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44ª Mostra: descompasso de escala em "Irmã"
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

44ª Mostra: descompasso de escala em "Irmã"

Com pano de fundo narrativo ambicioso - envolvendo dinossauros, asteroides e superpoderes -, longa "Irmã" busca equilibrar-se entre tamanha grandeza e abordagem subjetiva
Tipo Opinião
Ana (Maria Galant) e Júlia (Anaís Grala Wegner) protagonizam o filme 'Irmã', que está disponível on-line na Mostra de São Paulo (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Ana (Maria Galant) e Júlia (Anaís Grala Wegner) protagonizam o filme 'Irmã', que está disponível on-line na Mostra de São Paulo

Duas irmãs nascidas em Porto Alegre partem em uma viagem para o interior do Rio Grande do Sul em busca do pai após a mãe delas, que as criou sozinha, ficar doente. Este pai, que deixou a família há muito tempo, trabalha com fósseis. No contexto geral, a imprensa dá conta de que um asteroide está se aproximando da Terra e, no que pode ou não estar ligado ao fenômeno astronômico, diferentes cidades pelo País registram casos de mulheres que estão ficando nuas em público. A partir deste panorama no mínimo peculiar, se desenrola o longa “Irmã”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, que se (des)equilibra entre a intenção de explorar subjetividades e a ambição da proposta.

Filme aposta em diferentes experiências estéticas, indo da estilização com luzes neon à transposição de diálogos da fala para a escrita
Foto: divulgação
Filme aposta em diferentes experiências estéticas, indo da estilização com luzes neon à transposição de diálogos da fala para a escrita

Abrindo com uma sequência sensorial, “Irmã” engrena narrativamente mostrando as irmãs Ana e Júlia, respectivamente a mais velha e a mais nova, numa viagem de ônibus. Entende-se de maneira rápida o contexto que as motiva e as rodeia a partir da conversa expositiva das duas. Maiores contextos, porém, não são postos e os fatos vão sendo descobertos à medida que o filme transcorre. Empreendendo uma trama familiar em meio a um contexto que mistura dinossauros, astronomia e poderes, o longa se desenrola de uma maneira que materializa a estranheza da abordagem na forma.

Apresentado nas sequências iniciais como um drama com algum toque de fantasia, “Irmã” vai se assumindo cada vez mais abstrato, apostando em cenas estilizadas e experiências visuais distintas que vão se acumulando. Numa espécie de flashback, a câmera filma a mãe das duas, no leito do hospital e iluminada por uma luz neon, dublando a canção “The War's Dancing Floor”, de Karina Buhr. Em outra sequência, os diálogos deixam de existir no plano sonoro e passam a ser travados por escrito, com as falas aparecendo no meio da tela. Numa briga entre Ana e Júlia, a pequena grita a ponto de causar uma forte ventania.

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Em outro momento, a câmera volta a atenção para uma TV antiga que zapeia entre canais sozinha até escolher parar em um - denominado “Flobo” - que mostra, emulando a linguagem de uma novela, a continuidade de um diálogo do próprio filme que havia sido iniciado poucas cenas antes.

Um ou outro momento deste tipo tem algum nível de interesse, mas eles não parecem estar ali para elaborar nenhuma reflexão ou sensação que agregue ao filme, mas sim para funcionar como laboratório de experimentações estéticas e de linguagem. No embate da faceta “drama familiar” com a faceta “filme experimental”, o resultado é o descompasso.

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Numa ida a um bar da cidade, Ana, a mais velha, escolhe utilizar uma maquiagem colorida. Lá, inicia um flerte com um morador local, que, num diálogo, a define como “diferente”. Há um esboço, aí da tensão “cidade grande versus interior”, mas que não se sustenta. Isso porque o longa constrói o próprio estabelecimento como uma espécie de “inferninho” descolado, com luzes neon e música eletrônica alternativa, ainda que os figurantes que ocupem o lugar sejam, em sua maioria, pessoas mais velhas.

Elementos do filme abrem caminho para justificar que aquilo que é mostrado em “Irmã” não é uma realidade factual, mas sim uma elaboração íntima e subjetiva das personagens. Ainda assim, o descompasso se sobressai.

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As "aparições" de mulheres nuas surgem no longa como elementos informados pela imprensa, a partir da qual se sugere uma ligação dos comportamentos com a chegada do asteroide. É uma correlação machista que o filme constrói justamente para criticá-la. No entanto, o que poderia vir a ser um comentário mais profundo sobre julgamento e liberdade nunca vira mais do que um esboço.

Há, sim, outros momentos que se ligam à temática do machismo, como nos modos com que o pai se relaciona com as filhas, mas de uma forma bem mais “factual”, desconectando-se do elemento peculiar. Por conta destes desencaixes, “Irmã” acaba não funcionando de todo.

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Para um longa de estreia, “Irmã” é marcado por um sentimento muito forte de segurança nas escolhas. O lado positivo disso é que todo o caminho construído pela dupla diretora parece ser fruto de muito domínio, certeza e rigor. Já o senão é a falta de desenvolvimento ou aprofundamento em meio a tantas fichas apostados de uma só vez.

Mostra SP

Quando: até 4 de novembro
Onde: filmes disponíveis na Mostra Play
Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo
Mais informações: www.44.mostra.org

Foto do João Gabriel Tréz

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