitulei lider, só me colocaram ali”, complementa.

Hoje, quando questionado sobre 2013, o publicitário admite sentir “uma tristeza grande pelo que poderia ter sido e não foi”.

“Dez anos depois, a gente não sabe as decorrências do que aquilo gerou. Algumas coisas boas aconteceram, mas, na minha visão, outras coisas ruins também”, analisa.

Mesmo frustrado com junho, ele ainda chegou a participar das manifestações contra a construção dos viadutos do Cocó. Lá, no enfrentamento com a polícia, levou um tiro de bala de borracha na perna. Precisou andar de bengala por alguns meses.

 

 

Pontos de vista

Impacto dos megaeventos

Valéria Pinheiro*

As jornadas de junho foram parte culminante de um processo de mobilização que, para nós, que atuávamos nos comitês populares da Copa, vínhamos nos movimentando desde 2009. Foram, assim, parte da luta contra os impactos negativos dos megaeventos, que, diga-se de passagem, seguem até hoje. Basta olhar o abandono e a violência estatal a que são submetidas as comunidades atingidas pelo VLT, desde então.

Valéria Pinheiro, diretora-presidente da Ser Ponte e membro da Frente de Luta por Moradia Digna(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Valéria Pinheiro, diretora-presidente da Ser Ponte e membro da Frente de Luta por Moradia Digna

Os comitês se organizavam nacionalmente, na rede nacional dos comitês populares da Copa, a Ancop, que, além de atos de rua, promoveu diversas ações de formação, pesquisa, denúncias, articulação política e organização popular. A chegada da Copa das Confederações, como evento-teste, deu a concretude tanto do poderio econômico e político envolvido na Copa da Fifa - diante das imensas violações de direitos que acompanhamos, sob o falso pretexto de um evento esportivo mundial - como das possibilidades de mobilização da luta popular.

Algumas pessoas fazem conexões diretas da responsabilidade das jornadas de junho com o atual recrudescimento da extrema-direita no poder. Acho uma leitura equivocada, irresponsável, desconectada da realidade. Nos anos que se seguiram a 2013, pensei, falei, debati muitas vezes sobre as reverberações daquele momento histórico. Mas o que vivenciamos, nos últimos anos no Brasil - governo fascista, parte relevante da população apoiando o que de pior um ser humano pode fazer, pandemia... - atravessou nosso entendimento sobre as mobilizações de 2013/2014.

O gigante que acordou naquela época era, sem dúvida, um monstro. Manipulado e manipulador. Mas as jornadas de junho não se trataram apenas daquilo: de afetos mobilizados para um patriotismo fake, que não defendia o país e sim privilégios. As jornadas de junho proporcionaram a visibilidade e a reverberação de pautas no campo da justiça e dos direitos humanos, antes segmentadas, da luta ambiental, da mobilidade urbana, da transparência nos gastos públicos, da violência policial etc. E isso assustou as elites e a classe média.

Que aproveitaram a horizontalidade, a ausência de lideranças, de organização centralizada e de massa popular consciente para fazer valer suas narrativas. Com estratégia, planejamento, investimento de muito dinheiro, conseguiram subverter a potência das ruas e das redes e, com o apoio do Governo Federal à época, em nome dos interesses da Fifa e dos grandes capitais envolvidos no megaevento, violentar, sufocar, perseguir e desmobilizar quem realmente estava no enfrentamento por um país mais justo, democrático e sustentável. Afinal, a favela nunca dormiu.

Valéria Pinheiro, diretora-presidente da Ser Ponte e membro da Frente de Luta por Moradia Digna

 


Ponto de vista

Grito de uma população adormecida

Matheus Linard *

Quando eu olho para junho de 2013, com a cabeça que eu tinha em 2013, fui como o estudante de direito protestar contra a MP que tentava retirar do Ministério Público o poder de investigação. Hoje, 10 anos depois, eu percebo que foi o grito generalizado de uma população que estava adormecida desde o impeachment de Collor.

Matheus Linard, redator publicitário e líder do movimento União Juventude e Liberdade(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Matheus Linard, redator publicitário e líder do movimento União Juventude e Liberdade

As pessoas não sabiam muito bem por que estavam na rua, não existia uma pauta única, era tudo muito generalizado. Eu mesmo fui contra esse ataque ao MP e acabei participando de um cerco ao prefeito de Juazeiro à época, Raimundo Macêdo, quando o encurralamos no Banco do Brasil e ele ficou lá até de madrugada.

Me parece que diversos grupos de interesse canalizaram os atos de São Paulo e Rio de Janeiro para a sua própria agenda. E ali não tinha gente só de esquerda, de direita, de centro, os “nem-nem”. Ali estavam brasileiros cansados de tudo o que vinha acontecendo no país e que resolveram ecoar um grito de basta que se fez ouvir no mundo inteiro.

Eu acredito que junho de 2013 foi um divisor de águas na consciência política do brasileiro. Se não fossem os atos, o PT teria ganhado de lavada do PSDB como sempre fez, mas Aécio obteve uma votação muito mais expressiva que seus outros dois colegas de partido e por pouco não se elegeu presidente.
As descobertas da Lava Jato, a governabilidade do PT financiada por esquemas de corrupção amplamente divulgados, a volta das pessoas pra rua contra Dilma Rousseff e tudo o que o PT representava, tudo isso foi crucial para amadurecermos politicamente.

Não podemos esquecer que a Lava Jato também sepultou as pretensões presidenciais de Aécio Neves, envolto nos escândalos de corrupção para garantir a governabilidade dos governos petistas.

"Parece que o despertar da consciência política que junho de 2013 trouxe ficou restrito ao âmbito do Governo Federal"

Me chama a atenção a forma como criamos e destruímos nossos heróis de forma tão célere. Eu não consigo creditar a eleição improvável de Bolsonaro a junho de 2013, e sou amparado por dados aqui. Um levantamento da XP mostrou que 37% dos eleitores de Bolsonaro em 2018 votaram nele não por messianismo, mas por enxergar nele a resposta para o problema da segurança pública que foi elencado pela população como o maior problema do país. E, claro, houve utilização de metadados direcionados a grupos específicos e toda a rede que se montou para suprir a capilaridade de partidos e mídia, que Bolsonaro não tinha ao seu lado.

Já o retorno de Lula, preso como pária e a volta como o único capaz de salvar a democracia e as instituições, tem tudo a ver com junho de 2013 e com a nossa facilidade de destruir nossos heróis e recriá-los.

Em Juazeiro, absolutamente nada mudou. As pessoas continuam votando por cargo, dinheiro, vantagens. Parece que o despertar da consciência política que junho de 2013 trouxe ficou restrito ao âmbito do Governo Federal.

Matheus Linard, redator publicitário e líder do movimento União Juventude e Liberdade

 


Ponto de vista

Relato do meio do conflito

Fábio Lima*

Junho de 2013. Os protestos começaram em São Paulo por conta de 0,20 centavos (tarifa de ônibus) e acabaram custando muito mais caro. Logo o movimento, que era pontual, acabou se espalhando pelo país.

Fabio Lima, repórter fotográfico(Foto: Deísa Garcêz/Especial para O POVO)
Foto: Deísa Garcêz/Especial para O POVO Fabio Lima, repórter fotográfico

Em quase toda grande capital se viam os até então desconhecidos “black blocs” entrando em confronto com as forças policiais. Em Fortaleza não foi diferente, porém com um agravante: aqui acontecia a Copa das Confederações. Esse evento rapidamente tornou-se o alvo dos protestos.

Nessa época eu trabalhava no período da tarde. Quando cheguei na redação do jornal, fui enviado para o Castelão para render as equipes que lá estavam desde a manhã cobrindo os protestos. Ao chegar no local, tudo já está bem definido. De um lado, policiais faziam uma barreira em uma das avenidas que davam acesso ao estádio; do outro, os manifestantes com cartazes e gritos de ordem.

No meio disso tudo, torcedores desavisados tentando chegar ao Castelão para assistir aos jogos, alguns eram liberados para passar e faziam isso passando apressados e amedrontados, exibindo os ingressos com braços estendidos pra cima por um canto de um muro.

Tive a informação de que havia outra frente de protesto pelo outro lado da arena, mas não havia como passar. Resolvi então ficar por ali. Para todo repórter fotográfico que se preze, aquela era a pauta dos sonhos.

Tive que escolher um lado. Geralmente escolhemos o lado que nos oferece menos risco, porém, nesse dia, os ânimos estavam muito acirrados dos dois lados e nenhum lugar era seguro. Optei então em ficar do lado dos manifestantes (estaria ali com eles se não estivesse trabalhando), e em determinado momento os conflitos começaram.

"Cobri todos. Nunca tinha participado de uma manifestação tão intensa. Confesso que até senti falta do cheiro de gás quando junho acabou"

Uma chuva de bombas de gás e balas de borracha, respondida com pedras e paus arremessados. Os “black blocs” faziam a linha de frente, enquanto os demais manifestantes se afastavam, sufocados pelas bombas de efeito moral e gases lacrimogêneo atirados pela polícia.

Após horas de confronto, a polícia avança dispersando as pessoas que se aglomeravam em um morro que formava o viaduto da avenida Alberto Craveiro. Foi quando finalmente consegui passar e ter acesso ao estádio. De lá, pude ver grades derrubadas e muitas pedras pelo chão. Um grupo de policiais dispersava a outra frente do ataque, que se afastava pela avenida Paulino Rocha.

Os protestos continuaram por todo mês, estendendo-se a outros locais. Cobri todos. Nunca tinha participado de uma manifestação tão intensa. Confesso que até senti falta do cheiro de gás quando junho acabou.

Fábio Lima, fotógrafo do O POVO

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