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A menina do setembro amarelo
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A menina do setembro amarelo

O 9º ano de uma escola no bairro Autran Nunes precisa discutir a ausência de uma estudante que se foi na semana passada. As escolas, as famílias e as secretarias da Educação carecem romper com as omissões
Tipo Crônica
Primavera em Fortaleza. Floração do ipê amarelo atrái beija-flor-da-veste-preta no Parque Estadual do Cocó, na área do Adahil Barreto. Fortaleza-Ceará (Foto: Demitri Túlio)
Foto: Demitri Túlio Primavera em Fortaleza. Floração do ipê amarelo atrái beija-flor-da-veste-preta no Parque Estadual do Cocó, na área do Adahil Barreto. Fortaleza-Ceará

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Sexta-feira, 22 de um Setembro Amarelo e de primavera. Uma escola em Fortaleza teve de enterrar uma aluna de 15 anos de idade e os sonhos que a garota ainda tinha para sonhar. Ela se suicidou. "Em virtude desse lamentável fato, não haverá aula normal. Receberemos os alunos para um momento de acolhimento e oração por ela".

Esta crônica nunca será datada.

Uma mãe, amiga minha de conversas sobre educação e coisas bestas, aflita com a repercussão nos pensamentos da filha abalada pelo repentino da colega de classe, foi pedir informação sobre a morte surpreendente da menina que resolveu virar saudade.

Encontrou muitos silêncios.

A escola municipal, onde a tristeza se fez, fica no bairro Autran Nunes. Mas não é diferente das redes estadual e particular quando a motivação para se desfazer da vida ronda meninas e meninos.

 

Subterfugiam a dor de um ser vivo humano que chegou ao limite da existência, com tão pouco tempo de vida, e desapareceu

 

É ruim o silêncio no ambiente escolar quando não se discute de maneira acolhedora, e talvez curativa, um assunto tão doído e camuflado.

A escola vítima, a Prefeitura, as secretarias da Educação do Município e do Estado, a rede particular e as famílias continuam adiando conversas perenes sobre essa ocorrência possível e recorrente.

Subterfugiam a dor de um ser vivo humano que chegou ao limite da existência, com tão pouco tempo de vida, e desapareceu de quem gostava dela ou dos que faziam bullying no território da escola.

 

Certo, mas o caso da menina que supostamente sofria constrangimentos porque tinha o corpo "magro" não deveria atravessar a escola

 

Não é ir atrás somente de culpados. Se foi a carência de atenção em casa ou se foi o faz-de-conta nas escolas no trato com a convivência entre crianças e jovens cada vez mais com reféns da pulsão pela morte em vez de continuarem coexistindo.

Fizeram uma missa, alguns choraram, outros ficaram chocados, decretou-se luto e houve suspensão de aulas. Certo, mas o caso da menina que supostamente sofria constrangimentos porque tinha o corpo "magro" não deveria atravessar, por algumas semanas, meses e anos a rotina letiva entre o labirinto escolar e o de casa?

Não deveria haver um protocolo para tentar prevenir outros suicídios de alunas e alunos? Ou, no futuro, de adultos que vivem na peinha do desassossego de tirar a própria vida?

 

Silencioso em casa, sem dialogar muito com pai e mãe, jogador viciado em games de morte, um dia conseguiu uma arma e atacou o 9º ano

 

Cobri a tragédia de Sobral feito repórter. Da escola estadual Professora Carmosina Ferreira Gomes, em 2022. A triste crônica do estudante adolescente que era invisível porque passava as aulas a dormir e quando acordava era arengado porque não "existia".

Silencioso em casa, sem dialogar muito com pai e mãe, jogador viciado em games de morte, um dia conseguiu uma arma e atacou o 9º ano de sua "convivência". Matou um, feriu dois e a comunidade escolar nunca discutiu, valendo, como sarar a ferida dos tiros na escola e da ausência do aluno que se foi.

Fez-se o silêncio e ainda incomoda a mudez sobre o fenômeno de matar o outro ou se retirar da vida. O adolescente matador sabe-se lá seu destino daqui alguns anos; e as famílias do agressor e dos vitimados sempre doerão na recorrência. E a escola faz de conta que a história é passado ou nunca ocorreu.

 

Ela teve em alguma disciplina escolar, sem ser arranjo aleatório, diálogos interessados sobre "ansiedade", "medos", "depressão"

 

A estudante da escola pública municipal do Autran Nunes, em Fortaleza, e tantos outros que sumiram assim tiveram em algum dia conversas despertantes de amorosidades? Em casa e na escola?

Ela teve em alguma disciplina escolar, sem ser arranjo aleatório, diálogos interessados sobre "ansiedade", "medos", "depressão", "separação de pais", "sexualidades", "solidão", "abuso sexual", "corpo privado" "sozinhez", "namoro", "insegurança", "machismo", "heteronormatividade", "homossexualidade"? E outras inquietações?

Não estou falando de gambiarras pedagógicas. Refiro-me a uma "sala de experiências e convivências" que continuará inexistindo na Carmosina Ferreira Gomes, na escola do Autran Nunes e em todas da rede pública e particular.

A menina que passou fazer falta no 9º ano do turno da manhã, no Autran Nunes, experimentou apenas 15 anos de vida. Muito pouco. A ausência dela precisa incomodar sim.

 

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