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Violência política contra mulher cresce, mas Ceará não tem dados
Reportagem Seriada

Violência política contra mulher cresce, mas Ceará não tem dados

De agressões no parlamento a fraude nas cotas de gênero, a violência política contra a mulher no Ceará e no Brasil é corriqueira, mas obscuro e negligenciado. Falta de denúncias tem um motivo: medo dos agressores

Violência política contra mulher cresce, mas Ceará não tem dados

De agressões no parlamento a fraude nas cotas de gênero, a violência política contra a mulher no Ceará e no Brasil é corriqueira, mas obscuro e negligenciado. Falta de denúncias tem um motivo: medo dos agressores
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O número de candidatas cearenses em 2022 aumentou 4% em relação a 2018, e os episódios de violência política contra elas se tornaram mais visíveis. Embora haja a percepção desse crescimento por quem sofre e quem trabalha com o assunto, o cenário não é medido em números, em função da falta de formalização dessas denúncias.

O POVO questionou a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) do Estado, que respondeu: "Informo que não houve nenhum registro de ocorrências na lei 14.192 no Sistema de Informação Policial (SIP) da polícia civil do Ceará" de 2020 a janeiro de 2023".

 

Os números estão longe de um cenários real da violência de gênero contra a mulher na política(Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS Os números estão longe de um cenários real da violência de gênero contra a mulher na política

Uma cartilha publicada pelo Ministério Público Federal (MPF) durante as eleições de 2022 classifica a violência política de gênero como "toda ação, conduta ou omissão que busca impedir, dificultar ou restringir os direitos políticos das mulheres – cis ou trans – em virtude de seu gênero. Inclui qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos e das liberdades políticas fundamentais."

O texto fala ainda de atos que "tentam excluir a mulher do espaço político, dificultar o exercício de funções públicas, restringir o exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade ou que lhe são prejudiciais", com essas agressões podendo ser de natureza física, moral, psicológica, econômica, simbólica ou sexual.

Em 2021, o Brasil aprovou uma lei que aborda sobre esse tipo de violência. A Lei 14.192 “estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher”. Mesmo recente, a lei não define políticas de prevenção, nem tipifica as formas de violência para além da difamação e notícias falsas. Sendo assim, as mulheres podem sofrer violência como candidatas, após eleitas e durante o mandato.

 

 

Violência nas plataformas digitais

Pesquisa analisou mais de 1,5 mil mensagens publicadas no Twitter, Facebook, Instagram e Youtube, entre julho e dezembro de 2021 relacionadas a mulheres parlamentares brasileiras. O Mapa da Violência Política de Gênero em Plataformas Digitais identificou que 9% dessas mensagens continham traços de violência discursiva contra essas deputadas federais e senadoras.

Foram observadas menções a 79 deputadas federais e a 12 senadoras da 56ª legislatura (2019 a 2023). O estudo foi produzido pelo Laboratório de Combate à Desinformação e ao Discurso de Ódio em Sistemas de Comunicação em Rede (DDoS Lab), da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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Twitter é a plataforma com mais conteúdos ofensivos às parlamentares brasileiras

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Alguns casos recentes no Ceará

Renata Almeida, filiada ao MDB, foi uma das mulheres que sofreu com a invalidação da população cearense e violência política ao divulgar que concorreria ao governo do Ceará como vice-governadora de Elmano de Freitas (PT). Após ser anunciada para a candidatura, Renata recebeu tantas críticas e ameaças de pessoas que não aceitaram a escolha que decidiu renunciar à candidatura.

“Diante da série de ataques que eu tenho recebido nas redes sociais desde o momento em que meu nome foi anunciado como pré-candidata ao Governo, muitas fake news, que atingem duramente minha honra e de minha família, resolvo renunciar à minha candidatura”, escreveu Renata em suas redes sociais em agosto do ano passado.

Após a desistência de Renata, a também filiada ao MDB Jade Romero, outra mulher, foi a vice na chapa de Elmano que acabou sendo eleita. Porém, segundo estudos, a violência política de gênero se caracteriza justamente por estes esforços constantes para manter o status de destruir ou depreciar a imagem política da mulher.

Renata Almeida foi anunciada por Elmano e Camilo como vice na chapa ao governo nas eleições de 2022(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Renata Almeida foi anunciada por Elmano e Camilo como vice na chapa ao governo nas eleições de 2022

O caso de Renata não é incomum. A maioria das mulheres vítimas de violência política não denunciam as agressões. Mas o que se percebe é que a maioria dos casos são com vereadoras, vítimas de cidades pequenas no interior do Ceará. Os casos acontecem especialmente com vereadoras de municípios pequenos, onde até os próprios colegas de Câmara são os autores de agressões direcionadas à elas.

O caso mais recente ocorreu em Santa Quitéria, onde o vereador Eliandro Mesquita (PSB) utilizou a tribuna da Câmara Municipal, município cearense a 282,4 km de Fortaleza, para proferir um discurso machista contra a oponente política, a ex-vereadora Sônia Paiva (MDB).

Na ocasião, o parlamentar ofendeu Sônia declarando que seria bom que ela “estivesse com o pirulito do prefeito na boca”, pois, dessa forma “não falaria besteira”.

Também há casos em que a própria prefeita da cidade é a vítima. Em abril de 2022, o vereador Francisco Hernandes (PSD) de Beberibe chamou atenção nas redes sociais por levar uma sandália para a tribuna e afirmar que Michele Queiroz, prefeita do município, merecia apanhar. No vídeo, Hernandes incentiva a população a agredi-la assim que for possível.

"Vou lhe lembrar aqui que quando as pessoas mentiam para os pais, os pais corrigiam; pegavam uma chinela e dava na bunda, prefeita. Isso aqui (batendo o objeto na mão) é para gente mentirosa. Você vai ter que levar umas palmadas da população", indicou. Em seguida, reforçou que a chefe do Executivo municipal teria que “apanhar para aprender".

Hoje a Procuradoria Especial é chefiada pela deputada estadual Lia Gomes (PDT).

 

Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa amplia atuação no Estado

Comparação entre 2020 e 2022 dos locais onde têm Procuradoria da Mulher no Ceará(Foto: Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa)
Foto: Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa Comparação entre 2020 e 2022 dos locais onde têm Procuradoria da Mulher no Ceará

 

 

Fraude à cota de gênero também é violência política

Do outro lado da pauta, há um crime que pouco é relacionado à violência política de gênero. A Lei 12.034, de 2009, alterou a conhecida Lei das Eleições, para adicionar o parágrafo: “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.

Mas essa lei não impediu partidos e coligações de burlar esse sistema nas eleições. Com as cotas, surgiram as candidaturas fictícias.

Roberta Laena(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Roberta Laena

Em 2020, foram abertas 60 Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) nesse sentido. Em 2022, apenas 8 investigações em relação a fraudes nas cotas de gênero foram iniciadas. Os municípios de Quixadá, Sobral, Maranguape, Capistrano e Senador Pompeu foram só alguns dos que tiveram casos de fraude a cotas de gênero durante as eleições de 2020.

Entre os dias 16 de junho de 2022 e 15 de fevereiro de 2023, a Ouvidoria da Mulher do TRE-CE recebeu 34 denúncias, entre elas 4 eram de violência política.

Ex-coordenadora da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral, Roberta Laena, afirma que os casos de fraudes nas cotas de gênero foram contabilizados pela primeira vez em 2021, ou seja, ainda existem poucos parâmetros para se ter dimensão dos crimes.

“A gente está, pela primeira vez, conseguindo comparar esse tipo de ação em dois pleitos. Nós não tínhamos essas denúncias anteriormente. É um assunto relativamente novo. Não tem esse comparativo com o passado. Então não tem ainda como dar essas respostas tão precisas porque agora que estamos começando a entender e a pesquisar esse tipo de violência. a julgar esse tipo de violência (...)”, explica.

Roberta Laena ainda destacou a diferença entre a quantidade de casos de fraudes entre 2020 e 2022. “É uma diferença entre as eleições municipais e as eleições gerais. Isso fica evidente e acredito que cada vez mais esses julgamentos vão impedir futuras fraudes, porque acho que os partidos políticos, a sociedade de um modo geral, vem compreendendo que esse tipo de atitude não pode mais ocorrer porque não está mais se admitindo e os tribunais estão caçando as chapas que fraudam a lei por esses motivos”, afirmou.

Raquel Machado, professora da Faculdade de Direito da UFC(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Raquel Machado, professora da Faculdade de Direito da UFC

A doutora em Direito Eleitoral e professora da UFC, Raquel Machado, seguiu as afirmações de Roberta e reiterou a importância de 2020 para a política na tentativa de diferenciar a violência política de gênero de outras formas de violência contra a mulher.

“As últimas eleições municipais foram um marco nessa tentativa. Eu acho que estão tendo uma consciência mundial para isso não só no Brasil. O Brasil na verdade está nesse aspecto. O mundo tem, digamos assim, acordado para esse tema”, disse.

A Comissão de Participação Feminina do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) lançou, em 2020, a campanha “Mulheres nos partidos políticos: por cotas reais”. Uma das ações dessa campanha é justamente o acompanhamento das Aijes sobre fraude à cota de gênero.

Em 30 de maio, numa das mais importantes decisões da história da Justiça Eleitoral do Ceará, a chapa de quatro deputados do Partido Liberal (PL) foi cassada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) por fraude à cota de gênero. 

 

 

Representatividade ínfima das mulheres nos governos estaduais

Nos governos estaduais, no país inteiro, menos de 15% dos candidatos foram mulheres em 2022, e o Ceará nem entra nessa porcentagem. A primeira governadora do Estado, Izolda Cela, assumiu porque era vice do governador eleito Camilo Santana, que se licenciou do cargo para concorrer ao Senado Federal e, depois de eleito, assumiu o Ministério da Educação.

As eleições de 2022 não tiveram nenhuma candidata feminina ao governo do Estado. Fato que se origina de longa briga entre os partidos PT e PDT para decidir se a então governadora do Ceará, Izolda Cela, ou o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, seria escolhido para disputar o Palácio da Abolição.

Izolda Cela preterida pelo PDT para disputar o cargo de governadora(Foto: Samuel Setubal-Especial para O POVO)
Foto: Samuel Setubal-Especial para O POVO Izolda Cela preterida pelo PDT para disputar o cargo de governadora

A própria Izolda Cela disse em suas redes sociais: “Meu partido PDT decidiu hoje, em reunião de diretório, que não terei o direito a concorrer à reeleição. Respeito a decisão. Seguirei firme, com força e coragem, honrando meu mandato e trabalhando muito pelo nosso Ceará. Sempre com respeito e verdade. A luta continua!”

Aliados de Roberto Cláudio, o indicado do PDT para concorrer ao cargo, dizem que ele foi escolhido por votação democrática e que é “o melhor candidato para o cargo”. Cerca de 84 pessoas tiveram direito de votar entre Izolda Cela e Roberto Claudio, dentre elas apenas 9 mulheres, contando com a então governadora.

A invisibilidade da violência política de gênero é evidenciada na falta de denúncia dos caso, casuada pelo medo(Foto: JANSEN LUCAS)
Foto: JANSEN LUCAS A invisibilidade da violência política de gênero é evidenciada na falta de denúncia dos caso, casuada pelo medo

O ex-governador e candidato eleito ao Senado Federal, Camilo Santana, comentou sobre o caso no Twitter: “Lamento muito que a primeira mulher governadora do Ceará não poderá concorrer à reeleição, após decisão do PDT. Siga firme, Izolda! O Ceará tem muito orgulho de sua força e determinação.”

A ex-prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT), também manifestou solidariedade a Izolda e considerou o acontecimento como violência política de gênero. "Minha solidariedade a Izolda Cela, a primeira governadora do Ceará, que teve seu direito à reeleição impedido pela violência política de gênero", publicou Luizianne nas redes sociais.

Em nível nacional, o debate presidencial ocorrido no dia 28 de agosto de 2022, na Band, teve como foco a misoginia política após o presidente Jair Bolsonaro (PL) se irritar com um questionamento da jornalista Vera Magalhães, criticando-a e a chamando de “vergonha do jornalismo brasileiro”.

Após este momento, a candidata Simone Tebet criticou as ações do presidente e ainda disse que ela própria já sofreu violência política por ser mulher nos ambientes políticos.

Ainda no debate, repercutiu o modo como candidatos homens ignoravam as mulheres candidatas, se dirigindo a elas apenas em certos momentos, quando foi citado o tema feminismo e misoginia. Durante a maior parte do tempo, as candidatas mulheres debateram entre si. 

 

 

Pouca representatividade, mas lideranças expressivas

O Ceará em 2022 teve 354 candidaturas femininas para as eleições gerais, cerca de 35% do total de candidaturas no Estado. Destas candidatas, 15 se elegeram, 21% do total de eleitos cearenses, que foram 75.

Mesmo com os espaços reduzidos, há um histórico de lideranças políticas femininas  destacadas, aponta a cientista política Lídia Freitas, especialista em marketing político e em liderança política para mulheres.

Deputada Luizianne Lins (PT)(Foto: Rodrigo Carvalho, em 7/4/2019)
Foto: Rodrigo Carvalho, em 7/4/2019 Deputada Luizianne Lins (PT)

"A gente pode colocar aí Luizianne Lins, Patrícia Saboya, e mais recentemente, a professora Izolda Cela, em uma posição bem estratégica. A gente tem a senadora que assumiu, a Augusta Brito, dentre outras mulheres que estão no parlamento cearense. A própria vice-governadora (Jade Romero, do MDB)”, lista a cientista política.

Lídia continua ressaltando que os espaços ocupados por essas mulheres vêm mudando a política cearense. “Nesse momento, tem uma série de mulheres em espaços estratégicos de poder e de grande visibilidade. E aí é que está a mudança importante. Elas não são apresentadas como continuidade dos homens que estavam naquele cargo. Elas são apresentadas como parceiras dele no exercício daqueles cargos”, explica.

Porém, mesmo com nomes cearenses importantes até para a política nacional, as mulheres ainda sofrem com sub-representação nos espaços de poder.

Em 2020, 14 municípios cearenses não elegeram nenhuma vereadora. No Estado, entre 2.192 candidatos eleitos para a câmaras municipais, estavam 409 mulheres, 19% do total dos eleitos. A Câmara de Fortaleza formou a maior bancada de vereadoras nas eleições municipais passadas. De 43 vereadores eleitos, 8 foram mulheres, 18,6% dos lugares.

O pleito de 2022 no Ceará teve, para vice-governador, uma candidata entre seis postulantes. E duas candidatas ao Senado Federal entre cinco.

 

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Obstáculos a outras representatividades

Mas, é necessário falar além da representatividade feminina. Nas eleições gerais de 2022, o Ceará recebeu 218 candidaturas de mulheres consideradas não-brancas. A socióloga Mariana Lacerda, fala sobre a falta de mulheres negras no Legislativo cearense e as hostilidades vividas por elas.

“Por ser uma dupla opressão que as mulheres negras sofrem, o racismo e o machismo, existe um grau de dificuldade maior para que essas mulheres se estabeleçam como candidatas. Hoje na Assembleia, nós não temos nenhuma deputada negra”, afirma Mariana.

“Isso mostra como o racismo e o machismo operam na vida dessas mulheres, inclusive impossibilitando que elas cheguem a cadeiras na Assembleia. E nós tivemos mais de nove candidatas negras a deputados estaduais nas últimas eleições”, ressalta.

Dayane do Capitão(Foto: Dvulgçaão)
Foto: Dvulgçaão Dayane do Capitão

Nas eleições de 2022, foram eleitas pelo Ceará uma mulher que se considera preta: a deputada federal Dayany do Capitão, do União Brasil. Há ainda duas deputadas estaduais que se declaram pardas: Jô Farias, do PT, e Luana Ribeiro, do Cidadania.

Apesar da presença ainda reduzida, há avanços na participação feminina, comenta a cientista política Lídia Freitas. “Eu acredito que essa representatividade vem aumentando de forma considerável. Vem aumentando significativamente, gradualmente e sem retrocessos. Isso é importante, muito mais importante da gente observar se é suficiente ou não. É interessante que a gente veja que é um movimento que já se estabeleceu. E ele continua a crescer de forma contínua”, afirma. 

 
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