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Novo drama da cineasta Eliza Hittman encontra delicado equilíbrio entre acolhimento e crueza
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Novo drama da cineasta Eliza Hittman encontra delicado equilíbrio entre acolhimento e crueza

"Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre" acompanha trajetória de amadurecimento de maneira honesta e atenta
Tipo Opinião
'Nunca Raramente Às Vezes Sempre', de Eliza Hittman (Foto: reprodução)
Foto: reprodução 'Nunca Raramente Às Vezes Sempre', de Eliza Hittman

A cineasta independente Eliza Hittman tem uma carreira ainda curta, mas já reconhecida e marcada por autoralidade. Em apenas três filmes - "Parece Amor" (2013), "Ratos de Praia" (2017) e "Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre" (2020) - conseguiu alcançar público, crítica e premiações de audiovisual. Mais importante, vem desde o primeiro longa construindo um cinema preciso, honesto e atento, que lança olhares acolhedores para uma juventude às vezes desgarrada. O mais recente lançamento da diretora é um elogiado drama que acompanha o percurso de duas jovens de 17 anos em busca de um aborto seguro. O longa está disponível no aplicativo e na programação da Telecine.

"Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre" estreou no Festival de Berlim de 2020, pouco antes da pandemia, de onde saiu vencedor do Grande Prêmio do Júri, espécie de "segundo lugar" do evento. Na trama, Autumn (Sidney Flanigan) e Sklyar (Talia Ryder) moram numa região rural dos EUA e, após a gravidez indesejada da primeira, vão juntas a Nova Iorque em busca de ajuda médica.

A trama é desenvolvida por Eliza de maneira que pode parecer, a partir de determinado olhar do público, sem profundidade, envolvimento ou até emoção. No entanto, de forma econômica, o longa aposta justamente na desafetação para destacar aspectos complexos daquele contexto.

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O protagonismo da obra é de Autumn, retratada como uma jovem introvertida, calada e afetada de diferentes formas pelo machismo e a misoginia que a rondam na cidade natal, na Pensilvânia, sendo assediada por colegas de escola e convivendo com um padrasto bruto.

"Never Rarely Sometimes Always" levou o Urso de Prata de Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim
Foto: divulgação
"Never Rarely Sometimes Always" levou o Urso de Prata de Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim

Com a descoberta da gravidez da protagonista, o roteiro do filme não busca especificar ou precisar contextos, culpados ou motivações, evitando o caminho dramático que poderia ser mais esperado. O interesse da trama é, na verdade, pelas consequências - concretas e simbólicas - daquele momento na vida da jovem.

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Assim que recebe a notícia que está grávida, Autumn decide colocar um piercing e fura o nariz em casa. É uma atitude que pode aparentar ser aleatória, mas ajuda a construir o universo subjetivo da personagem, apontando para a confusão do processo de amadurecimento pelo qual precisa passar.

De forma frontal, quase seca, a trama se encaminha, então, para o percurso que Autumn precisará tomar para lidar com a gravidez. Um aspecto central da obra reside na presença de Skylar. O percurso é feito pelas duas, que nutrem uma relação honesta, presente e forte.

Dirigido e escrito por Eliza Hittman, o longa equilibra uma abordagem quase crua e fria com momentos de maior afeto
Foto: reprodução
Dirigido e escrito por Eliza Hittman, o longa equilibra uma abordagem quase crua e fria com momentos de maior afeto

Esta relação, ressalte-se, não é retratada de maneira romantizada ou incondicional. Há faíscas entre as duas, mas há também o tão necessário apoio irrestrito - cuja representação se estende ao longo do filme, ainda, para as sequências com as integrantes das equipes médicas que atendem e acolhem Autumn.

As dinâmicas entre as personagens e entre elas e os coadjuvantes são bons exemplos do modo com que a cineasta desvela e configura o ponto de vista em seu cinema. Há, sim, um aspecto de realismo intrínseco ao olhar lançado, uma quase crueza, mas sem deixar de abrir-se para momentos de maior afeto, delicadeza.

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Sequências como a que a protagonista realiza um exame necessário ao processo médico e a câmera faz um simples e singelo movimento que vai da barriga dela ao rosto e, depois, ao céu azul exemplificam o complexo, delicado e preciso equilíbrio operado pelo filme entre secura e acolhimento, o específico e o geral. São marcas não somente do filme, mas da obra da cineasta.

Os outros longas

Parece Amor
Longa de estreia da cineasta, foi lançado em 2013 e acompanha as férias de verão da adolescente de 14 anos Lila (Gina Piersanti), que se sente solitária e deslocada. Uma de suas únicas amigas é Chiara, mais extrovertida e experiente. Espelhando-se nela e disposta a emular um comportamento mais livre, Lila busca se aproximar romanticamente de um rapaz mais velho. O foco na trama é o mesmo limbo de amadurecimento retratado no mais recente longa da diretora. Com uma protagonista que se encaixa perfeitamente na representação fronteiriça entre a pré-adolescência e a maturidade, o filme mergulha em temas como o florescer da sexualidade.

Ratos de Praia
Lançado em 2017, o segundo longa da cineasta segue analisando as interseções entre juventude e sexualidade. Na produção, Frankie é um jovem de 19 anos sem objetivos que convive com uma família complicada, amigos preconceituosos e uma possível namorada. Intimamente, ele luta com questões de identidade e, escondido de todos, tem encontros sexuais com homens mais velhos que conhece pela internet. O drama debate masculinidades, opressão, repressão e, de novo, amadurecimento.


Onde encontrar os filmes

Nunca Raramente Às Vezes Sempre
Onde ver: Telecine

Ratos de Praia
Onde ver: Netflix

Parece Amor
Onde ver: Mubi

Foto do João Gabriel Tréz

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