Arthur Gadelha é crítico de cinema do O POVO, ex-presidente da Aceccine e membro da Abraccine. Acompanha as estreias nacionais e os passos do cinema cearense, cobrindo eventos internacionais como Cannes, Gramado, Globo de Ouro e Oscar. Nessa coluna, propõe uma escrita mais imersiva com análises e reflexões pessoais, trazendo também bastidores de filmes, festivais e premiações, além de refletir sobre o papel da crítica de arte no mundo
O duelo carinhoso entre Kleber Mendonça Filho e Jafar Panahi
Brasil e Irã traçam rumos parecidos em direção ao distante Oscar de Melhor Direção por histórias de países que enfrentam o autoritarismo. Será que Hollywood tem mesmo um lugar para eles?
Foto: Sameer AL-DOUMY/AFP e BERTRAND GUAY/AFP
Montagem: Kleber Mendonça Filho e Jafar Panahi em momentos diferentes do 78º Festival de Cannes
Quando encontrou Kleber Mendonça Filho no Festival de Telluride desse ano, Jafar Panahi contou que conheceu Wagner Moura enquanto estava encarcerado no Irã, quando ele e outros colegas de cela conseguiram um chip contrabandeado para assistir “Narcos”, série da Netflix em que o brasileiro interpreta Pablo Escobar e que o alçou a uma descoberta internacional imensa.
Autores de “O Agente Secreto” e “Foi Apenas um Acidente”, respectivamente, os dois vem seguindo uma trajetória muito próxima desde que estrearam em Cannes, saindo como dois dos filmes de maior repercussão no evento francês.
Agora nos EUA em pré-campanha para o Oscar, eles embarcam num duelo um pouquinho mais cruel: na forma como o cenário está desenhado hoje, parece que concorrem à “mesma” vaga entre os indicados na categoria de Melhor Direção.
Até poucos anos atrás, poderia ser absurdo imaginar dois cineastas estrangeiros entre os cinco indicados ao prêmio de direção, mas a lógica da Academia de Artes e Ciências de Hollywood mudou tanto e tão rapidamente, que configurações com essa agora são pelo menos “imagináveis”.
Neste ano, a francesa Coralie Fargeat (A Substância) concorreu com o francês Jacques Audiard (Emilia Perez). Em 2020, a vitória do sul-coreano Bong Joon-ho parece ter virado mesmo o tabuleiro desse jogo.
Para 2026, o cenário é acirrado. Dos filmes norte-americanos, dois parecem ter sua vaga cristalizada: Chloe Zhao, pela história enlutada de William Shakespeare em “Hamnet”, e o aclamado Paul Thomas Anderson pela ação policialesca de “Uma Batalha Após a Outra” com Leonardo DiCaprio.
Dentre as opções internacionais, há uma certeza rondando Joachim Trier, norueguês autor de “Valor Sentimental”, trama sobre uma família que tenta se reconectar através do cinema.
Se Joachim estiver confirmado... nos resta uma segunda vaga. Embora Panahi tenha vencido a Palma de Ouro, prêmio máximo no Festival de Cannes, Kleber venceu o prêmio de Melhor Direção.
Quando essa disputa enveredar para o lado meramente técnico, porém, há uma chance real do lado de cá porque o exercício estético em “O Agente Secreto” conversa muito mais diretamente com o cânone artístico de Hollywood – o trabalho de Kleber é frontalmente inspirado em grandes nomes do cinema americano, e ele nunca escondeu isso.
O filme tem muito mais movimento e equação de personagens, além de uma imersão de época feita sem pieguice que é vibrante e elétrica. Não à toa, a NEON, distribuidora do filme nos EUA, vem chamando atenção do eleitorado também para a russa Evgenia Alexandrova, diretora de fotografia.
O esmero de “Foi Apenas um Acidente” está muito mais alocado no roteiro ao colocar um torturado para jugar seu torturador numa espiral de drama e humor, situação que inclusive o mantém na jogada para uma possível indicação no Oscar de Melhor Roteiro Original.
Por outro lado, Panahi tem uma narrativa recheada de emoções: perseguido pelo governo autoritário do Irã, chegando a ficar encarcerado por protestar contra a violência estatal, este é o primeiro filme que ele lança após a recente liberdade.
Aprendiz direto de Abbas Kiarostami, solidamente referenciado como um dos grandes mestres do cinema mundial, Panahi conquistou muito rapidamente seu espaço de grande autor de um cinema tão mal falado fora do meio cinéfilo, que é o iraniano.
Neste ano, vimos uma marca histórica: com a Palma de Ouro, ele entrou para uma lista muito seleta de cineastas que venceram a trinca dos grandes festivais de cinema da Europa.
Além de Cannes, já tinha vencido o Urso de Ouro em Berlim com “Taxi” (2015), filme gravado clandestinamente dentro de um táxi para traçar um perfil fascinante da sociedade iraniana, e o Leão de Ouro em Veneza com “The Circle” (2000), crítica direta ao tratamento dado às mulheres no país.
Em outra camada, também é hipnotizante que os dois filmes sejam tão diferentes enquanto encaram mesmas fronteiras de um estado ditatorial. Em “O Agente Secreto”, o personagem do Wagner Moura também convive com um pavor das forças repressoras e precisa acertar as contas com esse passado, tal qual o mecânico iraniano que está cara a cara com um militar que estraçalhou sua vida.
Panahi esteve no Brasil em outubro para receber o Prêmio Humanidade da 49ª Mostra Internacional de São Paulo, contexto em que encontrou novamente Kleber e reforçou a admiração mútua que eles têm um pelo outro. No fim do dia, com ou sem indicação ao Oscar, são dois grandes cineastas fora da lógica esmagadoramente comercial dos EUA que estão sendo celebrados pelo mundo.
A primeira resposta para esse duelo carinhoso será no 83º Globo de Ouro, premiação americana que inaugura a temporada no dia 11 de janeiro de 2026.
Ainda neste ano, no dia 8 de dezembro, a lista dos indicados já poderá nos revelar muito dos próximos passos. No Brasil, a estreia de “O Agente Secreto” está marcada para o dia 6 de novembro e a de “Foi Apenas um Acidente” para o dia 4 de dezembro.
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