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Em 100 anos, planeta ficou 0,74°C mais quente e mar subiu 38 cm
Reportagem Seriada

Em 100 anos, planeta ficou 0,74°C mais quente e mar subiu 38 cm

"O problema é que nenhum governo fez o dever de casa", declara Luiz Drude, professor da UFC, membro de academia internacional que acompanha efeitos do mar nas zonas costeiras

Em 100 anos, planeta ficou 0,74°C mais quente e mar subiu 38 cm

"O problema é que nenhum governo fez o dever de casa", declara Luiz Drude, professor da UFC, membro de academia internacional que acompanha efeitos do mar nas zonas costeiras
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O mar cresceu porque o planeta está mais quente. "A água quente tem mais volume que água fria", explica o professor Luiz Drude. Radicado no Ceará há mais de duas décadas como professor do Labomar/UFC, em 2019 ele foi confirmado como único brasileiro que passa a fazer parte da Future Earth Coasts Academy (FEC Academy). A entidade é um laboratório mundial de investigação das zonas costeiras e tem pesquisadores representantes dos cinco continentes. O problema maior é que o oceano está ficando mais volumoso num tempo muito menor do que o esperado.

As medições globais mais recentes apontam que, nos últimos 100 anos, o planeta ficou 0,74 graus Celsius (ºC) mais quente, com elevação oceânica de 38 centímetros. "A Terra está mais quente, o mar está maior. Sim, as duas afirmações são corretas. Sim, o mar está avançando cada vez mais para a costa. Não há dúvida de que a mudança climática é muito mais rápida do que em qualquer época no último 1 milhão de anos", confirma Drude.

"Você não vai sentir o mar mais quente, mas esse quase 1 grau centígrado que aumentou sobe brutalmente o volume. Ninguém vai conseguir botar a perna e dizer 'ih, o mar tá mais quente'. O mar não vai afogar ninguém por enquanto. As simulações divulgadas apontam o que vai acontecer em 2300 se continuar do jeito que está".

Os piores cenários vêm sendo revisados porque já estariam desatualizados. Nunca os índices de gás carbônico foram tão altos ao redor da Terra. "Até a época da Revolução Industrial, por volta do ano 1850, a medição chegava a 260 ppm (partes por milhão). Hoje está batendo 411 ppm. Isso não aconteceu em 10 mil anos anteriores, permaneceu em 250. Nesse último século e meio, praticamente dobrou. É a primeira evidência de que o aquecimento é associado à atividade antrópica", detalha Luiz Drude. Significa que para cada milhão de moléculas de diversos gases na atmosfera, 411 delas hoje são de dióxido de carbono (CO²).

O principal observatório de CO² do planeta fica na ilha de Mauna Loa, no Havaí, no topo de um vulcão. Foram os estudos do pesquisador norte-americano Charles David Kelling (1928-2005) que ajudaram a explicar o que são os danos do efeito estufa. Os índices de gás carbônico passaram a ser monitorados a partir de 1958 pelo pesquisador através da Curva de Keeling. 

Luiz Drude acentua que a mudança climática afeta principalmente os eventos extremos "deixando-os ainda mais extremos". As ressacas mais agressivas das marés, que antes aconteciam menos vezes em uma décadas, passaram a ser mais frequentes. Ele cita também como exemplo o aumento progressivo do número de secas em cada 50 anos. "Passou da média de dois (períodos de estiagem) até o ano 1700 para, hoje, quase 12 (períodos secos) a cada meio século".

Ao ser observado que a seca mais recente no Ceará durou sete anos, o professor acrescentou: "Exatamente, além disso a duração desse período de seca também aumentou. Passou a durar mais". Rio seco tem relação direta com o avanço do mar. O leito esvaziado deixa de lançar sedimentos pela foz, desprotege a costa e facilita o ataque oceânico. Drude descreve que a presença do manguezal mais para dentro do continente prova que é o mar que está empurrando a vegetação.

Antes de ser convidado para a FEC Academy, Luiz Drude fez parte, na década passada, da Land OceanInteraction in the Coast Zone (LOICZ). Era outro grupo de estudos para acompanhamento de bacias oceânicas. Nas Américas, o trabalho era identificado como Sambas (South American Base). A junção dos dois, mais a aproximação do InternationalHumanDimensionsProgramme, mais relacionado à dimensão humana do problema, uniu as perspectivas de análise continente-oceano e serviu para a composição da FEC Academy.

Drude resume: "O problema é que ninguém, nenhum governo fez o dever de casa. Você vê que em países como o Brasil degringolou geral. Nada previsto 30 anos atrás foi cumprido. Não é ser pessimista, é sendo bem realista com a situação atual. Há 30 anos ninguém acreditava que a gente iria chegar no cenário extremo. Hoje o cenário extremo é o default (padrão) É o que eles chamam de 'business as usual' (o de costume, em tradução livre). A gente chegou lá porque ninguém fez nada a respeito. Essa é a realidade do mundo hoje".

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