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Adaptação de livro de Jojo Moyes joga com subgêneros do filme de romance
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João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.

João Gabriel Tréz arte e cultura

Adaptação de livro de Jojo Moyes joga com subgêneros do filme de romance

Melodrama e comédia romântica se interligam em "A Última Carta de Amor", que conta duas histórias românticas separadas por mais de 50 anos
Tipo Opinião
Shailene Woodley protagoniza a porção de época do novo longa da Netflix (Foto: Parisa Taghizadeh/NETFLIX)
Foto: Parisa Taghizadeh/NETFLIX Shailene Woodley protagoniza a porção de época do novo longa da Netflix

O êxito da adaptação cinematográfica "Como Eu Era Antes de Você" (2016), vinda do romance homônimo da autora Jojo Moyes, poderia ter aberto espaço para inúmeras outras obras da britânica chegarem ao formato. No entanto, é somente agora, cinco anos depois, que um novo livro de Jojo ganha versão para o cinema. Com muitas das qualidades do antecessor, "A Última Carta de Amor" traz uma trama multitemporal que entrecruza não somente paixões de diferentes tempos, mas também diferentes tons e abordagens. Com Shailene Woodley e Felicity Jones como protagonistas, respectivamente, das porções de época e contemporânea da produção, a obra - dirigida por Augustine Frizzell - está disponível na Netflix.

A primeira interpreta Jennifer Stirling, uma socialite casada com um rico industrial que, em 1965, retorna ao lar após um período fora para se recuperar de um acidente. Já a segunda é Ellie Haworth, uma jornalista recém-separada que tem problemas com compromissos afetivos. A vida das duas se aproxima quando Ellie, ao visitar o arquivo do jornal para a apuração de uma matéria, encontra uma carta de amor destinada a Jennifer datada dos anos 1960. Interessada pela relação que está por trás das palavras da correspondência, ela decide se debruçar em descobrir mais sobre a paixão entre a mulher e o misterioso remetente que assina como Boot.

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O mistério em relação à carta intriga não somente a Ellie, mas também à própria destinatária. Isso porque o acidente que Jennifer sofreu deixou como sequela a perda de memória, levando ela a não se lembrar o que fazia ou até com quem estava no ocorrido. Ao retornar para casa, perdida sem as lembranças e se questionando se era feliz, encontra a carta romântica escondida em um livro e passa a, ela mesma, também se debruçar em desvendar a própria relação.

A ligação dos dois tempos narrativos no início se sugere mais complexa, com o desenvolvimento de um ajudando no do outro, em um quebra-cabeça envolvente de se acompanhar. Apesar dessa potencial "investigação" misteriosa, o filme não aposta muito neste caminho.

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Ao invés de seguir com a ideia de quebra-cabeça proposta de partida, ele passa - cedo demais - a utilizar-se de flashbacks, fazendo com que as memórias que Jennifer perdeu e tenta recuperar sejam entregues ao público antes. É um senão, mas não desabona a obra.

Diferentemente, para certa parte do público, do caráter óbvio da história. Apesar de serem - com certa justiça - vistas como histórias já contadas e recontadas, porém, as adaptações das tramas de Jojo Moyes ao cinema conseguem trazer emoção, envolvimento e até pequenas "subversões".

Quando a jornalista Ellie Haworth (Felicity Jones, à esquerda) encontra uma série de cartas românticas dos anos 1960, ela parte com o arquivista Rory (Nabhaan Rizwan) em busca de mais informações sobre o caso(Foto: STUDIOCANAL / NETFLIX)
Foto: STUDIOCANAL / NETFLIX Quando a jornalista Ellie Haworth (Felicity Jones, à esquerda) encontra uma série de cartas românticas dos anos 1960, ela parte com o arquivista Rory (Nabhaan Rizwan) em busca de mais informações sobre o caso

Elencar referências e comparações a uma obra pode ser um caminho ingrato, já que não necessariamente houve intenção naquela aproximação temática ou estética, bem como certos elementos são tão repetidamente utilizados que se encontram no limite entre o referencial e o formulaico.

Posto isso: sim, histórias de amor envolvendo cartas trocadas ou extraviadas não são novidades - estando presentes não só em célebres romances recentes como "Diário de Uma Paixão" (2004), "A Casa do Lago" (2006), "P.S. Eu Te Amo" (2007), "Cartas Para Julieta" (2010) e "Para Todos os Garotos que Já Amei" (2018), mas também no delicado e divertido "A Loja da Esquina" (1940), de Ernst Lubitsch - e, sim, Ellie poderia ser do mesmo universo de Lou, protagonista de "Como Eu Era Antes de Você".

Além disso, sim, já são "clássicas" tramas como aquela em que uma pessoa presa numa relação problemática encontra a liberdade em um caso ou como uma na qual um relacionamento é marcado por diferenças sociais - citem-se "Desencanto" (1945), "Sabrina" (1954), "Love Story - Uma História de Amor" (1970) "Carol" (2015) e "Azul é a Cor Mais Quente" (2018).

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A lista de exemplos é potencialmente interminável, mas isso não é algo que, em si, enfraqueça "A Última Carta de Amor". Em verdade, uma das forças do longa está justamente no cruzamento de diferentes subgêneros de um filme de romance, referenciando elementos e construções fundantes de cada abordagem citada.

Se o caráter desajeitado e pouco afeito a compromisso de Ellie está mais acercado a uma comédia romântica contemporânea, os dramas de Jennifer ecoam melodramas de David Lean ou Douglas Sirk.

O uso de cores no segmento de época, inclusive, pode não ter o brilho daquele empreendido por Todd Haynes nas incursões pelo melodrama - como o já citado "Carol" e "Longe do Paraíso" (2004), que revisita "Tudo o que o Céu Permite" (1955), de Sirk -, mas é empolgante ver que a diretora teve, ali, uma escolha estética bem referenciada.

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Arrisco, até, mais uma aproximação - ainda que essa seja de um filme que dificilmente foi de fato levado em conta como inspiração. “A Última Carta de Amor” ecoa, em momentos-chave específicos, o drama “Corações Desertos” (1985), de Donna Dietch. Nele, uma professora de literatura conservadora e recém-divorciada se muda para uma cidadezinha onde conhece e se aproxima de uma jovem lésbica livre e espirituosa.

Nos dois filmes, sequências dramáticas centrais ocorrem em situações semelhantes: a primeira delas, num passeio de carro interrompido por uma chuva torrencial; a segunda, em uma estação de trem na qual a subida ou não da pessoa amada no transporte leva a uma excitante dúvida. Obra fora do cânone, o filme de Donna Dietch não deve ter sido inspiração direta - caso tenha sido, seria uma grata surpresa -, mas as ligações entre os momentos descritos nos dois longas é uma aproximação positiva a ser feita - e, avançando na conexão, é até possível interligar as produções pela forma com que lidam com os tempos, uma vez que a mais recente tem duas linhas temporais e a mais antiga sobrepõe elementos que fazem dela algo atemporal.

Posto este panorama, é possível afirmar, então, que apesar dos caminhos clichês, mas muito por conta dos elementos clichês, "A Última Carta de Amor" se sobressai dentre os romances recentes. Cada passo é facilmente antecipável, mas o charme e o envolvimento emocional neles eleva o caminho percorrido.

A Última Carta de Amor

Já disponível na Netflix

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