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Uma longa segunda onda
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Uma longa segunda onda

Tipo Crônica
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Aqui, do 14º, entre dramas e um idiota a berrar que tudo é "mimimi", parte de meu ouvido não escuta. E talvez eu morra e nunca vá saber se foi mesmo a porqueira da covid, ainda em março do ano passado, que violentou até o ouvir.

Tem cura, me acalenta o médico, mas só depois que a morte se der por vencida nos hospitais entupidos de desesperos. É porque um bando de bocó desdenha do morto que não é dele, do enterro que ele não chora.

Uma parte de mim é asa, outra parte diz que é para ficar. Não é arte, é o sono sem dormir, a matéria por fazer, a transa para rasgar, o dinheiro que tem de se ganhar, o supermercado e um monte de gente pedindo uma ajuda, pão e álcool.

O povo que nem Netflix tem para escapar da noite mal dormida, da casa desarrumada porque não têm casa, do frio da Praça do Ferreira e a meladeira do lixo no Centro com a chuva boa para quem tem cama.

É um Poema Sujo esse tempo torturando, militares embaçando e a pandemia sem vacina. Um magote de Gullar preso nele mesmo, exilado de qualquer abraço no meio de um Argentina sem forró.

Turvo turvo / a turva / mão do sopro / contra o muro / Escuro / menos menos / menos que escuro / menos que mole e duro / menos que fosso e muro: menos que furo / escuro / mais que escuro: claro ... 

Pelo zap, Raquel me diz que Carol está há 24 horas a procura de um médico para fazer uma visita particular a um familiar internado em uma UTI. A moça entrou em contato com 23 doutores. Ninguém consegue nem se mexer de tantos doentes.

 

Está escrito, infelizmente, no boletim epidemiológico da primeira semana deste março que mal começou e já estamos sem juízo, a previsão do por vir é de uma "longa segunda onda". Em progressão que, agora, tende a um padrão de propagação exponencial

 

Os médicos que responderam pedem desculpas. Minha querida, acompanharia sim, mas nesse momento não tenho a menor condição de assumir novos casos. Infelizmente, me perdoe! Todo respeito aos profissionais de saúde que estão enfrentando uma queda, em sequência, de boeings.

Fico sabendo também da morte de tio Dandão, um pescador bacana de Parajuru. Não teria sido por Covid, mas em Beberibe o hospital mandou que voltasse para casa porque estava lotado de pandemia. Voltou, continuou passando mal e padeceu.

 

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São muitos desesperos. Só sabe quem é ruminado pela contaminação. Do jornal, um casal esperando o terceiro filho teve de fazer a filha nascer aos oito meses. Ou morria a bebê ou morreria a mãe sem fôlego. Pela escolha de Sofia, escaparia a mãe. Por sorte, milagre e perícia, as duas escaparam depois de dias entre lá e cá.

Está escrito, infelizmente, no boletim epidemiológico da primeira semana deste março que mal começou e já estamos sem juízo, a previsão do por vir é de uma "longa segunda onda". Em progressão que, agora, tende a um padrão de propagação exponencial.

Ave, Maria! Reclamaria minha mãe Edmar se lesse o texto de hoje. Cadê aquela história que você me contou da moça que tem um berçário de mudas de ipês e vive de reflorestar a Cidade?

E aquela outra que vive de anotar o nome das pessoas em cadernos para rezar pelo fim das aflições delas? Tem também aquele poeta do Pantanal, que diz que o orgulho de uma árvore é ser escolhida como a casa do pássaro? Escreve sobre eles, menino! Chega de tanta coisa...

 

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