Novo filme de Martin Scorsese busca humanidade em meio à exploração
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Novo filme de Martin Scorsese busca humanidade em meio à exploração
Novo longa de Martin Scorsese, "Assassinos da Lua das Flores" desvela diferentes jogos de poder em obra densa que aborda uma série de mortes de indígenas Osage, nos EUA
A partir da descoberta no início do século XX de petróleo em território pertencente aos Osage, um dos povosnativos do Estados Unidos, os indígenas da região passaram a receber volumosos recursos em dinheiro. A virada de poder naquele contexto social é o mote histórico e narrativo de "Assassinos da Lua das Flores", novo filme de Martin Scorsese. Adaptação de um livro baseado em um caso real, o longa protagonizado por Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone elabora os impactos da exploração capitalista na realidade daquele povo.
Um dos impactos concretos, que dá base à trama principal, é a série de mortes e desaparecimentos de dezenas de Osage nos anos 1920. Investigações sobre o caso pouco se aprofundavam, cenário que só mudou com a entrada do então recém-criado, mas hoje reconhecido, Federal Bureau of Investigation (FBI).
O processo investigativo é o tema do livro "Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI", escrito por David Grann e que deu origem ao roteiro do longa. Scorsese e Eric Roth, que assinam a adaptação, no entanto, optaram por não centrar especificamente na investigação.
Tal escolha, inclusive, abre mão de qualquer "mistério" em relação à culpa dos crimes, uma vez que desde o início a obra é explícita em indicar quem são os responsáveis pelas mortes — e, ainda, pelos processos de manipulação e extorsão especialmente de mulheres Osage.
Ao longo de expressivos 206 minutos, o longa se propõe a abarcar diversos períodos deste contexto, indo das circunstâncias que levaram ao enriquecimento dos Osage àquelas que resultaram nos crimes, alcançando ainda as buscas por descobrir os culpados e responsabilizá-los.
O fionarrativo que "Assassinos da Lua das Flores" encontra para desvelar esse extenso panorama é a aproximação entre o jovem branco Ernest Burkhart (DiCaprio) e a indígena MollieBurkhart (Lily Gladstone). Ele chega à região para morar com o tio, William Hale (Robert De Niro), um poderoso e querido magnata da região cuja relação com os Osage parece ser próxima e respeitosa.
Por sugestão do parente, Ernest passa a trabalhar como motorista de Mollie. Ela, assim como a mãe idosa e as três irmãs, detém o direito a uma grande quantia de dinheiro por conta dos royalties de petróleo. Entre um genuínointeresse na mulher em si e outro nas possibilidades de ganhos financeiros — fato muito estimulado pelo tio —, ele passa a tentar conquistá-la amorosamente.
As ações de Hale e Ernest se juntam a toda uma estrutura de exploração dos Osage e das riquezas do povo, uma vez que o esquema orquestrado inclui diferentes instâncias de poder, de médicos a agentes da lei, que agem em prol de mantê-la.
A partir do olhar lançado ao processo histórico de enriquecimento do povo e os consequentes impactos de ordem econômica e humana nos nativos, "Assassinos da Lua das Flores" ressalta o quão incrustados no tecido social são aspectos como o patriarcado, o colonialismo e a branquitude.
Ainda que os Osage detivessem o poderio econômico naquele contexto de forma inegável e reconhecida, os esforços em prol da manutenção das estruturas ditas "naturais" — ou seja, que entendem a figura do homem branco como "superior", em subjugação de qualquer “outro”— operaram de maneira precisa contra mudanças sociais efetivas.
De certa maneira, a forma como o longa de Scorsese escancara essas movimentações, de forma densa, chega a ser incômoda, por vezes parecendo privilegiar o protagonismo das figuras exploratórias em detrimento das possibilidades de narrativas que destacassem a agência dos Osage.
Tal construção, porém, não é uma defesa feita pelo filme, mas sim uma representação do estrangulamento que estes agentes e estruturas historicamente poderosas impõem até hoje.
Em meio à tanta desumanidade flagrante, o longa busca trazer bem-vindos respiros que surgem justamente da humanidade e dignidade carregadas em Mollie — destaque inegável da obra por conta do retrato de contenção de Lily Gladstone, unindo força e delicadeza em gestos, tons e olhares — e nas representações de crenças, culturas e rituais dos Osage.
Sem entrar em detalhes, é possível destacar que a sequência final da obra — que de certa forma reposiciona o longa em termos de estrutura — se soma à essa busca por humanidade. Ainda de forma crua, "Assassinos da Lua das Flores" lembra que, diferentemente da máxima, a História por vezes não cobra dos algozes. Cabe, então, lembrar, respeitar e visibilizar os subjugados na intenção de que reparações históricas, enfim, se cumpram.
Assassinos da Lua das Flores
De Martin Scorsese
206 minutos
Quando: estreia nesta quinta-feira, 19
Onde: sessões disponíveis no site Ingresso.com
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