Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.
Vinte e uma ossadas, supostamente de guerrilheiros do Araguaia, aguardam identificação em laboratórios da Polícia Federal e UNB, em Brasília. O problema é que Lula ainda não restituiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos
Esta crônica não se propõe em ser uma crônica. Nem uma notícia. Talvez porque o repórter queira escrever o texto e não o cronista. Porém o cronista insiste que uma prosa poética poderia ser o melhor caminho para narrar, mas o assunto é cheio de doídos, silêncios e esquecimentos...
É sobre o guerrilheiro Antônio Teodoro de Castro, um desaparecido político até hoje durante a ditadura cívico-militar de 1964-1985. É um pouco sobre a mãe dele, dona Benedita; sobre a irmã de Teodoro - Maria Mercês Castro; e sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
É somente um sentimento inquieto depois de uma conversa com Mercês, entrevista feita por mim e a repórter e produtora Mariana Lopes. Mais uma vez me dei conta de ser triscado pela dor de quem teve um parente torturado e morto pelo Estado brasileiro.
Quando Teodoro sumiu de Fortaleza, nos anos de 1970 e virou guerrilheiro no Araguaia contra a ditadura, a família ficou com a pecha de "maldita"
Dona Benedita morreu sem ver o filho voltar do Henfil. Nem teve o direito de sepultar o corpo dele nem os ossos que fossem e desenhassem algum fechamento de uma ausência. Foram pelo menos 11 anos da mãe tardar para esperar.
Quando Teodoro sumiu de Fortaleza, nos anos de 1970 e virou guerrilheiro no Araguaia contra a ditadura de Castelo, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, a família ficou com a pecha de "maldita".
Maldada e espiada na rua. "Lá vem a irmã do terrorista". Silenciada nas escolas e entre paredes em família. "Mamãe pediu para não tocarmos no nome dele". E os diretores dos colégios chamavam nossos pais e "pediam" para que as meninas não citassem Teodoro nas redações. As lembranças são de Mercês.
Talvez uma forma de protesto silencioso e materno de Benedita contra a ditadura que tentou apagar o filho dos retratos de família
E a mãe, toda vida na hora do almoço, punha à mesa também o prato de Teodoro entre os irmãos e o pai. Talvez uma forma de protesto silencioso e materno de Benedita contra a ditadura que tentou apagar o filho dos retratos de família.
Era insistente, calada, que Teodoro permanecia existindo nela e na história de um país que ainda não se sarou de um passado trevoso. Tanto que Bolsonaro reincorporou o nefasto e o funéreo de uma época supostamente vencida e anistiada.
Mas como ser dada como superada com tanta gente sumida mesmo 60 anos depois da ditadura de 1964? Estamos na peinha do fim de 2023 e Teodoro, Jana Barroso e Custódio Saraiva Neto nunca tiveram o direito ao velório deles mesmo. Falo dos cearenses, mas há uma cova de brasileiros ocultados e famílias faltando pedaços.
Vinte e uma ossadas perseguirão os dias, até o fim, de Lula em sua terceira passagem pela presidência do Brasil
Oh, pedaço de mim // Oh, metade arrancada de mim // Leva o vulto teu // Que a saudade é o revés de um parto // A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu... Oh, pedaço de mim // Oh, metade afastada de mim // Leva o teu olhar // Que a saudade é o pior tormento // É pior do que o esquecimento // É pior do que se entrevar.
Vinte e uma ossadas perseguirão os dias, até o fim, de Lula em sua terceira passagem pela presidência do Brasil. São supostos vestígios de guerrilheiros torturados e sumidos durante a guerrilha do Araguaia. Estão engavetadas em laboratórios na Polícia Federal e na UNB, em Brasília.
Entre os restos mortais há uma possibilidade de identificação de DNA de Jana, Teodoro e Custódio. Em 2009, a família de Bergson Gurjão recebeu um pequeno baú de madeira, do Governo Federal, com o que restou do rapaz.
Teodoro é o único brasileiro do Araguaia que permanece ainda com o carimbo de "guerrilheiro" e "terrorista". A família não aceitou a anistia nem a indenização
Lula, com medo de melindrar os quartéis bolsonaristas, ainda não restituiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil. Nem acolhe mais os familiares, queixa-se Mercês. "Não nos recebe, mas vai à Argentina e abraça as mães da Praça de Maio".
Teodoro é o único brasileiro do Araguaia que permanece ainda com o carimbo de "guerrilheiro" e "terrorista". A família não aceitou a anistia nem a indenização. "O Estado falhou com minha família, com minha mãe. Queria que o Lula dissesse "nós falhamos com vocês", devolvesse o Teodoro e pedisse perdão".
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