Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste
Foto: Reprodução/Redes Sociais
Jorge Avalo tinha 60 anos e era caseiro
Infelizmente, raros casos reforçam o porquê da inviolabilidade da fauna silvestre. Em 21 de abril, o caseiro de rancho de pesca Jorge Avalo, de 60 anos, morreu após ser atacado por uma onça-pintada (Panthera onca) no Mato Grosso do Sul.
A Polícia Ambiental Militar e voluntários encontraram partes do corpo da vítima perto do local um dia depois da fatalidade, 22. No dia 24 de abril, a PMA e pesquisadores da ONG Reprocon capturaram um jovem macho de onça-pintada, que matou o caseiro.
A onça de 94 quilos foi encaminhada para o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) de MS, em Campo Grande. De primeira, os pesquisadores identificaram que o animal parecia muito magro para uma onça pantaneira.
No Cras, o espécime passará por exames e avaliações comportamentais, no intuito base de entender o porquê do ataque. Afinal, é incomum onças investirem em humanos.
Foto: PM Ambiental MS
Onça-pintada, um jovem macho, capturado no local da ocorrência
Quando onças atacam gado, por exemplo, a hipótese inicial é geralmente a mesma: esse animal não está encontrando alimento no seu habitat natural. É consequência de ambientes degradados e cercados pela expansão urbana e rural.
Ocorre que o caso de Jorge Avalo e a onça-pintada tem um precedente de pelo menos cinco anos. À Fauna News, o comandante da PMA-MS, coronel José Carlos Rodrigues, explicou que “uma das poucas certezas até o momento é a de que havia oferta de alimento, conhecido como ceva, para atrair animais silvestres no local”.
Há cinco anos, o Instituto Homem Pantaneiro (IHP) gravou um vídeo no local onde Jorge morreu denunciando a prática de ceva, e alertando para os riscos desse crime ambiental. “Essa prática é extremamente perigosa, pois pode provocar alterações no comportamento natural dos animais”, sintetizou o coronel. Infelizmente, a vida de Jorge foi a prova.
O caso em si é triste o suficiente: um homem morreu, uma onça-pintada (vulnerável de extinção no
Pantanal
"A onça-pintada (Panthera onca) está provavelmente extinta no Ceará, de acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da Fauna do Ceará. Na Caatinga como um todo e na Mata Atlântica, ela está criticamente ameaçada. No Pantanal e na Amazônia, ela é vulnerável. E no Cerrado, está em perigo."
) precisou ser retirada da natureza. Então, começa a bravata das redes sociais.
Houve quem dissesse que a ação da onça foi premeditada, acusando-a de assassinato. Imagine a quantidade de pontos de interrogação na minha cabeça ao ler isso: o dolo é da onça faminta, não dos humanos que a induziram e destruíram seu habitat?
Perceba que digo humanos no plural, não no singular. Não sei se Jorge fazia ceva, e no momento não me interessa saber. No entanto, o fato é que a morte dele foi consequência direta de uma ação humana, mantida apesar dos alertas.
Foto: João Pedro Salgado / Reprodução Instagram @joao.pedro.salgado
O biólogo João Pedro Salgado fotografou uma onça-pintada predando uma capivara durante expedição fotográfica com a ONG Onçafari. A foto viralizou e internautas "cancelaram" o animal por predar a capivara
Por outro lado, conservacionistas lamentam profundamente a retirada forçada de um jovem macho de onça-pintada da natureza. Os grandes carnívoros são peça chave para o equilíbrio dos ecossistemas, e no cenário atual de extinção de espécies cada indivíduo importa muito.
Cada detalhe dessa história dá uma pista da profunda crise que vivemos. A banalização de crimes ambientais, a destruição de habitats, a insensibilidade com a fauna silvestre, a megalomania humana de dominar a natureza a qualquer custo…
É tão clichê precisar reafirmar constantemente que somos Natureza. Que entre um homem e uma onça não sobra muito espaço de diferença (em termos éticos e morais), e que crime ambiental é sinônimo de crime contra a humanidade.
Enfim, aí está. Mais uma prova para ser arquivada com as enchentes do Rio Grande do Sul, a seca na Amazônia, as queimadas no Pantanal e no Cerrado, a desertificação e a extinção de espécies na Caatinga, a pandemia de Covid-19 e milhares de outros casos.
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