A Justiça do Ceará decidiu tornar mais brandas condenações impostas à maioria dos 35 membros de um mesmo grupo criminoso que, até antes de serem presos, dominavam a venda de drogas e armas em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. Os integrantes já haviam sido punidos ou respondem judicialmente por pelo menos uma dezena de homicídios, tráfico de drogas e armamentos, lavagem de dinheiro, associação para o crime e por ataques a bancos no Interior do Estado. Agora, as penas foram reduzidas, após apelação da defesa. Somadas, as sentenças teriam acumulado mais de 600 anos, em regime fechado. Uma outra história cruza o caminho. Entre 2016 e 2017, um juiz e uma juíza chegaram a pedir a transferência da Comarca da cidade, com a indicação de supostas ameaças de morte, quando alguns dos principais nomes do bando estavam sendo investigados.
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O chefe do grupo julgado é um homem conhecido como “Toinho das Armas”. Antônio Gerlando Sampaio Viana tem 35 anos atualmente. Desde março de 2014, três meses depois de ter sido preso numa operação da Polícia Civil, Toinho foi transferido do sistema penitenciário cearense para a Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná. O apelido era por ser considerado um dos principais fornecedores de armamento para outros grupos criminosos do Ceará e de fora do Estado. Ele teve a pena mantida no julgamento da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), na última terça-feira, 23. Ficou em 48 anos, dez meses e 15 dias em regime fechado.
E onde apareceram as ameaça aos magistrados, à época das fases de investigação e instrução do processo? Nas interceptações telefônicas acompanhadas à época pela Polícia Civil e Ministério Público Estadual, os criminosos teriam trocado mensagens sugerindo ameaças e supostos planos de atentados. As conversas descobertas nas escutas da investigação foram anunciadas reservadamente a membros da Comissão de Segurança Permanente do Poder Judiciário.
Avaliou-se naquele momento que havia potencial de risco. As medidas de segurança foram então adotadas com discrição. A juíza se afastou primeiro. O juiz nomeado na sequência acabou se vendo no mesmo perigo e também foi deslocado da Vara. Os juízes chegaram a transitar escoltados e acionar proteção e mudança de hábito para familiares.
Em setembro de 2018, O POVO Online chegou a ser informado pelo TJCE sobre dois magistrados do Ceará que utilizavam aparato especial de segurança. Informou a nota à época: “Sobre a demanda envolvendo proteção de magistrados, o TJCE informa que a segurança é feita pelo Tribunal e pela Secretaria da Segurança Pública. Atualmente, dois juízes se encontram nessa condição. Eles não se afastam das funções por conta das ameaças. A Comissão de Segurança do TJCE acompanha, sistematicamente, as informações sobre ameaças a magistrados e adota providências em cada caso”.
Os nomes dos magistrados serão preservados. Um deles hoje reside fora do Ceará. As transferências da Comarca de Caucaia foram tratadas com extremo sigilo pelo Judiciário local. Tiveram repercussão entre os colegas de toga, mas foram conduzidas para que não expusessem os personagens. “Mas eles saíram de Caucaia, sim, por conta desse caso”, confirmou uma fonte ouvida pelo O POVO Online, que pediu para não ser identificada. Mais dois contatos reafirmaram a história, também sob anonimato.
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AUTOS DO PROCESSO TÊM MAIS DE 10 MIL PÁGINAS
Os três desembargadores da 2ª Câmara Criminal acataram parcialmente a apelação da defesa dos réus e redimensionaram 32 das penas da apelação do grupo de Toinho das Armas. O POVO Online não obteve as contagens específicas. O processo é gigante. Acumula mais de 10 mil páginas. Somente o voto do relator, desembargador Haroldo Máximo, teve cerca de 600 páginas, indo aos detalhes. Os outros desembargadores foram Adelineide Viana e Martônio Vasconcelos.
Um 33º nome do processo, Emanuel Vieira Lima, foi absolvido “por insuficiência de provas”, segundo nota do TJCE. E mais um, o denunciado Antonio Gleisson da Rocha de Almeida, “foi beneficiado pelo Juízo de 1º Grau com perdão judicial, ficando, em relação a ele, extinta a punibilidade, em decorrência de celebração de acordo de ‘colaboração premiada’, devidamente homologado pelo Poder Judiciário” - completou o TJCE, no informe ao O POVO Online.
O acórdão estava prestes a ser oficiado à Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), onde os membros do Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc) irão analisar a possibilidade de recorrer da decisão.O Ministério Público foi representado durante a sessão pelo procurador de justiça criminal Sávio Amorim, que não quis se manifestar.
O processo não está em segredo de justiça, mas o TJCE foi reservado em abrir detalhes. Admitiu a complexidade do caso. “Essa organização é muito perigosa, os magistrados foram ameaçados, por isso a cautela”, informou uma fonte sobre o caso. “Todas as questões preliminares ao mérito foram apreciadas e rejeitadas, tendo o Colegiado, no mérito, concedido parcial provimento aos apelos dos réus nos estreitos limites de retificar as censuras penais que lhes foram impostas”, pontuou a nota do TJCE.
O POVO Online não teve acesso aos autos do processo e não conseguiu confirmar se as ameaças entraram no desenho das acusações. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Gerlando. Sobre juízes ou desembargadores que estejam atualmente com aparato especial de segurança, o TJCE informou que “por uma questão de segurança, não divulga o quantitativo de magistrados com segurança acionada”.