
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Danilo Fontenelle Sampaio é formado em Direito pela UFC, mestre em Direito pela mesma Universidade e doutor em Direito pela PUC/SP. É professor universitário, juiz federal da 11ª vara e escritor de livros jurídicos e infanto-juvenis
Existem alguns assuntos difíceis de tratar. A maioria das pessoas sequer aceita que certas coisas aconteçam. Preferem não saber, muito menos se aprofundar na realidade. Vou tentar falar de um deles. Sei que é desconfortável. Mas leiam até o fim. Não podemos mais ignorar nem fingir não existir. O mal aqui é nominado, e diz respeito a ameaças diabólicas que atingem nossas crianças atualmente.
De uns tempos para cá, infelizmente, uma cena tem voltado a se repetir em nossa Cidade: crianças, com ou sem pais, pedindo esmolas. São pequenos e pequenas de todas as idades. Alguns ainda mal conseguem se equilibrar, mas permanecem nos canteiros, de fraldas sujas e catarro escorrendo, enquanto os irmãos estendem as mãos por entre os corredores de carros.
É difícil aceitar que, mesmo com tantos programas sociais, consciência coletiva sobre escola em tempo integral e creches de apoio, além de políticas de incentivo ao microempreendedorismo — ainda que isso considere, para fins estatísticos, um fogareiro de milho ou um isopor com água —, crianças sejam submetidas a tais condições degradantes.
Conversando com pessoas envolvidas no apoio social, ouvi relatos ainda mais densos. Dizem que nem todas as crianças nos braços de adultos pedintes são realmente deles. São “alugadas” pelos próprios pais, para comover os transeuntes.
Alguns me falam em tom de confissão. Perguntam se sei como essas crianças conseguem dormir ali, famintas, sedentas, sob o barulho do trânsito, respirando fuligem, em pleno sol cearense.
Não sei. Pedem que eu compare com nossos bebês, que choram se o ar-condicionado dá um estalo. Fico ainda mais confuso. Queira Deus que a resposta que me deram não passe de alguma tese conspiratória.
Mas temo que seja verdade: esses bebês não estão dormindo. Estão dopados com cachaça, para não darem trabalho a quem os usa.
Vivemos, também, outra realidade que muitos pais sequer imaginam. Há uma verdadeira epidemia de violência sexual contra crianças e adolescentes — seja por agressões físicas, seja por abusos virtuais, extorsões, exposições indevidas, pedofilia.
Para o espanto de muitos, aquele filho que nunca sai do quarto, que passa horas no computador, pode estar sendo vítima de abusos invisíveis. E o pior pode acontecer: o próprio filho ou filha pode ser o autor desses abusos, como integrante de grupos que os praticam.
Agora imagine a combinação dessas duas realidades: criança pobre, negligenciada, explorada e abusada sexualmente. Muitos se dizem ateus. Alegam que o mal — ou o Diabo — não existe. Mas “diabolos”, em grego, vem de dia = "através, separar" + ballein = "lançar".
É o que separa, o que rompe. O diabólico é o princípio da desunião, da quebra da harmonia. É a força que fragmenta, que promove o caos, que desvia do bem.
Creio poder dizer que, para essas crianças nas esquinas, violentadas em seus direitos mais básicos — alimentação, educação, saúde, proteção —, bem como para aquelas exploradas sexualmente, vivemos em uma sociedade fragmentada e desunida. E o mundo que lhes oferecemos, sim, é um mundo diabólico.
Sei que isso incomoda. É pesado. Admitir que nossas omissões são diabólicas não é nada agradável.
Mas tenho esperança. Podemos, de diabólicos, nos tornar simbólicos. “Simbólico” vem de sym = “juntos” + ballein = “lançar”. É o que une. É o que faz sentido. É o que conecta.
Podemos reagir. Podemos cobrar mais dos órgãos públicos. Exigir mais do que promessas. Ser mais ágeis nas investigações. Mais produtivos nos processos. Podemos acompanhar. Proteger. Estar mais presentes na vida dos nossos filhos. Tudo isso podemos fazer. Mas só se estivermos juntos.
Dizendo e sendo “sym” — lançando-nos juntos, transmutando o visível no invisível que o amor revela. E tornando o imaginário de uma sociedade humana numa realidade profundamente divina.
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