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Todo mundo vai namorar
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

Todo mundo vai namorar

A tentativa verborrágica de um golpe de coronéis traz inquietações mais pra frente, não agora. Ou, talvez, não. Falta é amor onde sobra mesquinhez no pós-bolsonarismo viúvo
Tipo Crônica
2506demitri (Foto: carlus campos)
Foto: carlus campos 2506demitri

Há tempos não falava com o general que me amava. Uma jornada de saudade proibida entre dois machos. Desde o 8 de janeiro, daquela picaresca tentativa de golpe em Brasília, fez-se um silêncio.

Garanto que o pé-de-coturno com quem dividi noites a ler "Cem anos de solidão" e o "Grande Massacre dos Gatos" nunca foi afeito a traiçoagens. Jamais fez tocaia. Desde quando era capitão em um dos quartéis do Exército, em Fortaleza, e eu um aluno da escola de sargentos da PM.

Nunca traiu e, se mentiu, foi por banalíssimas tolices. Quando se casou com Amina (nome fictício), e eu com Virgínia (nome verdadeiro), deixamos de ler e fabular, juntos, uma Macondo.

 

Eu minto, apenas uma vez nos reencontramos e fomos ler, todinho numa noite somente, "Mulheres", do Galeano

 

Amina sabia de tudo, Virgínia também. Sabiam que havíamos sonhado, noites e noites, quando servimos separados em casernas próximas ao açude da Ribeira dos Icós, no Cariri cearense.

Juras por "uma aldeia com vinte casas de barro e taquara, construída às margens do rio (Jaguaribe), de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos".

Eu minto, apenas uma vez nos reencontramos e fomos ler, todinho numa noite somente, "Mulheres", do Galeano. Ele já na reserva, mas politicamente ainda influente nos bastidores dos quartéis, e eu já repórter com inimizades por causa de algumas reportagens.

 

Teve uma crise de riso, também de fereza, e foi ao ponto. Rio do ridículo de coronéis da reserva e alguns bestas da ativa 

 

Antes de me de dizer o que havia o levado a refazer o contato, o general que me amava elogiou que minha integridade continuava feito o tronco do jatobá - carregado e amolegado na última estúrdia de Santo Antônio, em Barbalha. Rimos da hipocrisia alheia.

Teve uma crise de riso, também de fereza, e foi ao ponto. Rio do ridículo de coronéis da reserva e alguns bestas da ativa fazendo passar vergonha quem se formou na Academia das Agulhas Negras. Provavelmente foram péssimos alunos de estratégia e informação. 

Tão primários e verborrágicos! Você acha que o néscio do Mauro Cid, um tenente-coronel de recados, e o Jean Lawand Junior, um coronel chambão, teriam condições de organizar um golpe, que fosse, no condomínio onde moram?

É o burlesco deslumbre de quem serviu cegamente ao lanzudo do Bolsonaro com o devaneio de autoritários. O fálico machismo.

O general que me amava também chorou. Bolsonaro foi a pior coisa que aconteceu para as forças armadas no pós-ditadura de 1964-1985. Voltamos para a estaca zero da desconfiança de fora para dentro da caserna. Regurgitou.

 

Seu presidente encarnado mentiu, prometeu idílios, Diadorins e Riobaldos. Prometeu buquês de "Flores raras e Banalíssimas"

 

Estava preocupado com a permanência na ativa de alguns idiotas e o que ainda existe de ovo de serpente pelos quartéis, mas não seria difícil colocar cassacos e tejos para rastrear e comer. 

Parou de falar sobre o vexame de Cid e Lawand. Seu presidente encarnado mentiu, prometeu idílios, Diadorins e Riobaldos. Prometeu buquês de "Flores raras e Banalíssimas" e, até agora, porra nenhuma.

Disse a ele, somente, que as pessoas ainda não foram terminadas, não se reprovasse. É colominhando mesmo. Convidou-me para ler, "ensemble", "Grandes Sertões: Veredas". O amor ainda inchava nele, empapava.

Por fim, despedi-me do general que me amou. Um homem bom, os contrários de seus pariceiros de coturnos... "Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura". 

 

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