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A peleja do escritor na sua própria terra
Foto de Ana Márcia Diógenes
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Ana Márcia Diogénes é jornalista, professora e consultora. Mestre em Políticas Públicas, especialista em Responsabilidade Social e Psicologia Positiva. Foi diretora de Redação do O POVO, coordenadora do Unicef, secretária adjunta da Cultura e assessora Institucional do Cuca. É autora do livro De esfulepante a felicitante, uma questão de gentileza

A peleja do escritor na sua própria terra

Entre as barreiras, o preconceito de leitores contra autores locais e de escolas que pouco utilizam livros de cearenses como paradidáticos
Tipo Opinião
A escritora Ana Márcia Diógenes na Casa Vida&Arte (Foto: Reprodução/fundacaodemocritorocha)
Foto: Reprodução/fundacaodemocritorocha A escritora Ana Márcia Diógenes na Casa Vida&Arte

Quem vai a uma bienal de livros deve se sentir como uma formiga em um formigueiro novo, com diferentes caminhos possíveis e a vontade de se arriscar em todos. Pelo menos as formigas curiosas fariam isso, creio eu. Quem vai a uma bienal como escritor(a) sente que engoliu inúmeros formigueiros e está tudo coçando por dentro. É a vontade de ser lida por muita gente e também adquirir o livro de vários e vários autores. Pelo menos me sinto assim.

O escritor, se estiver ligado a um estande, fica dividido entre receber os visitantes e explicar sobre seus livros, entre participar de mesas e lançamentos. E também em prestigiar quem está lançando, fazendo palestra, participando de mesa redonda. É muito para mostrar e também para ver. Dez dias acabam sendo um tempo curto para conhecer os formigueiros de um grande evento como a XV Bienal Internacional do Livro do Ceará, que vai até o próximo domingo, dia 13.

É também ocasião de muitas reflexões, principalmente sobre algumas pelejas, essas lutas que infelizmente estão incorporadas tanto localmente como no mercado editorial. Uma delas simplesmente está relacionada à geografia. O livro pode atrair, ser bom, mas é cearense. Para alguns, só serve se for de outros estados ou mesmo internacional. Raros escritores locais conseguem furar as bolhas.

Vou dar um exemplo: duas moças passaram meia hora me perguntando sobre meu livro mais recente “Caso porque te amo, mato porque me amo”. Ficaram super empolgadas com a história, folhearam, adoraram a capa, as ilustrações, perguntaram sobre como consegui pensar na história... Ao fim, me perguntaram: mas, onde é mesmo que eu encontro o livro da série Crepúsculo? Nessa hora me senti uma formiga perdida no formigueiro alheio.

Isso deixa muito claro que parte da peleja do não reconhecimento é por sermos da mesma terra. Algumas pessoas que circulavam pelos estandes, quando destacávamos que ali, no espaço do Mulherio das Letras, as 12 escritoras eram cearenses, alguns diziam: ah, eu quero saber onde estão os bestsellers. Ou seja, ao invés da proximidade empoderar, traz uma espécie de complexo de vira-lata.


Para quem é autor, publicado por pequenas editoras ou que faz autopublicação – sem ter o guarda-chuva de uma grande editora – a peleja é dupla: superar o preconceito literário (de alguns) dentro de seu próprio lugar e furar bloqueios para chegar a outros estados, para fazer sua obra alcançar mais leitores.

Outro exemplo, agora voltado para o mercado de literatura infantil na educação. A maioria das escolas compra kits nacionais preparados por grandes editoras, ao invés de usar, como paradidáticos, livros de autores cearenses. Sequer pensam que se adotarem livro de autor local, além de incentivar a autoestima dos alunos, ainda podem convidar o escritor(a) para festivais literários, conversas com os alunos etc. Haveria aproveitamento maior no fortalecimento e autoestima de novos leitores.

Mas o preconceito é algo que ainda transcende, infelizmente, as boas iniciativas. Seja a decisão da Secretaria da Cultura do Estado, que criou uma ala de estandes para fortalecer autores e autoras locais, seja a resistência de quem escreve e acredita que a boa literatura é que deve fazer a diferença.
Como não é aceitável engolir qualquer desses preconceitos, a peleja segue na conquista de leitores(as) e pelo fim do preconceito dentro do território em que se vive.

Foto do Ana Márcia Diógenes

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