Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Na fila das cirurgias eletivas do SUS, gente sem casta feito Pedro Vale dos Santos, 70, vai morrendo há três anos das dores de uma hérnia na fila de espera por "favor" do governo do Ceará e do Planalto. Uma operação besta
O jornalismo é a melhor das contradições. Cada vez mais importante para a existência, mas poucos querem pagar por informação. Nem que seja R$ 1,99 de degustação e, depois, a oferta permanente por um alboroque tão necessário quanto um café da manhã.
Sim, há gente que não tem o privilégio de comer, que seja, nem um pedaço de pão dormido com chá de capim santo. O que dirá ter acesso a um jornal, um site, um portal ou outro meio de lambiscar notícias.
O pior é que quase todo mundo se sente informado sobre quase tudo. Telemóvel na mão e o pau canta no zap, Instagram, Google, Facebook e basta.
O que bodejei até aqui, de maneira labrega, é conversa para mais de meia hora de farra num barzinho
Na avalanche de produção de "conteúdos" vem tudo e o critério é raso para maioria dos novos "comunicadores". Uma récua de lanzudos desinformados.
O que bodejei até aqui, de maneira labrega, é conversa para mais de meia hora de farra num barzinho e o achismo e o real se esmurrando por certezas e senso comum.
O jornalismo segue tão valioso quanto a precisão de uma comezaina. E não é uma surpresa ter gente ainda recorrendo a essa entidade "abstrata" e factível para tentar resolver os absurdos particulares e públicos. Quase todo dia, recebo caminhões de pitangas.
Exagero, mas um carrinho de mercantil cheio de pautas me chega por semana. Sugestões e apelos para o jornalista dar conta.
Começou tratando de alguns no quintal. E, como o ser humano é escroto, todo gato abandonado passou a ser jogado na casa
Do tipo uma senhora que foi invadida por mais de 100 gatos, no município de Varjota, e me chorou que não sabe mais o que fazer da vida dela com os bichos.
Começou tratando de alguns no quintal. E, como o ser humano é escroto, todo gato abandonado passou a ser jogado na casa dela.
Com pena dos bichanos, ela foi acolhendo sem ter ajuda suficiente. E, quando deu por si, os gatos tomaram conta da existência da mulher.
A ideia dela era eu, repórter, ter uma "conversa" com o prefeito de Varjota, e com o deputado Célio Studart
Ela queria que o jornalismo trouxesse a vida dela de volta. Trouxesse os familiares que passaram a evitar a casa, os almoços aos domingos. Muito cocô, pelos e barrigadas sem fim.
A ideia dela era eu, repórter, ter uma "conversa" com o prefeito de Varjota, e com o deputado Célio Studart. Não tenho interlocução com nenhum dos dois.
Disse não, que o caminho era uma matéria para expor a vida de uma mulher que está se metamorfoseando num gato de abandono. Ela até concordou, mas depois recuou e a vida vai. Ela voltará a me ligar.
Está na fila das cirurgias eletivas da Secretaria da Saúde do Ceará e seu infeliz número, até o mês passado, era o 235
Outro caso, que acompanho há um tempo, é o de Pedro Vale dos Santos. Há três anos o senhor de 70 vidas tenta fazer uma cirurgia de hérnia que o inferniza em dores. Some-se que o homem pobre, sem casta, tem ainda um Parkinson na degeneração dos dias.
Está na fila das cirurgias eletivas da Secretaria da Saúde do Ceará e seu infeliz número, até o mês passado, era o 235 na espera quase infinita do SUS. Não é culpa do SUS.
Seu Pedro dos Santos até se animou quando Elmano de Freitas e Lula anunciaram um mutirão das operações para pobres e miseráveis, promessa de zerar o sofrimento e as mortes de quem a gente nem imagina e o jornalismo atravessa.
A ex-esposa dele e a filha conversam comigo, o repórter. Sobre o corpo dele que se desmancha e as dores dos eleitos para penar. Uma leva grande de semelhantes assim, mas, infelizmente, só se consegue "as coisas" se o jornalismo "se aliar". Elas importam o periodista.
O jornalismo é, talvez, um abraço para muita gente, divinas tetas. Fel para os soberbos, leite podre na cara dos caretas.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.