Oscar 2021: "Mank" faz retrato desencantado da Hollywood dos anos 1930
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Na Hollywood dos anos 1930, Herman J. Mankiewicz, um roteirista alcoólatra e mordaz, é contratado para trabalhar no roteiro de um filme enquanto precisa lidar com o próprio temperamento, as consequências do alcoolismo e as relações de poder da indústria cinematográfica. "Mank", de David Fincher, cumpre diversos requisitos do nicho de filmes que autorreferenciam o universo hollywoodiano, grupo que costuma se dar bem no Oscar. Apesar de ser a produção com mais indicações neste ano - são 10, no total -, o longa perdeu tração e tem mais competitividade em categorias técnicas pontuais.
O nível da referência cinematográfica da produção original Netflix é dos maiores: a obra na qual o protagonista trabalha é o clássico "Cidadão Kane", de Orson Welles. Muito da inspiração principal de "Mank" vem de uma versão da história que questiona a participação efetiva de Welles no roteiro, já que ele e Mank dividem não apenas os créditos do trabalho, mas também a vitória na categoria do Oscar de 1942 - a única estatueta da carreira de Welles, ressalte-se.
Apesar deste ponto de partida, o longa não se limita a "opinar" sobre a controvérsia, mas a utiliza para abordar outros pontos. O recorte biográfico da trajetória de Mank destaca não somente a face profissional, mas em especial as aproximações entre esta e a intimidade do roteirista - que, na época, já vinha sofrendo com as consequências dos vícios.
Ele é retratado como um homem machucado por escolhas próprias, crítico de diversas estruturas e hipocrisias presentes na indústria da época, mas também fruto delas. O local complexo do personagem agrega uma maior profundidade, mas a especificidade do contexto se torna um empecilho.
Isso porque o drama demanda do público certo repertório sobre a Hollywood da época, e não somente em relação a referências das produções cinematográficas, mas principalmente de figuras históricas que detinham o poder, além das relações e jogos políticos que se desenrolavam então.
Ainda que seja possível apreciar o filme pela linha narrativa mais "humana" do protagonista, com caráter peculiar e crítico, há uma constante sensação de distanciamento por conta das constantes referências que a produção lança mão.
A junção da necessidade de reconhecer fatos e pessoas com o olhar mais cínico e desencantado do filme com a indústria afastam "Mank" dos outros exemplos recentes que apostam na autorreferenciação. Nas últimas dez edições do Oscar, há exemplos que vão dos vitoriosos "O Artista", "Birdman" e "Argo" aos indicados "A Invenção de Hugo Cabret", "La La Land" e "Era Uma Vez Em... Hollywood".
Uma constante entre elas é, diferentemente de "Mank", o olhar mais celebratório e quase mágico sobre a indústria - presente de forma mais flagrante entre os filmes supracitados em "O Artista" e "Hugo Cabret". Até "Birdman", que tem um perfil mais mordaz e irônico sobre a indústria, traz contrapontos à maior crueza de "Mank".
A forma mais opaca, crítica e até cerebral com que Fincher destrincha Hollywood pode, talvez, ter afastado o público de um envolvimentomaisemocional com a história. Até a própria indústria e o Oscar, apesar do reconhecimento em 10 categorias, parecem não se relacionar totalmente com o ponto de vista, já que o filme tem sido reconhecido, mas não premiado.
Chama atenção, ainda, que um filme justamente sobre um roteirista tenha falhado em conseguir indicação por Melhor Roteiro Original, o que abalou a força da obra na corrida. As chances maiores de "Mank" estão mesmo nas indicações técnicas, mas até nelas a concorrência pode dificultar o caminho para as vitórias.
Mank
Já disponível na Netflix
Indicações comentadas
Melhor Filme Apesar de ser um drama biográfico, sobre cinema e dirigido por um cineasta cultuado, “Mank” viu sua chances se esvaziaram com o decorrer da temporada de premiações. O filme não chega nem a ser um dos quatro com chances concretas de vitória
Melhor Direção Único indicado deste ano que não é estreante na categoria, David Fincher - assim como o próprio filme - não está entre as principais apostas de ganhar o troféu aqui. A disputa concentra-se em Chloé Zhao (“Nomadland”), Lee Isaac Chung (“Minari”) e Emerald Fennell (“Bela Vingança”)
Melhor Ator Se Gary Oldman era visto como um potencial vencedor antes da temporada de premiações engrenar, hoje é o menos competitivo da categoria, que tem em Chadwick Boseman o favorito. Além disso, Oldman é vencedor recente, tendo levado o troféu em 2018 por “O Destino de uma Nação”
Melhor Atriz Coadjuvante Amanda Seyfried não ganhou nenhum dos grandes prêmios prévios da temporada, apesar de já ter sido considerada potencial favorita da categoria. A disputa, porém, ainda está em aberto e o resultado podem surpreender
Melhor Direção de Arte O reconhecimento da parte técnica de “Mank” foi amplo e essa é a chance mais concreta de vitória do filme, uma produção grandiosa e de época. O detalhamento e o apuro histórico da direção de arte no longa fazem dele um favorito
Melhor Fotografia Fotografias em preto e branco são constantemente vistas como "Oscarizáveis" na premiação. Nesta disputa, “Mank” pode sair vencedor, apesar das chances também fortes de “Nomadland”, por exemplo
Melhor Som Apesar do reconhecimento na categoria, “Mank” não tem grandes chances por conta do embate mais focado em dois favoritos, “O Som do Silêncio” e “Soul”
Melhor Trilha Sonora A situação aqui é curiosa: Trent Reznor e Atticus Ross, responsáveis pela trilha de "Mank", devem perder... para si mesmos. A dupla co-assina, com Jon Batiste, a trilha de "Soul", franca favorita da categoria
Melhor Maquiagem e Cabelo O trabalho em “Mank” é preciso na representação de época, mas o favoritismo também não é da produção. “A Voz Suprema do Blues” e “Era Uma Vez Um Sonho” despontam neste sentido
Melhor Figurino Mais uma categoria onde “Mank” perdeu favoritismo para “A Voz Suprema do Blues”, apesar do trabalho preciso e notável
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