Coordenador nacional da pesquisa “Panorama da Erosão Costeira no Brasil”, o principal levantamento já produzido sobre o tema, o professor baiano Dieter Muehe diz que, por enquanto, é possível conviver com os efeitos do avanço do mar. "O problema é o que vai acontecer daqui a 50 anos”, afirma o pesquisador, destacando os efeitos da elevação do nível do mar. Confira a entrevista:
O POVO - Qual é hoje a principal preocupação dos pesquisadores em relação ao avanço do mar na costa brasileira?
Dieter Muehe - A preocupação maior é a elevação desse nível do mar, mas principalmente a construção muito próxima da linha de costa. Há problemas que estão ligados, como a erosão, que pode afetar essas construções, mas também as inundações decorrentes de tempestades. Elevação momentânea do nível do mar por ação do vento e ondas associada também com chuvas. Enchentes naturais se tornam piores porque o mar mais alto aumenta a saída das desembocaduras fluviais e dos canais, você leva a um processo de inundação temporária. Quando isso acontece a cada 20 anos ou 50 anos é uma coisa. Quando acontece com uma frequência mais elevada fica muito complicada a vida das pessoas. O lençol freático se eleva, enche a garagem dos prédios, inunda as calçadas. Há uma série de complicações que vão se acelerando em sequência. Processos de erosão e inundação vão acontecendo gradativamente. Por enquanto dá para conviver, o problema é o que vai acontecer daqui a 50 anos. Nós estamos numa situação em que a taxa de elevação do nível do mar está aumentando. É uma elevação contínua que vai projetando para o futuro.
OP - Essa taxa de elevação do mar está em quanto hoje?
Dieter - Está em três milímetros em média (por ano).
OP - Chegou a ser quanto, por exemplo 20 anos atrás?
Dieter - Por volta de 1,5 a 2 milímetros. Ela dobrou. A tendência, digamos assim, é o nível do mar em 2100 talvez chegar em torno de 80 centímetros a um metro. A partir da metade do século todos esses efeitos vão se tornar mais notáveis. Aí é preciso ter cuidado quanto à ocupação da costa. Nações como a Inglaterra, por exemplo, estão começando a deslocar gradativamente as populações que estão morando muito próximas da costa. Deslocamento para áreas mais interiorizadas. Isso tem um custo altíssimo, mas estão começando a fazer. O Canadá, em áreas de risco, está oferecendo uma compensação financeira para reconstruir a casa e uma compensação maior para quem se desloca para outro local. Então, já são alguns movimentos nesse sentido.
OP - No Brasil não há nada acontecendo nessa linha?
Dieter - Não (risos). Mas o Nordeste tem taxas de erosão mais significativas e parte do Norte. Até porque a declividade do litoral é mais baixa e a amplitude da maré é mais alta. Isso se torna mais problemático porque o transporte de areia ao longo da praia é numa só direção.
OP - Ceará e Pernambuco são apontados como piores cenários.
Dieter - Acho que o caso do Ceará é por causa desse transporte longitudinal unidirecional. Qualquer alteração que se faça na linha de costa, construção de um obstáculo físico, isso cria problema. Desde que se fala em erosão costeira foi a partir de Fortaleza, com a construção de um quebra-mar que evitou o transporte de sedimentos para a cidade (faz referência ao porto do Mucuripe). Há toda uma onda de erosão ao longo do litoral do Ceará. Tem casas que são quase encostadas à praia e, claro, numa ressaca, você tem problemas. Acho que o problema no Brasil é generalizado. No Sul e Sudeste está menos, mas também começando a aparecer, mas no Norte e Nordeste é mais grave por causa da baixa declividade. Então, qualquer aumento do mar tem um efeito maior no deslocamento da linha de costa. É preciso educação ambiental, que tem que começar desde o colégio, que as pessoas saibam o que é morar perto, ao comprar uma casa muito próxima do litoral, ficar atento a esses problemas.
Série especial mostra o impacto da ação humana no avanço do mar e os prejuízos causados ao meio ambiente