Quando seu Dino (Raimundo Nonato Félix Cavalcante), de 52 anos, comprou a barraca Sabor do Mar, em agosto de 2008, o mar da praia da Tabuba estava mais de 120 metros longe do seu estabelecimento. Ele havia trabalhado por muitos anos como garçom na região do Cumbuco. Recebeu a oferta de compra e mirou o investimento como vantajoso.
O negócio foi promissor por alguns anos, até as ondas começarem a lhe cobrar a presença ali. A cada lua cheia aparecia um aviso, o mar ia escavando, chegando mais perto. Em agosto do ano passado, toda a estrutura física da barraca foi abocanhada numa maré mais forte.
O mar engoliu balcão, cozinha, terraço coberto onde ficavam mesas e cadeiras para os clientes, palhoças da parte externa. As instalações precisaram ser recuadas e a entrada foi demolida. “Desde 2011 começaram essas marés mais altas e o mar não parou mais de cavar aqui”, descreve. Nessa época, ele se viu obrigado a custear um paredão de pedras em frente à barraca. Pagou R$ 70 mil. A obra não adiantou.
Na Tabuba, a barraca de seu Dino é um dos pontos mais flagrantes do avanço do mar na orla de Caucaia. Seguindo mais a oeste, duas mansões tiveram os muros arrancados pelas ondas em maio de 2019. Numa delas, os coqueiros tiveram as raízes expostas e o jardim ficou vulnerável. Na casa ao lado, além de coqueiros que havia dentro e fora do terreno da propriedade terem sido arrastados, o muro de 80 metros caiu. A erosão chegou perto de alcançar a piscina. Beirou a borda e levou parte do gramado.
A muralha estava sendo refeita, em dezembro, quando O POVO esteve no local. “Estou aqui (trabalhando) desde 1991. Aí em frente tinha uns 150 metros de praia. Sumiu em 20 anos”, relembra o caseiro, que pede para não informar o nome. A obra do muro se estendeu até meados de março, quando foi finalizada. É uma parede de concreto, com uma barreira de pedras à frente para amenizar a energia das ondas.
Maré tão grande como a de 2019 ainda não voltou a acontecer. Mas sempre está nas possibilidades. Os donos de uma casa próxima tentaram erguer um paredão de pedras, mas a obra foi embargada porque teria sido executada sem licenciamento. As ondas derrubaram a ponta do muro.
Seu Dino até teve receio, ainda em dezembro, de que a entrevista poderia atrapalhar a frequência de clientes de sua barraca, mas entendeu que sua fala também serviria de alerta. O desenho antigo dos pavimentos da Sabor do Mar, a partir da marcação das paredes, ainda pode ser visto no chão. A situação o obrigou a redimensionar o negócio. A barraca chegou a ter 17 funcionários, em dias mais fartos. Estava com apenas seis em dezembro.
Isso foi antes dos dias e da rotina serem completamente tomados pelo medo e pela certeza da Covid-19. Em abril de 2020, em pleno período de isolamento social e a obrigatoriedade de fechar o estabelecimento para tentar frear o avanço da Covid-19, o local está ainda mais afetado pela ausência de clientela. Nenhuma maré grande voltou a bater perto da estrutura da barraca, mas sempre é esperado qualquer novo fenômeno meteorológico.
Dino morava no local com a família, mas optou por se mudar como medida de segurança ainda em 2019. Mantinha, até o início de 2020, um vigilante à noite para cuidar do patrimônio. “Acredito que esse mar não tem mais como parar. Do jeito que vem desde 2011 não para mais, não”, sentencia. Em abril, O POVO voltou ao local e o lugar estava trancado por cadeados. Não havia ninguém por perto. O coronavírus veio agravar o que já estava difícil.
Série especial mostra o impacto da ação humana no avanço do mar e os prejuízos causados ao meio ambiente