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Somos filhos do boi
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Somos filhos do boi

Wagner se aliviou quando o nome escolhido foi o de Roberto Cláudio e não de Izolda Cela, afinal segue o de sempre na política. Dois machos querendo mostrar quem tem a peia maior
Tipo Crônica
2407Demitri (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos 2407Demitri

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Do machismo que nos pariu nos sertões do Semiárido para o litoral, um dia a gente descobre que somos filhos do boi. Sim, ele funda o brasileiro pós-invasões portugueses e de outros europeus salteadores.

Machos gringos que subjugaram machos indígenas, aqui já viventes, e que estupraram mulheres, roubaram terras, escravizaram negros, derrubaram florestas, traficaram bichos e impuseram uma língua que fomos obrigados a amar.

Sobre o boi, pai de todos, é porque ao redor dos currais foram se inventado as precariedades urbanas, fedendo ou cheirando à bosta de vaca e a sertania tomando outro feitio. Na faca, na marca de ferrar barbatão, na pistolagem e nos culhões dos homens machos que fundaram as cercas dos donos da Caatinga e da água.

 

Tive vontade de escrever sobre a alegria subversiva do Felipe Araújo me oferecendo samba no Abaeté e no Serpetina

 

Daí, hoje, ainda se ouvir "má", "macho", "mah" "macho véi"... Macho, deixa eu te dizer uma coisa... Macho, a doida é vagabunda demais... Mah, é putaria, fulano de tal dá o fiofó... Chora não, menino!

É sobre o machismo a narrativa, não sei se é uma crônica. Nem precisava anunciar do que trata o texto, talvez pobreza de estilo. É porque, antes deste enredo publicado, tive vontade de escrever sobre a alegria subversiva do Felipe Araújo me oferecendo samba no Abaeté e no Serpetina.

Pense, pensei. Mas, como sempre, tomei outra estrada. Não consegui parar de rodar o episódio Izolda Cela (PDT) e a obviedade do desfecho cirista. Não fui eleitor dela, votei na Maria Luíza, na Rosa, na Luizianne, na Soraya. Respeito Izolda por ela mesma e, provavelmente, pelo Paic (Programa de Alfabetização na Idade Certa).

 

Imagine Izolda, uma governadora eleita. Certeza, a educação pública não correria o risco de se militarizar como querem os capitães da família única

 

Há defeitos no Paic, mas é de longe a ferramenta mais lúdica e consequente para socorrer a herança invasora de uma educação equivocada de séculos e, o no que a minha memória alcança, as distorções da escola do tempo da ditadura militar/civil (1964-1985).

Imagine Izolda, uma governadora eleita. Certeza, a educação pública não correria o risco de se militarizar como querem os capitães da família única, armas, evangelismo, preconceitos e moralismo.

Com Roberto Cláudio (PDT) a educação política poderá ser menos machista, caso vença o Capitão Wagner? Deverá continuar do jeito que está. Mas por que ter tanto medo de uma mulher no poder, governando o Ceará sem a necessidade do pau na mesa?

 

Tenho a impressão, o bolsonarista Capitão Wagner estava se borrando por ter de elaborar discursos contra uma mulher

 

Tenho a impressão, o bolsonarista Capitão Wagner estava se borrando por ter de elaborar discursos contra uma mulher. Imaginou, sem poder chamá-la de incompetente, tentando tratá-la com a deferência do macho protetor e provedor. Com RC é uma disputa entre meninos pra provar quem tem a peia maior.

Eu teria dificuldades, o machismo é raiz ruim de arrancar. Minha família é machista, a rua da infância também. As duas escolas religiosas onde fui educado, em uma delas as freiras eram de uma congregação fundada para servir padres, bispos e outros varões da cúria.

Os padres não tinham esposas, mas as irmãs de caridade faziam a domesticália. Uma questão de vocação, ouvi a justificativa vinda ainda do tempo das invasões e das companhias de catequização.

 

Havia menino que gostava de menino, mas não podia manifestar o Diadorim. Se casariam com mulheres, lá no futuro

 

O campinho de futebol era de machos, as brincadeiras de rua eram falocêntricas. As primeiras descobertas sexuais eram de meninos tendo de ser homens e sonhando em comer meninas.

Obrigação de macho. Havia menino que gostava de menino, mas não podia manifestar o Diadorim. Se casariam com mulheres, lá no futuro. Teriam filhos e, depois, não se segurando, correriam às saunas masculinas.

Ser macho é fácil e não é. Primeiro porque é imposto ao vivente, que vem com um pau entre as virilhas, ser provedor e não brochar jamais.

 

Izolda poderia ter sido candidata à prefeitura de Sobral. Nunca foi. Só os machos de esquerda. Poderia ter sucedido Camilo Santana (PT) no final do primeiro governo dele

 

Segundo, porque é um alfabetização para a violência. Aprender a ser predador, guerrear ou viver no controle. Uma hora estoura em estupro, porrada na cara, feminicídio... Melhor desaprender e voltar para o jardim da infância.

Mais perigoso é rebentar mulher. Da roupa ao consultório médico, do casamento à governadoria. Lembrei-me, Izolda poderia ter sido candidata à prefeitura de Sobral. Nunca foi. Só os machos de esquerda. Poderia ter sucedido Camilo Santana (PT) no final do primeiro governo dele...

É! Mesmo os menos machistas serão muito machistas. Os machos "polissêmicos", dependendo da ocasião. 

 

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