32º Cine Ceará: premiados do Troféu Samburá exploram campo do "entre"
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
32º Cine Ceará: premiados do Troféu Samburá exploram campo do "entre"
Seleção de curtas brasileiros do 32º Cine Ceará — incluindo vencedores do Troféu Samburá, comenda entregue pelo O POVO no evento — reforça potência das fissuras
O que está entre a imobilidade e o movimento? Entre a ausência e a presença? A compreensão e a incompreensão? A crueza e o fabular? Em diferentes níveis e abordagens, a seleção de curtas brasileiros do 32º Cine Ceará - Festival Ibero-Americano de Cinema construiu um panorama interessante das múltiplas possibilidades que residem nas fissuras. Os dez filmes apresentados disputaram o Troféu Samburá, concedido pela Fundação Demócrito Rocha e pelo O POVO na cerimônia de encerramento do festival, ocorrida na última quinta, 13.
Vistos e discutidos por um júri presidido por mim e formado pelo jornalista do O POVO André Bloc, a diretora de criação audiovisual do O POVO Luana Sampaio, a artista e jornalista Luiza Ester e a pesquisadora e jornalista Bruna Forte, os filmes despontaram, enquanto conjunto, justamente pela força do que reside no "entre". A curadoria deste ano foi assinada pelo jornalista do O POVO e presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema Arthur Gadelha.
Destrinchar processos de deliberação e construção de pensamento do júri não é o foco aqui, mas vale ressaltar, de partida, as justificativas do grupo para as escolhas dos vencedores do Troféu Samburá.
O prêmio de Melhor Direção foi entregue para o documentário mineiro "Camaco", dirigido por Breno Alvarenga, "por retratar uma luta de classes que se dá pela linguagem a partir de escolhas inventivas da própria linguagem do cinema".
Já o prêmio de Melhor Filme consagrou a ficção alagoana "Infantaria", de Laís Santos Araújo, "pelo trabalho de fronteira entre o lúdico e a crueza, o fantástico e o real, a infância e a vida adulta".
"Camaco" se deixa desvendar aos poucos, de forma fluida. A abertura traz elementos não totalmente compreensíveis, mas cujo mistério mais envolve do que afasta. O que mais se destaca entre eles são falas em off que, na escuta, soam no limite do ininteligível e aparecem legendadas.
O curta de Breno é, enfim, sobre uma fala criada por operários de minas em Itabira (MG) como forma de estabelecer uma comunicação que fosse também resistência, impossível de ser compreendida por quem de fora ouvisse os trabalhadores. A subversão na fissura da língua.
Mesclando depoimentos mais tradicionais — e bem filmados — com uso de imagens de arquivo e níveis de fabulação, "Camaco" fala uma história que é de antes e também de hoje sobre linguagem, resistência, exploração, classe, natureza.
No dialeto apresentado no filme, as novas palavras vêm do português, mas alteram a ordem das sílabas em lógica própria. Neste embaçamento da linguagem, a mudança das sílabas vem para mudar a ordem das coisas.
"Infantaria", por sua vez, se desenvolve quase que totalmente dentro do "entre". O filme de Laís acompanha, como que por um olhar pela fechadura, uma família que tem uma festa de aniversário atravessada por uma presença exterior.
Joana, a aniversariante, é uma menina que "quer virar mocinha". Dudu, o irmão mais velho, ainda é uma criança, mas, na ausência do pai e na busca por encontrá-lo de qualquer forma, emula certo estereótipo dito masculino.
A mãe dos dois tenta equilibrar os desejos da prole com as próprias questões e, ainda, com as de Verbena. Na transição entre a infância e a adolescência, a menina se soma à família de forma misteriosa, presente sem ser convidada.
Os personagens — cujas interpretações são um aspecto que merece ser destacado em si — são acompanhados por um olhar perto/longe, que traz sensação de proximidade, intimidade, mas também distanciamentos, não-ditos. O trabalho de cores, os enquadramentos, os planos, a direção de arte, tudo contribui para um filme de ritmo e tom que apostam em outra lógica.
Há sugestão de fantasia, há ludicidade, mas também há concretude, realidade. O encontro das abordagens não cria contradição, mas sim ambivalência, reforçando na forma o destaque que o conteúdo dá ao campo do "entre". Mistério narrativo sempre há de pintar por aí, mas o comando preciso e leve de Laís dá a "Infantaria" uma profundidade que desponta além do racional.
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