Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
É constrangedor. Meninas e meninos paridos em áreas dominadas por facções criminosas já nascem com o carimbo de "suspeitos". E a mentalidade escrota ganha mais certeza quando os erês vêm negros.
A desfortuna fará, também, que passem a vida levando "baculejos" e "gerais" dos homens de coturnos. Há diferença nas abordagens feitas por comandados da Secretaria da Segurança Pública do Ceará quando o PIB do território muda.
E, sim, um PM não nasce com a ideia fixa de que os moradores do Conjunto Maria Tomázia, do José Euclides ou de outro da periferia de Fortaleza são "vagabundos".
Mas há nele, no quartel que o formou - no discurso de muitos instrutores (militares ou civis), a crença de que a "vagabundagem" é sinônimo de Pirambu, Bom Jardim e Serviluz...
"Uma pena sugerir a extinção de uma palavra. "Vagabundo" nasceu para significar "alguém que vaga", quem perambula pelo mundo sem destino. Do verbo vagar"
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A palavra "vagabundo", costumeira no elucidário policialesco e de quem se considera de família "de bem", deveria ser extinta do cotidiano das ruas, das casernas, das delegacias, do dia a dia do Ministério Público, do Judiciário, das igrejas.
É usada perigosamente no bodejar e no agir de ricos, de pobres - geralmente vítimas do uso preconceituoso do verbete, dos classe medianos, entre a direita conservadora, pelo hipócritas do centrão e até pela esquerda purista.
A adjetivação distorcida dada ao "vagabundo" e à "vagabunda" contamina o corpo fardado com uma arma nos quartos, um distintivo de "cana" e andando de viatura.
Em território de exclusão, onde o pau canta e o assassinato não é um evento extraordinário, o mal-amanhado, o feio, o molambento, o que fede encardido, o não-branco e os que têm medo da "autoridade constituída" são "suspeitos", somente, porque existem.
Uma pena sugerir a extinção de uma palavra. "Vagabundo" nasceu para significar "alguém que vaga", quem perambula pelo mundo sem destino. Do verbo vagar. "Errar" na andança livre do se deslocar ao léu, quase o mesmo poema do "flaneur".
No Maria Tomázia, Eduardo, um rapaz de 19 anos, voluntário da Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, perdeu as contas de quantas vezes tomou grito da PM no meio da favela para ser, em seguida, apalpado como "suspeito" porque o corpo dele existe entre os que não têm abonação.
É negro, pobre, fala pouco e se acostumou testemunhar as batidas do aparelho policial do governo cearense nos domínios da periferia onde nasceu. O moço pertence a uma família de gente sem ficha corrida, acabou de terminar o ensino médio e trabalha contra a fome dos outros no Grande Jangurussu.
"É quase impossível, moradores da Aldeota, do Cocó, das Dunas e do Guararapes passarem pelo mesmo vexame. E há facções por aqui também. Muita gente perigosa e abonada. Afortunada"
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Pode sim, um dia na comunidade onde vive, o menino preto levar um tiro porque meteu a mão nas calças para coçar o saco quando, por azar, uma viatura da polícia passou. Que o destino o livre enquanto a mentalidade não cambiar.
É sim. Onde as facções criminosas dominam, a cartografia é vulnerável e a existência do outro é a todo tempo arriscada. Claro, é necessário policiamento porque o Estado perdeu a maior parte do território e, feito um cão, se rodeia atrás do próprio rabo.
Precisa-se de polícia ostensiva, de inteligência e de estratégia para não ferrar ainda mais quem não tem saneamento básico, onde não há coleta de lixo nem CEP.
Quinta-feira passada, o Instagram da Secretaria da Segurança Pública do Ceará estampou imagens da Operação Opus. Uma investida necessária contra as facções criminosas no Maria Tomázia, Luiz Gonzaga e José Euclides.
O problema é que o "pente fino", sem um trabalho minucioso de inteligência policial na favela, arrasta também cidadãos para o constrangimento. O povo de lá repudiou. Apagaram as imagens, mas não pediram desculpas.
É quase impossível, moradores da Aldeota, do Cocó, das Dunas e do Guararapes passarem pelo mesmo vexame. E há facções por aqui também. Muita gente perigosa e abonada. Afortunada.
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