Um ano antes do novo aterramento da orla de Fortaleza ter sido executado entre a avenida Beira Mar e a praia de Iracema, o Ministério Público Federal solicitou um parecer técnico ambiental. A instituição quis saber de possíveis impactos diretos da nova intervenção e historicizar se o desgastado litoral de Caucaia teve processos erosivos agravados pelo aterro feito no ano 2000 na Capital. Em outubro de 2018 o estudo foi publicado e negou a relação causa e efeito entre os cenários.
"A análise comparativa de imagens de satélite do litoral de Caucaia, relativas aos anos de 1968 e 1996, indica um recuo da linha de costa entre 150 metros e 400 metros. Na Praia do Icaraí, a imagem de 1996 mostra um recuo de 350 metros de praia pela erosão, quatro anos antes da construção do aterro da Praia de Iracema. Não resta dúvida sobre a inexistência de relação de causa e efeito entre a construção do aterro da Praia de Iracema no ano 2000 e a erosão da Praia do Icaraí", afirmou o parecer, num dos tópicos de conclusão do estudo.
O documento foi assinado por Fábio Perdigão, coordenador do Laboratório de Gestão Integrada da Zona Costeira, da Universidade Estadual do Ceará (Lagizc/Uece). Pós-doutor nesta área, ele também projetou que não haveria repercussão por causa da engorda atual.
"Pode-se afirmar de forma técnica e científica que a construção do aterro da Beira Mar não causará nenhum impacto erosivo sobre o litoral do município de Caucaia, pelo fato de não existir mais transporte significativo de sedimentos pela corrente de deriva litorânea na Praia do Meireles e pelo surgimento, nessa área, de uma contra-corrente no sentido de oeste para leste, contrário ao sentido da corrente de deriva litorânea".
Segundo o professor, se ainda houvesse transporte de sedimentos na orla da capital "eles seriam levados na direção do Mucuripe (leste), e não na direção de Caucaia (oeste)". Perdigão descreve a erosão como diacrônica. Lembra que os processos erosivos de Fortaleza remontam aos anos 1950, com o porto do Mucuripe.
Foram efeitos lentos que caminharam afetando a praia de Iracema, depois avenida Leste Oeste (ainda Moura Brasil), Grande Pirambu, saltando para o litoral de Caucaia. "Antes dos anos 2000 (ano da obra do aterro de Iracema), em 1996, a praia do Icaraí já tinha 200 metros", pontua. As reclamações só teriam aumentado, ele afirma, quando a praia acabou e o mar começou a atacar os imóveis.
Como cidade que tem mais recursos e condições técnicas, Perdigão destaca que Fortaleza tem lutado contra a erosão desde a década de 1970. O espigão da rua João Cordeiro é de 1969, completou 50 anos. "Se não tivesse essas estruturas, ali onde está o Pirata, o Estoril, tinha sido tudo erodido", projeta o professor. Há pelo menos 15 espigões na costa oeste da Capital, até a foz do rio Ceará.
Acreditava-se que o primeiro espigão ajudaria no acúmulo de areia em frente à Capital, mas os sedimentos não estariam mais passando no trecho. A zona estaria sombreada pelo porto. "A única solução para esse trecho de praia é aterro. Refazer a praia como ela era antigamente e proteger de um lado e de outro com espigões, para não deixar a areia fugir. Para haver estabilidade por muitos anos", define Perdigão.
Entre os protestos de ambientalistas, contrários à obra do novo aterro, o estudo coordenado por Fábio Perdigão foi adotado pela Prefeitura de Fortaleza como argumento técnico para reforçar a necessidade da dragagem e engorda da praia. O professor diz que "toda obra tem impacto, havia bichos que moravam ali, foram soterrados, mas flora e fauna se reconstituem sem muita dificuldade. Houve o cuidado no nosso diagnóstico de afastar a zona de aterramento para não pegar um banco de rochedos". Ele assegurou que a obra também não foi maléfica para para os botos, que seguem nadando em frente à área aterrada.
O aterro de Iracema completa 20 anos em 2020. Quando a administração municipal - à época o prefeito era Juraci Magalhães - se viu diante da necessidade de engordar a ainda chamada “praia do Ideal”, a água salgada alcançava as duas faixas da avenida Historiador Raimundo Girão (ainda era avenida Aquidabã para muitos). Isso já havia muitas marés de lua que se repetia.
Os respingos molhavam a estátua da índia, chegavam às vidraças do restaurante Tia Nair (que já não existe mais), lambuzava a calçada de hotéis e edifícios residenciais próximos. Veículos e pedestres que passassem desviavam quando dava.
A cena de meninos brincando sob espumas de ondas que estouravam nos paredões próximos é clássica. A ressaca tinha mais força que as intervenções tentadas até então. A decisão ali foi crescer a praia entre a rua Ildefonso Albano e a avenida Rui Barbosa.
O areial dragado do fundo do mar, cerca de 40 metros, conteve a força das ondas para o continente naquele trecho. Mas o mar seguiu avançando e ainda aspergindo mais do que maresia no início da Beira Mar. A faixa mais turística da orla encharcava em dias de marés mais cheias porque não havia recebido mais areia.
No segundo semestre do ano passado, a região ganhou nova engorda. A gestão atual anunciou investimentos de R$ 70 milhões para permitir o projeto de reforma e requalificação da Beira Mar. Nova dragagem lançou mais areia na praia a partir do espigão da rua João Cordeiro até a área em frente ao Náutico Atlético Cearense (avenida Desembargador Moreira). Atualmente, é a principal obra de interferência no avanço do mar na orla cearense.
Série especial mostra o impacto da ação humana no avanço do mar e os prejuízos causados ao meio ambiente