Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Meu modo de espera vive ativado. Uma encruzilhada, se me lembro, que vem desde quando compreendi alguns espíritos dentro de casa e no meio da rua. Coisas até bestas, mas foram tendo importâncias nos anos acabados e começados.
Meu avô vindo, final da tarde, da Rua. Do Centro da Cidade. Caminhando alinhado dentro de um paletó que o fazia elegante no calçamento. Gente de paletó, se não fosse crente e uma Bíblia, era meu avô arrumado para os compromissos.
Trazia dois pães d'água e dois sovados enrolados em um papel de embrulho e amarrados por um cordão. Meu avô desejava ser fartura numa casa de seis crianças, uma mãe, uma avó, uma bisavó, meu pai e gente que entrançava do interior.
Esperava sempre algo surpreendente. E ele trazia pão, café e uma tarde. Agrados na volta da conversa com os aposentados da Praça do Ferreira.
Aprendi a espreitar as goiabadas do quintal. Primeiro são flores (florzinhas plic plic), virarem botões, incharem verdes, choviam nelas e amadureciam bichonas
Fabulavam sobre os aumentos que os governadores, todos os anos, prometiam. Viviam esperando dias melhores durante e depois da ditadura.
Aprendi a espreitar as goiabadas do quintal. Primeiro são flores (florzinhas plic plic), virarem botões, incharem verdes, choviam nelas e amadureciam bichonas. E vi que os outros também aguardavam.
Passarinhos, lagartas, formigas, borboletas, soins, os vizinhos e as pessoas que passavam em frente lá de casa e pediam. A gente queria vender, mamãe mandava que déssemos. Tinham goiabas para quem quisesse, vermelhas e brancas.
O ano indo, alguém me ensinou, também era possível percebê-lo pelo tempo das frutas. Não era precisava o calendários cartesiano. Quando estava dando manga e caju era novembro e dezembro. Sabíamos que era perto do Natal, fim e expectativa.
Meu tataravô foi um desses bárbaros portugueses que fugiu de alguma coisa em Lisboa e veio parar na floresta do Maranguape, antes dos 1900
Banana tinha o ano inteiro e esperávamos que descessem do sítio Pery, no Maranguape. E lá, entrávamos no tempo passado porque um casarão velho, em ruínas, tinha uma senzala no formato de corredor embaixo do chão de madeira.
Meu tataravô foi um desses bárbaros portugueses que fugiu de alguma coisa em Lisboa e veio parar na floresta do Maranguape, antes dos 1900. Todo mundo tem um tataravô bárbaro vindo da Europa. Casou-se com uma mulher da serra e não sei muito a história e os cruzamentos que deram em nós.
Sempre esperávamos algo desse passado, uma botija enterrada, mas nunca se achou. E quando me toquei, os mortos já não diziam mais coisas com coisas em conversas esquecidas. Os anos também passaram para eles.
Com alguém, não sei quem, aprendi que as segundas-feiras depois das viradas de ano são praticamente as mesmas. E sempre quis entrar num guarda-roupas e sair em Nárnia no primeiro dia do ano. Correr riscos, mas descobrir.
Não sei se tenho desejos de hoje para amanhã, a provável primeira segunda-feira de nossa ressurreição política (não estamos mortos)
Escreverei um livro. Vou ganhar na mega da virada (sem jogar). Vamos derrotar o presidente coração de torturador. Uma nova paixão vai se esparramar dentro do amor. Os filhos serão felizes. A mãe nunca será esquecida. A morte não será mais tão sem esperança na pandemia mais nova da Terra...
Não sei se tenho desejos de hoje para amanhã, a provável primeira segunda-feira de nossa ressurreição política (não estamos mortos).
Já desejo antigo que as mães da periferia não chorem mais seus filhos para policiais que matam nem para as facções criminosas.
Queria virar rico e testar se ainda seria coletivo, se ainda amaria as árvores e as dunas. Talvez não.
Queria que o Camilo e a Izolda construam uma escola exclusiva de novas chances para meninas e meninos faccionados (antes de outra chacina). Uma nova escrita.
Desejo que o pivete da esquina da Rui Barbosa com a João Carvalho tenha direito a um presidente e que lhe ofereça a possibilidade de uma infância
Desejo que o pivete da esquina da Rui Barbosa com a João Carvalho, o Batman do semáforo vermelho, tenha direito a um presidente e políticos que lhe ofereçam a possibilidade de uma infância protegida e uma existência plena.
Desejo ser menos fálico, menos macho véi ou mah.
Desejo que todo mundo transe ou faça pegação antes que o mundo se derreta.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.