Arthur Gadelha é crítico de cinema do O POVO, ex-presidente da Aceccine e membro da Abraccine. Acompanha as estreias nacionais e os passos do cinema cearense, cobrindo eventos internacionais como Cannes, Gramado, Globo de Ouro e Oscar. Nessa coluna, propõe uma escrita mais imersiva com análises e reflexões pessoais, trazendo também bastidores de filmes, festivais e premiações, além de refletir sobre o papel da crítica de arte no mundo
No mês passado me tornei votante internacional do 83º Globo de Ouro, cerimônia que abre a temporada de premiações do cinema nos EUA em 2026. Como isso aconteceu?
Foto: Divulgação/Globo de Ouro
Troféu do Globo de Ouro
Em abril de 2023 recebi um e-mail de Gregory P. Goeckner, diretor de operações da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA), organização que seria dissolvida logo depois numa das mudanças mais radicais da história do Globo de Ouro.
Seu contato era uma mensagem protocolar para dizer que minha inscrição não havia sido aceita. Era minha primeira vez, então só a experiência de ter me inscrito já tinha valido a pena.
Três meses depois, eu tive minha primeira crítica de cinema publicada na edição impressa do Vida & Arte por insistência de Renato Abê, então editor-chefe do caderno, e Jansen Lucas, designer da redação. Eu cheguei a recusar porque o impresso me dava um pouco de medo - afinal, o que se imprime fica para sempre.
O texto era sobre "Barbie", da Greta Gerwig. Naquele dia fui celebrar num bar perto de casa e pareceu até coisa do destino: na cartela de drinks tinha um com o nome da boneca americana. Não era tão gostoso, mas pelo menos rendeu uma foto com o jornal e minha camisa rosa-choque.
Daí pra frente, muita coisa aconteceu. Duas coberturas do Festival de Cannes, tendo a honra de acompanhar os nordestinos "Motel Destino" (2024) e "O Agente Secreto" (2025) concorrendo à Palma de Ouro, entrevistas, análises e críticas sobre filmes estrangeiros, brasileiros e cearenses, teve Festival de Gramado, For Rainbow, Cine PE e até mesmo show da Lady Gaga em Copacabana.
Em julho de 2025, há duas semanas, recebi outro e-mail do Globo de Ouro. De longe, o texto parecia muito sério para uma boa notícia, mas estranhei que tinham muitos arquivos anexados e, de repente, vi a palavra em negrito: “Parabéns!”. Dessa vez assinada pela presidente Helen Hoehne, a carta me informava que eu havia sido aceito como votante internacional do 83º Globo de Ouro.
Cheguei eufórico na redação com a notícia fervente, dando início a uma tarde de celebrações que eram internas porque a informação, àquela altura, ainda era sigilosa.
Na semana seguinte, Maísa Vasconcelos me convidou para contar ao vivo na rádio, e eu até me preparei, mas até a hora do programa a lista de votantes ainda não tinha sido anunciada. No primeiro dia de agosto, acordei com meu nome, foto e biografia finalmente publicadas no site. Só ali acreditei mesmo.
Foto: Divulgação/Globo de Ouro
Cerimônia do Globo de Ouro nos anos 1960
O Globo de Ouro é uma cerimônia quase tão antiga quanto o Oscar, fundado em 1944 por jornalistas estrangeiros residentes em Los Angeles, Califórnia, na mítica Hollywood. Sua excentricidade é justamente não ter votantes estadunidenses e, a partir de 1956, premiar também as produções de televisão. É como juntar o Oscar ao Emmy.
A premiação tem uma posição estratégica no calendário americano porque é sempre o primeiro grande evento midiático do cinema do ano, e a escolha dos vencedores costuma influenciar, cristalizar ou encerrar rumos da temporada. Para 2026, está marcada para o dia 11 de janeiro.
Em 2025, por exemplo, as vitórias de Fernanda Torres e Demi Moore deram fôlego vital a duas campanhas para o Oscar que até ali pareciam improváveis - Torres por ser uma figura quase alienígena em meio à titãs da indústria, como Nicole Kidman e Angelina Jolie, e Moore porque estrelava um filme de terror, gênero geralmente dispensado pela Academia.
(Foto: Robyn Beck / AFP)Fernanda Torres ganha Globo de Ouro
(Foto: Robyn BECK / AFP)Demi Moore
Vitórias como essas, fora do lugar-comum, também têm motivação nessa busca da organização por ampliar a diversidade cultural dos seus votos.
Para além dos seus menos de 100 membros fixos, a premiação passou a abrir uma janela anual para selecionar os chamados “votantes internacionais”, jornalistas estrangeiros convocados para participarem diretamente da escolha dos indicados e vencedores da próxima edição.
Fazendo um levantamento extra-oficial, encontrei dados que revelam direções interessantes dessa busca: América Latina quase que em pé de igualdade com a Europa e o Brasil liderando a lista dos países votantes.
Votantes 83º Globo de Ouro (por continente)
Europa: 176
América Latina: 151
Ásia: 69
África: 18
América do Norte (apenas Canadá): 16
Oceania: 11
Votantes 83º Globo de Ouro (TOP 10 países)
Brasil: 39
Argentina: 29
Itália: 23
México: 21
Canadá: 17
Reino Unido: 16
França: 15
Japão: 15
Alemanha: 12
Austrália: 11
Além do Nordeste, que me incluiu entre os cearenses Flávio Pinto e Daniel Herculano, a organização olhou para o Norte com três membros do Amazonas: Camila Henriques, que já integrava o time internacional, Caio Pimenta e Pâmela Eurídice.
Olhando para os membros fixos de jornais tradicionais, O POVO está ao lado de O Globo (Mario Abbade e Lucas Salgado), Valor Econômico (Elaine Guerini), Veja (Felipe Branco Cruz), UOL (Flávia Guerra), Folha de S. Paulo (Vitor Moreno e Fernanda Ezabella), Estado de São Paulo (Laysa Zanetti e Matheus Mans) e Correio da Manhã (Rodrigo Fonseca).
É curioso lembrar que, diferente do Oscar que é deliberado exclusivamente pela própria indústria, o Globo de Ouro é um prêmio da imprensa.
Como acontece após os momentos de grande euforia, logo há o momento em que atravessamos as cortinas do palco e descemos as escadas até o camarim.
Passada toda a celebração coletiva, da equipe do jornal, de familiares, amigos e conhecidos que sempre me acompanham nessa profissão, é chegada a hora de sentar no meu quarto e trabalhar, sozinho, mergulhado e alheio ao mundo real.
Até dezembro, terei dezenas (desconfio que serão centenas) de filmes e séries para assistir e poder dar meu voto com confiança para a escolha dos indicados e, em seguida, dos vencedores. Para ser aceito, tive que assinar um documento me comprometendo a votar em todas as categorias da premiação. Então… mãos à obra.
A comunidade cinéfila sempre tem palpites, mas ninguém faz a menor ideia do que esperar dessa próxima temporada de premiações. Mas que vai ser emocionante, isso ela promete.
Até lá, você poderá acompanhar os passos dessa corrida aqui, nesta coluna que inauguro hoje no O POVO+ com o propósito de aproximar o espectador dos bastidores não só de premiações como o Globo de Ouro, mas também de festivais de cinema e filmes internacionais, brasileiros e cearenses.
Com a proposta de uma escrita mais imersiva, para além das críticas que já publico no Vida & Arte, também vamos refletir sobre o papel da crítica de arte no mundo. Vamos juntos?
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