Durante a etapa de contratação para a elaboração do projeto arquitetônico do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMac), cinco escritórios diferentes foram selecionados para enviarem seus projetos e, assim, ser realizada a escolha final do que seria o centro. À mesa, a maioria das opções eram propostas de edificações mais convencionais, como um prédio.
O arquiteto, cantor e compositor Fausto Nilo, na época, havia feito viagens ao exterior. Estava muito interessado por centros culturais que estavam sendo feitos em outros países. Em comum, os equipamentos traziam como programa para uma metrópole como Fortaleza um conjunto de edificações com geração de espaços onde as pessoas se encontravam e uma parte edificada, onde eram realizadas atividades.
Ele relata que havia o propósito de atrair pessoas com “expectativas bem diversificadas” e também ter um sistema de espaços e fluxos de maneira a provocar uma visita ao lugar “com uma disponibilidade criativa”.
No concurso para o CDMac, havia a informação de que o Governo do Estado tinha áreas próximas, mas não conectadas, como uma biblioteca pública e uma antiga secretaria que estava desativada, que hoje corresponde ao Cinema e ao Teatro do Dragão. Foi informado também que os autores teriam um grau de liberdade para exercitar e propor pequenas desapropriações.
“A situação que analisamos e aceitamos como desafio foi a de que poderia ter naquela área vários lugares da construção, mas isso precisaria de um conector, que é o papel daquela ponte. Esse conector também acabou sendo elemento de afirmação da imagem do edifício com sua singularidade”, afirma.
No fim, o projeto realizado há mais de três décadas por Fausto Nilo e Delberg Ponce de Leon foi o escolhido para se concretizar como o CDMac. Muitos anos depois da construção do centro, o arquiteto acredita que a população compreendeu o propósito do equipamento e conseguiu se afeiçoar ao espaço, ainda que Nilo sugira adaptações em alguns pontos da estrutura.
Em entrevista ao O POVO, ele relembra o período de desenvolvimento do projeto arquitetônico: “Nós consideramos a experiência de outros centros culturais. Como um centro cultural, não era justo fazermos um prédio americano ou inglês no Ceará, ao mesmo tempo que tínhamos muita cautela para não cair em algo folclórico. Anotamos problemas que precisamos resolver muito bem naquela época, como consumo de energia para aquela área”.
Ele explica: “Talvez as pessoas nem percebam isso, mas só há ares-condicionados nos cinemas e nos museus. Ou seja, aquela parte que você circula, que é a maioria do prédio, é natural. Obedecemos a missão da arquitetura harmonizada com climatologia”. Outro ponto da construção do prédio é a possibilidade de provocar “atividades não programadas”.
Exemplo disso é o espaço abaixo do Planetário Rubens de Azevedo, cuja forma proporcionou um “eco” no teto e atualmente é ocupado por diferentes pessoas que querem brincar com isso. “Queriam que fosse consertado aquele arco e eu convenci todo mundo que era melhor deixar, pois as pessoas iam brincar com aquilo”, relembra.
Com o tempo, foram vistos outros usos não programados, como no caso da Praça Verde, que inicialmente seria um playground de brinquedos “revolucionários” feitos por um designer renomado, mas que, no fim, acabou não dando certo. Depois, o local se tornou um ambiente para receber shows.
Hoje, Fausto Nilo sugeriria algumas adaptações - não muito volumosas, aliás. Ele relata ter sido chamado para elaborar, no fim do governo Camilo Santana, alguns desses complementos e diz já terem sido desenhados. Uma das modificações seria transformar a calçada da rua Almirante Jaceguai, com vista para a Praça Verde, em um espaço “muito rico de movimentação” para jovens.
“Poderia também ter lugares com jardins nos quais você senta e lá de cima observa os shows embaixo, em vez de continuar uma muralha”, indica. Outro espaço com alterações seria o local na Praça Almirante Saldanha onde hoje se encontram food trucks e no qual veículos costumam estacionar.
“Ali tem que ser bosque de alta qualidade, como era na antiguidade antes de existir o Dragão do Mar”, opina. Na Praça Verde, houve um estudo de construção de uma escola de teatro que ao mesmo tempo seria o palco. Um edifício com três pavimentos e que funcionaria “como elemento acústico para melhorar as condições dos shows”.
E quanto às vias urbanas que circundam o Dragão do Mar, o que pode ser feito? Fausto Nilo enfatiza que fechar as ruas é uma ideia que vai contra o princípio do projeto, pois o Dragão do Mar também é um pedaço da cidade. Ele também reforça que o que “é produzido de desagradável” não vem exatamente do centro cultural.
“Os planos diretores nunca deram muita importância para criar regras de uso e ocupação que protejam a cidade e ao mesmo tempo a apoiem naquilo que ela precisa ter naquela área. A chamada Praia de Iracema é uma das áreas mais privilegiadas de história de Fortaleza e de paisagem, mas faz séculos que não se discute isso. Um lugar que é cheio de repartições públicas, o que você espera à noite no espaço? Não tem ninguém morando. Quando fizemos o projeto, registramos que isso era necessário e nunca foi feito”, pontua.
Como também afirma o arquiteto, “quem dá segurança são as pessoas no espaço público, não a polícia”.
Ao relembrar o desenvolvimento do projeto do Dragão do Mar, Fausto Nilo pontuou como, ao longo do tempo, foram sendo observadas “atividades não programadas” no complexo. Isso ocorreu a partir de apropriações e entendimentos do público quanto aos espaços do centro cultural.
Mas, se houve ideias não programadas, é possível dizer que o CDMac passou também pelo inverso, ou seja, não viu serem concretizados planos esboçados originalmente para o equipamento? Em outros termos: o Dragão do Mar conseguiu cumprir, em sua essência, tudo o que se propôs a realizar?
Para responder a esse questionamento, uma consulta a um de seus idealizadores se faz necessária. Quando o Dragão do Mar nasceu, ele estava ligado à experiência formativa que era desempenhada à época. Então secretário da Cultura do Ceará, Paulo Linhares tinha como pilares para o centro três aspectos fundamentais: “formação, criação e difusão”.
Olhando em retrospectiva, isso ocorreu na prática? Ele avalia que sim - e chama a atenção para a necessidade de compreender o Dragão do Mar “sempre como uma instituição”, e não “apenas” como um equipamento. “Eu não gosto desse tratamento de equipamento. Acho que ele se constrói e se firma como instituição. Essa é uma compreensão conceitual muito mais complexa sobre seu papel”, aponta em entrevista ao O POVO.
O jornalista, que foi presidente do Instituto Dragão do Mar (IDM) de 2012 a janeiro de 2021, afirma que se incomoda com a ideia do CDMac ser visto como uma estrutura separada, pois, em sua análise, ele faz parte de uma política de formação com o objetivo de que a população se tornasse ativa culturalmente e não “consumidores passivos da arte”.
Ele deseja que exista uma política permanente de formação. O discurso ganha mais força quando se lembra dos percalços desse pilar historicamente. Afinal, em 2003 foi encerrado o Instituto Dragão do Mar (nesse caso, não a OS; na época, era o nome do braço de formação que oferecia cursos de design, teatro e audiovisual).
A atuação formativa foi retomada a partir da gestão de Linhares no Instituto Dragão do Mar (agora, sim, a OS), com a construção do Porto Iracema das Artes, que oferece formação também direcionada a artistas iniciados. A necessidade de olhar para a formação se intensifica diante da desigualdade social do Ceará.
“É impossível pensar em Cultura no Estado se você não pensar em formação, em incentivo à criação e em democracia cultural. Como você vai incorporar a maior parcela da população a esse processo? Essa é uma questão”, contextualiza Paulo Linhares.
Para Linhares, a população precisa também ser vista como produtora e criadora no processo de formação. “Nunca pensei em política cultural como uma política de separar artistas da população”, afirma.
Outro objetivo alcançado pelo Dragão foi a diversidade de acesso ao seu espaço, segundo o sociólogo. Ele indica que o CDMAC se tornou um equipamento ao qual a população de Fortaleza associa a uma “memória democrática” do ponto de vista da diversidade de ocupação. “Essa é uma de suas riquezas”, destaca.
É inegável o potencial artístico e agregador do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A sua grandiosidade arquitetônica não o transformou em um “elefante branco”, como muitos poderiam imaginar nos primeiros anos de funcionamento. O complexo também é um dos cartões postais de Fortaleza e do Ceará, principalmente a estrutura do planetário e da ponte que serve como conector.
Mas é preciso um olhar mais cuidadoso sobre o papel do Dragão do Mar como impulsionador do turismo em terras cearenses. Afinal, o equipamento é bem trabalhado quanto a isso? “Não. Nunca foi”, responde Paulo Linhares. Em sua avaliação, Fortaleza “é uma cidade extremamente problemática do ponto de vista de fluxo turístico”, “esquecida” e “é muito pouco pensada do ponto de vista de política de turismo/cultura”.
O ex-presidente do IDM ressalta que o equipamento, em si, tem um fluxo turístico, mas a estrutura ao redor poderia ser melhor aproveitada. “Poderia ter um lugar que contasse a história da Cidade, do bairro, mas você vê que não temos uma política de turismo pensada para um turista mais exigente, que deseja conhecer mais a fundo a Cidade”, opina. Ele reforça que esse movimento deve ser liderado pelas políticas de turismo.
Procurada pelo O POVO para saber se há um plano permanente para destacar o Centro Cultural Dragão do Mar na rota de turismo da Capital, a Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) não respondeu ao questionamento até a publicação desta matéria.
O POVO também entrou em contato com a Secretaria do Turismo do Ceará e perguntou se existe tal plano permanente de destacar o CDMAC na rota de turismo do Estado. A secretária Yrwana Albuquerque respondeu que “os equipamentos culturais, históricos, dentre outros estão sempre presentes no roteiro sugerido para turistas dos polos emissores”.
Ela ressaltou a programação multicultural do Centro e afirmou que a partir de agosto agentes de viagens seriam capacitados para comercializar o destino e, dentre os atrativos, estaria inserido o CDMac.
Série especial traz um Raio X de espaços culturais e mapeia a situação de equipamentos do Estado