O prólogo de um futuro campeão mundial de Fórmula 1. É esse o sonho que o fã brasileiro deposita em Gabriel Bortoleto em sua temporada de estreia e nas que ainda virão na elite do automobilismo mundial.
Aos 20 anos (completa 21 em 14 de outubro de 2025), o jovem piloto busca suprir a lacuna deixada por grandes nomes do esporte no País, que não foi preenchida por seus sucessores. A última vez que o Brasil foi campeão da categoria foi no tricampeonato de Ayrton Senna, em 1991.
As expectativas voltadas a Bortoleto são oriundas dos resultados do osasquense durante sua formação. Entre 2023 e 2024, o piloto conquistou os títulos da
Com desempenho singular nas categorias de base, o brasileiro chegou à Fórmula 1 em 2025. Apesar da euforia inicial, especialistas pedem cautela. Para Pedro Henrique Marum, editor sênior do portal Grande Prêmio, o talento é inegável, mas o carro da Kick Sauber — equipe de Bortoleto — pode ser um fator limitante no primeiro ano.
“As expectativas para o Bortoleto, talvez para o fã médio de corrida ou o mais apaixonado das redes sociais, eram muito altas por ele ter vencido duas categorias difíceis em sequência. Mas, para quem acompanha de perto, já havia consciência de que esse início seria mais contido”, afirmou Pedro.
Desde 2010 na elite, a Sauber — considerada uma espécie de “equipe zumbi” — tornou o brasileiro piloto titular em meio a uma grande mudança. Em 2024, a construtora foi adquirida pela Audi. A partir da próxima temporada, a montadora teutônica assumirá oficialmente o comando, com Bortoleto e o alemão Niko Hülkenberg sendo mantidos como dupla de pilotos.
A trajetória de Bortoleto no automobilismo
Para quem voltou ou começou a acompanhar a F1 em 2025, o início de Gabriel pode ter sido frustrante. A combinação da inexperiência com um carro limitado manteve o paulista nas últimas posições até o nono GP do ano, em Barcelona (Espanha).
Era, inclusive, um desempenho inferior a outros estreantes na categoria, como Kimi Antonelli, da Mercedes, Oliver Bearman, da Haas e Isack Hadjar, da Racing Bulls.
Em território espanhol, a Audi implementou seu primeiro pacote de atualizações. Com isso, o
O salto real, porém, veio duas corridas depois, no GP da Áustria, quando o segundo pacote de atualizações da Audi tornou o carro competitivo. Foi justamente no circuito de Red Bull Ring, em Spielberg, que Bortoleto pontuou pela primeira vez, chegando em oitavo.
Desde então, foram três corridas: um abandono no circuito de Silverstone, em East Midlands (Inglaterra); sua segunda pontuação em Spa-Francorchamps (Bélgica), quando terminou em nono; e sua atual melhor posição na F1, conquistada no circuito de Hungaroring (Hungria), ao ultrapassar a linha de chegada em sexto.
“A maturidade de pilotagem é o que mais evoluiu até agora, além do conhecimento geral da Fórmula 1 […] A primeira parte do campeonato foi (de um nível) acima do esperado. A Sauber conseguiu melhorar o carro duas vezes, tanto em ritmo de corrida quanto em classificação, e os dois pilotos souberam aproveitar”, analisou Pedro.
“Acho que as expectativas eram baixas não por ele, mas pela realidade da situação; ele é o mesmo piloto talentoso, e essa primeira parte do campeonato já fez com que ele superasse”, concluiu.
Muito das expectativas sobre Bortoleto vem, também, da ausência de compatriotas titulares desde 2017, quando Felipe Massa se aposentou. Para a jornalista Julianne Cerasoli, especializada em F1 e que já cobriu mais de 180 Grandes Prêmios (GPs), a lacuna se deveu a mudanças estratégicas e também a fatores econômicos.
“Demorou para os brasileiros entenderem que o caminho que o próprio Massa trilhou não era mais o ideal nas categorias de base. O automobilismo tinha mudado, era importante já ir para a Europa na época do kart, fazer nome lá. Ao mesmo tempo, no Brasil, houve uma queda forte do valor do real, os patrocínios ficaram mais difíceis, então mesmo quem viu essa mudança de cenário teve dificuldade para conseguir levar à Europa um pacote”, explicou.
Os pilotos brasileiros na Fórmula 1
Em 2020, após a saída de Massa, Pietro Fittipaldi, neto do bicampeão mundial Emerson Fittipaldi, chegou a disputar os dois últimos GPs da temporada. Porém, na ocasião, substituía o francês Romain Grosjean, que deixou a categoria após um grave acidente no Bahrein. Essa foi, de fato, a última participação de um brasileiro na F1 até esta temporada.
Essa seca aumentou a carga simbólica em torno do jovem paulista, que já é comparado a grandes nomes do passado. Em entrevista ao portal UOL, em 26 de agosto de 2025, o chefe de equipe da Sauber, Jonathan Wheatley — que já trabalhou com campeões mundiais como Michael Schumacher, Fernando Alonso, Sebastian Vettel e Max Verstappen — afirmou que Bortoleto o faz lembrar de seu herói: Ayrton Senna.
“Ele tem uma paixão. Ele tem uma paixão que me lembra de outro piloto brasileiro que foi meu herói”, disse Wheatley ao UOL.
Julianne também destaca a ética de trabalho do jovem piloto e a capacidade de mobilizar pessoas, traço que associa a Senna. Ainda assim, ela pondera: “É muito cedo para dizer, as coisas mudam muito rápido na F1.
Vimos até campeões mundiais, como o Vettel ou o Hamilton, sofrerem com mudanças de regras e perderem muito rendimento. Ele está aprendendo com os erros, está crescendo, tem um tipo de atitude que é bem vista no
Dono de oito títulos mundiais, sendo dois com Emerson Fittipaldi (1972 e 1974), e três com Nelson Piquet (1981, 1983 e 1987) e Ayrton Senna (1988, 1990 e 1991), o Brasil ficou anos sem protagonistas na Fórmula 1. O cenário atual, porém, inspira otimismo. E não somente pelo talento de Gabriel Bortoleto.
No dia 3 de agosto de 2025, o pernambucano Rafael Câmara — integrante da
“O Rafael é um bom prospecto, um talento muito promissor. E ele é, inegavelmente, o primeiro brasileiro da fila para a F1, pensando nesses que estão em categorias satélites”, avaliou o comentarista Pedro Henrique Marum.
Outro nome que surge como potencial candidato à Fórmula 1 é Felipe Drugovich. Campeão da Fórmula 2 em 2022, o paranaense assumiu, em 2023, o posto de piloto reserva e de testes da Aston Martin. Apesar de bastante elogiado no paddock, sua experiência na categoria se limitou a algumas sessões de treinos livres e atividades de pré-temporada, sem nunca ter disputado uma corrida oficial.
Além dos dois citados, que já vislumbram a F1 com um olhar menos distante. Outro ponto que fortalece essa nova geração é a Fórmula 4 Brasil, criada em 2022 pela Vicar. Ela permite que pilotos se desenvolvam em território nacional com carros e regulamento idênticos aos da versão europeia, reduzindo custos e acelerando o processo de formação.
“A Fórmula 4 Brasil faz com que os pilotos daqui cheguem mais bem preparados na Europa. O jovem, muitas vezes menor de idade, não precisa se mudar para fora — como o Bortoleto fez. Ele continua morando no Brasil, estudando, vivendo normalmente, enquanto se prepara. Então está bem mais acessível do que foi o caminho do Bortoleto”, explicou Lutianne Dantas, presidente da Federação Cearense de Automobilismo (FCA).
Criada pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) em 2014, na Itália, a categoria já foi adotada por diversos países como a ponte natural entre o kart e os
“Acho que seria muito mais difícil chegar à F1 sem a Fórmula 4 brasileira nesse momento, porque a gente já teria que começar investindo numa F4 lá fora, o que seria mais caro e complicado. Então, acho que a Fórmula 4, hoje, é fundamental para esse caminho até a Fórmula 1”, afirmou o piloto de 16 anos.
>> Ponto de vista
Por Júlia Duarte*
Fazia um tempo que o brasileiro andava meio desgostoso da Fórmula 1. Não falo dos amantes de carteirinha, os assíduos que lotam Interlagos todos os anos, quase sempre debaixo de chuva. Falo dos brasileiros em geral, os apaixonados por qualquer outro esporte: futebol, vôlei, tênis..., pense qualquer outra modalidade. A falta de brasileiros no grid da categoria aumento a lacuna que, naturalmente, a Fórmula 1 já proporciona.
O esporte tem muitas regras, detalhes, pequenos acertos com grandes impactos. Milésimos de segundos entre o primeiro e o segundo lugar, um centímetro para fora do traçado que custa caro, essa ultrapassagem foi permitida?
Os domingos sem Ayrton Senna e os sete anos que separaram Felipe Massa, último brasileiro em uma temporada completa na F1, e, agora, Gabriel Bortoleto, esfriaram uma relação que já foi tão passional. Temos 8 títulos, 33 pilotos que já passaram pela categoria, centenas de pódios e vitórias somadas.
Mas se existe uma premissa neste país é que: brasileiro ama torcer por outros brasileiros. Se já amam torcer, imagina vendo o verde e o amarelo junto do competidor. Quem não torceu pela Raissa Leal nas Olimpíadas em 2020, mesmo não sabendo nem como a modalidade funcionava?
"Com o carro atual, é difícil vislumbrar uma disputa pelas primeiras posições, mas talvez seja hora de lembrar da brasilidade de simplesmente torcer"
E um estádio inteiro vibrando quando Thiago Braz conquistou a medalha de ouro no salto com vara na Rio 2016? Os segundos antes das notas de Rebeca Andrade na ginástica? A gente ama torcer, não tem como negar.
Bortoleto na categoria é uma oportunidade. Quem acompanha o esporte já tem sua cadeira reservada. Mas a presença dele, na verdade, pode ser um convite para quem, na sala de casa, em uma clínica ou na vendinha da rua se pergunte quem é aquele Gabriel, nome tão comum no Brasil, ali pilotando na televisão?
O que ele precisa fazer para ganhar? Uma oportunidade para que o barulho de motor volte a preencher as manhãs dos domingos, quem sabe até o hino tocando em meio à chuva de champanhe? Com o carro atual, é difícil vislumbrar uma disputa pelas primeiras posições, mas talvez seja hora de lembrar da brasilidade de simplesmente torcer.
Júlia Duarte é editora-adjunta de Política e colunista de automobilismo do O POVO
>> Quer ler mais sobre Fórmula 1, acesse a coluna da jornalista Júlia Duarte
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