44ª Mostra: a procura por subjetividades em "Mar de Dentro"
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
“Mar de Dentro” se propõe a traçar um retratoíntimo de Manu (Mônica Iozzi), publicitária dedicada ao trabalho que, em envolvimento casual com o colega de trabalho Beto (Rafael Losso), acaba engravidando, sem nem ter planejado, nem desejado o fato. O longa de estreia de Dainara Toffoli apresenta diferentes faces da relação da protagonista com a maternidade, esboçando comentários sociais, mas apresentando pouco desenvolvimento de contexto e construção dos elementos dramatúrgicos. A produção está disponível na programação da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
É possível traçar um paralelo entre o filme e outro brasileiro que está na Mostra, “Mulher Oceano”, dirigido por Djin Sganzerla. Ambos buscam construir olharessubjetivos para protagonistas mulheres e evocam o mar como símbolo, mas se o longa de Djin opta pelo excesso de alegorias e metáforas marítimas, “Mar de Dentro” vai pelo caminho da falta. Um rápido e inicial diálogo entre Manu e Beto - ela dividindo um afogamento traumático na adolescência e ele possuindo um aquário em casa - é a justificativa para a escolha por “Mar de Dentro”. O momento é pontual e de poucoimpacto, mas retorna como elementodramático em determinada altura do filme, algo que não se justifica ou mesmo funciona.
Apesar da intenção de esquadrinhar intimidades e sentimentos de Manu, a construção da personagem - e do filme - faz a protagonista parecer menos envolta em embatesinternos e mais, simplesmente, uma figura com personalidade e motivações pouco definidas. Situações que não dão conta do desenvolvimento das escolhas dela se somam, como quando há uma sugestão de conflito inicial com o pai da criança para, pouco depois, Manu facilmente aceitar “tentar” a vida a dois com ele, por exemplo. Mesmo com estes momentos de inconsistência, a produção desponta pela composição competente de Mônica Iozzi, que garante uma honestidade profunda ao retrato.
Sendo o que se chama de filme “médio” - ou seja, nem uma obra de apelo popular amplo, nem uma produção independente menor -, “Mar de Dentro” busca mostrar os desafios e subjetividades do processo da protagonista em tornar-se mãe. Neste sentido, aborda da falta de desejo pela maternidade à necessidade de lidar com pressões externas sobre a forma que deve cuidar de si mesma e do bebê, passando pelos impactos que a maternidade causa no trabalho e vice-e-versa.
Apesar dos desafios vividos por Manu, o filme assume uma consciência da situação confortável que a personagem vive em termos práticos e financeiros, contando com uma estrutura de apoio robusta. Ao descobrir que a mais jovem entre as duas babás que contrata é também mãe, a protagonista abre espaço para que seja possível uma bem-vinda reflexão sobre classe e privilégio, ainda que o assunto não seja mais aprofundado depois.
Ao abarcar de uma só vez muitas possibilidades narrativas que partem do tema central, o longa acaba por nãomergulhar de fato em nenhuma delas. Mesmo assim, algumas dessas pinceladas se destacam entre as outras, como a reflexão da personagem sobre privilégios e também a naturalidade com que o filme registra o corpo da protagonista após o parto. Reside um pouco nisso o ponto que é, ao mesmo tempo, de fraqueza e de força de “Mar de Dentro”.
Mostra SP
Quando: até 4 de novembro Onde: filmes disponíveis na Mostra Play Quanto: cada filme custa R$ 6. É possível adquirir somente por cartão de crédito com bandeiras Visa ou Mastercard. Cada longa comprado fica disponível na biblioteca do usuário por até três dias e, a partir do momento que se comece a assisti-lo, são 24 horas para terminá-lo Mais informações:www.44.mostra.org
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