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Árvores: nossa família vegetal
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Ariadne Araújo é jornalista. Começou a carreira em rádio e televisão e foi repórter especial no O POVO. Vencedora de vários prêmios Esso, é autora do livro Bárbara de Alencar, da Fundação Demócrito Rocha, e coautora do Soldados da Borracha, os Heróis Esquecidos (Ed. Escrituras). Para além da forte conexão com o Ceará de nascença, ela traz na bagagem também a experiência de vida em dois países de adoção, a Bélgica, onde pós-graduou-se e morou 8 anos, e Portugal, onde atualmente estuda e reside.

Árvores: nossa família vegetal

As árvores contam a história dos homens e do Planeta. Quando um destes velhos troncos queimam em incêndios, ou sangram no gume de um machado, um livro inteiro se perde. Com o incêndio no Parque Estadual do Cocó, ardeu uma arcaica biblioteca
Tipo Análise
oliveira milenar nasceu no ano de 908, em um vale árido e frio da Espanha, e foi transplantada em 1988 para o Pont du Gare, na França. Só o tronco tem 5 metros de circunferência (Foto: Ariadne Araújo)
Foto: Ariadne Araújo oliveira milenar nasceu no ano de 908, em um vale árido e frio da Espanha, e foi transplantada em 1988 para o Pont du Gare, na França. Só o tronco tem 5 metros de circunferência

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No tempo em que os egípcios levantavam a pirâmide de Gizé, elas já floresciam e davam frutos, em diferentes partes do mundo. Nas montanhas da Califórnia (Estados Unidos), uma sequoia gigante ganhou o nome de Matusalém, por seus 4.850 anos de idade; na Suécia, um pinheiro de Natal, batizado de oldtjikko, autoclonou-se tantas vezes que alcançou os 9.500 anos de vida; no Parque Nacional Alerce Costeiro, no Chile, um cipreste-da-patagônia, com nada menos que 5.484 anos de idade, é o nosso grande bisavô vegetal – já que acompanha a trajetória humana desde a Idade da Pedra.

Todas estas árvores milenares são sobreviventes. Salvaram-se dos incêndios (provocados ou não), das alterações climáticas, do abate para a construção de barcos e casas. Também são testemunhas da evolução da Terra e da história do homem. Nos seus troncos e raízes podemos ler, como nas páginas de um livro, muita coisa que precisamos saber sobre o passado. Por isso, estas cápsulas temporais devem ser protegidas. No Chile, por conta da loucura por selfies, turistas pisoteiam as raízes e levam como souvenires pedaços da casca do “bisavô”. Nos Estados Unidos, para evitar tais comportamentos, não é relevado o lugar onde vive Matusalém.

Sem elas, não teríamos parques, bosques, florestas. Não teríamos troncos para ler neles o nosso passado. A vida seria árida, causticante, desértica. O verde seria plástico e fake. Nunca mais os piqueniques à tarde, uma rede balançando entre dois coqueiros, o cheiro de clorofila nas caminhadas e a visão das abelhas nas flores. Nem remédios à base de folhas, cascas e raízes. Sem elas, nem bichos nem nós, nem nada. Por isso, cada árvore que morre, sem que alcance o tempo de bisavô – quantas arderam no incêndio do Parque do Cocó? -, é um patrimônio coletivo que se perde.

Na França, há um movimento para a oficialização da Declaração dos Direitos das Árvores. Para protegê-las, inclusive, de nós mesmos. Em Portugal, por exemplo, nos verões quentes, há quem se aproveite do tempo seco para pôr fogo nos bosques. Ou, então, são as trovoadas secas que acendem fagulhas. E lá se vão, todos os anos, hectares de florestas. Aprendemos que é preciso proteger e vigiar. Quando o risco é alto, os bosques e parques são limpos e fechados ao público, para se evitar uma ponta de cigarro ou a má-ideia de fogueiras. Nem sempre funciona, eu sei. Mas é já algo.

No Cocó, novas árvores nascerão das cinzas, porque a vida é mais forte que o fogo. Um talinho fino empurrando a terra, na esperança de ganhar casca e corpo. Sensível, inteligente e forte, tudo que ele quer é viver e cumprir o seu ciclo natural – do mesmo jeito que muitos de nó sonham em viver 100 anos, em terem filhos, netos e, com sorte, tornarem-se bisavôs, como aquele arcaico senhor vegetal no Chile. Somos, os de carne e os de seiva, parte de um todo. Uma árvore é uma minha irmã, uma minha prima, uma minha avó. Todos, da mesma família dos viventes.

E, quando não estivermos mais aqui, teremos os matusaléns para contarem nossa história. No Cocó, com certeza, uma sabia anciã aroeira.

Foto do Ariadne Araújo

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