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Quando a banca quebra: endividamento e dependência dos apostadores
Reportagem Seriada

Quando a banca quebra: endividamento e dependência dos apostadores

Quando o jogo vira vício. Rompimento de relações sociais e familiares, mentira, endividamento e incapacitação de algum aspecto da vida são sinais de alerta de que as apostas não fazem parte de um comportamento saudável
Episódio 4

Quando a banca quebra: endividamento e dependência dos apostadores

Quando o jogo vira vício. Rompimento de relações sociais e familiares, mentira, endividamento e incapacitação de algum aspecto da vida são sinais de alerta de que as apostas não fazem parte de um comportamento saudável
Episódio 4
Tipo Opinião Por

Parte recorrente da argumentação de quem é contra a liberação de apostas esportivas, e demais jogos, no País é apostar os riscos de suscitar e aumentar o índice de jogadores patológicos. Para o médico e professor do departamento de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos, a regulamentação e consequente facilitação do acesso aos jogos pode levar a um acréscimo do número de pessoas dependentes de jogos.

Dessa forma, ao se liberar o jogo, tornando-o legalizado, a tendência é que haja uma expansão da rede e, por conseguinte, aumentando o público potencial. “A rede capilarizada de bebida alcoólica, por exemplo, é exatamente pra quando a pessoa tiver o impulso de beber, ela, rapidamente, possa. Se ela tivesse que, sempre que tivesse vontade, pegar uma fila, o consumo seria menor, ela desistiria. Para o jogo, é o mesmo raciocínio”, indica. Assim, a disponibilidade de jogar na internet, com acesso nos celulares, na palma da mão, diminui os obstáculos para o apostador, o que acarreta em mais apostas.

 

 

“Uma das característica que mais marca o apostador é a impulsividade. O que os estudos mostram é que pacientes com transtorno do jogo têm um índice de impulsividade bem acentuado”, corrobora o médico psiquiatra Eduardo Bacelar. Ele aponta que, assim como o vício em álcool e em drogas ilícitas, o vício em apostas ativa os mesmos circuitos neuronais de recompensa. “É o mesmo mecanismo, com liberação de dopamina neste sistema, cada substância vai liberando dopamina em alguma quantidade, ativando esse sistema de uma forma, e a gente sabe, hoje, que o jogo, a aposta, ativa isso também”, aponta. Os especialistas indicam que há também vícios relacionados a jogo patológico que se aprofundam mutuamente, como o tabagismo e alcoolismo.

Fábio Gomes, Doutor em Psiquiatria e psicanalista(Foto: DEIVYSON TEIXEIRA)
Foto: DEIVYSON TEIXEIRA Fábio Gomes, Doutor em Psiquiatria e psicanalista

Para Gomes de Matos, não há um nível seguro para a atividade. “Todo mundo vai ficar dependente? Obviamente que não, mas o risco é que quanto maior o acesso, maior o risco de causar dependência”, defende. Já Bacelar pondera que o que vai determinar se pode ou não se tornar um comportamento não saudável são as características do indivíduo. Há um perfil mais suscetível transpor o limiar do jogo social para a adicção em apostas: o de homens jovens.

Pessoas com comorbidades; que fazem uso de substâncias; com impulsividade muito aguçada; com instabilidade emocional; com deficiência numa região de controle cerebral no córtex pré-frontal; quem tem um ambiente social pobre, de poucos amigos, de poucas atividades de lazer; e pessoas que tenham um histórico familiar relacionados a jogos e outros vícios completam o perfil de maior vulnerabilidade a desenvolver um transtorno compulsivo por jogos.

Quando o jogo passa a afetar as relações interpessoais e incapacitam algum aspecto da vida do indivíduo, já pode ser considerado um transtorno a ser tratado. Consultas psiquiátricas, terapia cognitiva-comportamental e até mesmo medicação para reposição de serotonina estão na base do tratamento.

O professor da UFC é taxativo quanto a liberação dos jogo. Conforme aponta, quanto maior o acesso, mais chances de as taxas de viciados aumentarem. Já Bacelar acredita que já há uma acessibilidade real aos jogos. “É uma realidade que tem sido observada cada mais, já atendi pacientes com dívidas de R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 300 mil de apostas”. Com isso, ele acredita que é preciso ter uma regulamentação rigorosa que seja capaz de minorar danos a saúde.

“É preciso estar muito atento ao custo social que isso vai representar. Se eu aumento a oferta e não trabalho a percepção de risco disso, com certeza eu aumento o consumo e as possibilidades de que indivíduos com alguma vulnerabilidade desenvolvam dependência Mas entendo que é um mercado que movimenta trilhões. Por isso, precisa ser regulamentado adequadamente, com cuidado, com limitação de faixa etária, restrições que barrem facilidades, para que não se torne um situação de saúde pública”, assevera.

Jogo responsável

Questionado sobre ações que estarão no dispositivo regulatório que visem minorar danos causados pela ampliação de índices de pessoas com vícios em apostas, o Ministério da Economia do Governo Federal afirmou que “todo o trabalho está sendo calcado em Jogo Responsável – que são as práticas internacionais para evitar isso”.

Como já ocorre com outras práticas de apostas já legalizadas no País, o programa de Jogo Responsável visa evitar que menores de 18 anos façam apostas e orientar sobre prevenção e tratamento aos danos relacionados com jogos.


No espaço da Caixa Econômica Federal sobre o assunto, o programa de Jogo Responsável, por exemplo, indica que o jogador responsável precisa estar ciente das probabilidades reais de ganhar e perder; apostar como divertimento e não como forma de afastar problemas; ter experiências em condições de baixo risco; não tentar recuperar perdas com novos jogos; não pedir dinheiro emprestado para jogar; não deixar que o jogo afete relações familiares e sociais, entre outros aspectos.

O programa também propõe um teste com perguntas para identificar que tipo de jogador você é, com perguntas como que tempo se gastou planejando investimentos em apostas, se já houve tentativas de reduzir ou controlar o jogos e se já mentiu para familiares e amigos sobre quanto se gastou em jogos. Ao responder sim a uma dessas questões ou informar ter menos de 18 anos, o apostador é encaminhado a contatos de onde procurar ajuda.

Onde procurar ajuda

Ambulatório de Psiquiatria do Hospital Universitário Walter Cantídio

Onde: Rua Pastor Samuel Munguba, 1290 - Rodolfo Teófilo

Telefone: 3366-8149

Caixa: 0800 726 0207

Opção 7 (Loterias)

Opção 3 (Jogo Responsável)

Jogadores Anônimos

www.jogadoresanonimos.org.br

Portal: Vira o Jogo

viraojogo.org.br/portal/

Endividamento

Mau planejamento e impulsividade podem transformar as apostas em endividamento. Residente em Fortaleza, o homem de 40 anos (que terá a identidade preservada), iniciou suas apostas em 2015 e, ao longo dos anos, acumulou dívidas que ultrapassaram a cifra de R$ 300 mil, em um momento que outras despesas financeiras influenciaram na sua vida.

“No começo eu não jogava alto, era só para brincar. Jogo alto foi só depois, de uns dois anos para cá. No começo eram valores menores, dava para pagar em uma semana quando eu perdia”, relembra.

O prejuízo, firmado perante uma banca de aposta, foi negociado de maneira amigável, pois o apostador conhecia os membros da banca há um bom tempo. Para quitar sua dívida, Hélio cogitou entregar seu imóvel para o pagamento de uma parte. Porém, na semana faria isso, ele ganhou R$ 85 mil em um jogo e não precisou negociar seu imóvel. (Gabriel Lopes / Especial para O POVO)

Ponto de vista

Uma reflexão sobre o cenário nacional

Por Luiz Eduardo Girão

Senador Luís Eduardo Girão, senador e ex-presidente do Fortaleza(Foto: Roque de Sá/Agência Senado)
Foto: Roque de Sá/Agência Senado Senador Luís Eduardo Girão, senador e ex-presidente do Fortaleza

Em tese, sou contra a legalização da jogatina pelos enormes riscos à saúde, sendo ainda, uma porta aberta para crimes graves como a lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, evasão de divisas, tráfico de drogas, prostituição infantil. Enfim: uma porta escancarada para a corrupção, a grande chaga de nosso país.

Os jogos já promovidos pela Caixa Econômica Federal, inclusive aqueles que envolvem times de futebol como a Loteca e a Timemania, são conceitualmente jogos de azar, pois o apostador não tem qualquer controle sobre o resultado. Porém, pelo fato de terem um teto máximo no valor da aposta, que geralmente é baixo, e a frequência ser semanal, tem um menor poder de causar ludopatia, se comparado aos demais jogos de azar, eminentemente as máquinas caça níquel. Além disso, esse tipo de jogo arrecada recursos para aplicação em programas sociais. Mesmo com toda essa destinação e controle contra fraudes, já foram usados por quadrilhas de corruptos para desviar dinheiro público.

Com relação às apostas em resultados dos jogos de futebol, são vistas pelos clubes brasileiros como uma grande oportunidade de aumento dos patrocínios. Esse, então, é o lado bom. Mas não podemos jamais ignorar o lado ruim. Como todo e qualquer jogo essa modalidade também pode atrair cidadãos para o vício.

Mas existe nesse caso um risco muito mais grave: a manipulação de resultados. O Brasil já vivenciou esse tipo de desvio há décadas com a Loteria Esportiva. E, agora, o potencial de perigo é muito maior pois são bilhões de reais em jogo.

Por isso penso que não se deve ter pressa nessa regulamentação. O Governo tem obrigação de descobrir e implantar todos os mecanismos possíveis, seja para diminuir o risco do vício, seja para impedir a manipulação de resultados, que em ocorrendo destrói toda a magia desse esporte que. apaixona multidões. Estaremos atentos a esse debate a responsabilidade de pensar no interesse coletivo, preservando ao máximo a paz e o bem da sociedade.

Luiz Eduardo Girão é senador pelo Podemos

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